Basta a Proximidade

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Se te disser o quanto luto para manter, por vezes, a minha concentração, identificas-te comigo? Se te disser o quando é difícil começar uma coisa que desejo muito fazer, mas não sei por onde começar, estás comigo? Durante muito tempo as pessoas sentiam vergonha das suas limitações e dificuldades, quando, no fundo, todas faziam a experiência de como essas as ajudam a crescer. Hoje, as experiências duras são o melhor ponto de partida para conectar com alguém.

Foto de Priscilla Du Perez em unsplash
Foto de Priscilla Du Perez em unsplash

Todos gostamos de ter sucesso e partilhar o que nos corre bem. É normal porque as boas notícias são para ser partilhadas, não escamoteadas, mas, o que fazer dos insucessos? Sendo em maior número, falar dos insucessos é falar da normalidade que faz parte da nossa vida quotidiana. É também normal que isso não seja notícia, mas quando alguém me partilha algo que sente dificuldade, e eu a vivo também, cria-se um laço entre nós. E, por vezes, na partilha recíproca dos nossos insucessos e do desejo que temos de que os superar surgem ideias e pensamentos novos. São luzes que emergem da comunhão recíproca das trevas.

Limitações, dificuldades e insucessos são experiências dolorosas. Não é só o nosso corpo que reage à dor. É também o nosso estado emocional, a nossa capacidade de pensar, o nosso estado espiritual. Em primeiro lugar, reagimos porque faz parte do nosso instinto de sobrevivência. Em segundo lugar, reagimos porque há sabedoria quando se supera a dor que serve para toda a vida.

Se através das nossas experiências dolorosas procuramos um olhar diferente sobre a vida e não um mero pedido de atenção, abrimos o espaço da conexão a alguém. Podemo-nos ficar pelo consolo desejado e compreensão recíproca, mas isso sabe a pouco. A procura da lição de vida é o verdadeiro motivo que impulsiona a partilha.

O sorriso proveniente da sabedoria daquele que partilha a sua dor, e de como diante dela leva a sua vida para a frente, desconcerta. O olhar genuíno enrugado pelas dificuldades da vida, mas que me diz – “quero-te bem” – intriga-me. O gesto simples de um dar a mão, um ligeiro aperto no ombro, ou um agarrar gentil do braço transmite um – “estou contigo” – que desarma. Por vezes damo-nos conta de como não são precisas grandes coisas para criar pontes, acender luzes e aliviar dores. Basta a proximidade.

Num mundo em que as pessoas se afastam, mesmo quando estão juntas, seja por estarem cada um a ver o seu programa no dispositivo electrónico, ou cada uma no seu telemóvel, a resposta está na proximidade despojada do que se possui. Quando nada temos (até fisicamente), resta apenas uma coisa, a nossa história, a história do outro. Histórias que se enriquecem, compreendem-se, iluminam-se e ajudam a encontrar o valor da reciprocidade no dom. Por fim, histórias que permitem viver o tempo com intensidade, em vez de futilidade. Se há coisa que mais descartamos, e mais necessitamos, é o tempo. Como esse não anda para trás, usemo-lo para juntos irmos em frente.

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