O agravamento das desigualdades sociais na era digital

Liliana Marques Pimentel, Diocese de Coimbra

«Não podemos permitir que os algoritmos limitem ou condicionem o respeito pela dignidade humana» – Papa Francisco (2023)

No passado dia 27 de março de 2023, o Papa Francisco alertou para o agravamento das desigualdades sociais, acelerado pela concentração das tecnologias digitais nos países mais ricos. Declarou num discurso divulgado pela Sala de Imprensa da Santa Sé: “Preocupa-me o facto de que os dados recolhidos até agora sugiram que as tecnologias digitais tenham servido para aumentar as desigualdades no mundo: não só as diferenças de riqueza material, que são importantes, mas também as de acesso à influência política e social”. O Papa questionou se as instituições nacionais e internacionais são capazes de responsabilizar as empresas tecnológicas pelo “impacto social e cultural dos seus produtos”, tendo em consideração que “o risco do aumento das desigualdades pode comprometer o sentido de solidariedade humana e social”.

Em bom rigor, os “profetas” da revolução digital nunca prometeram que ela promoveria uma redução da desigualdade. Mas garantiam que as novas tecnologias garantiriam um aumento da produtividade no trabalho, o que levaria a melhores salários para a maioria. Um dos últimos relatórios das Nações Unidas sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mostra que os impactos da revolução digital no trabalho passam longe das promessas. O relatório “O Trabalho como Motor do Desenvolvimento Humano” revela que o crescimento da produtividade ficou aquém do esperado e também não elevou a massa salarial. Das previsões sobre a revolução digital, confirmou-se apenas a pior: o aprofundamento da desigualdade.

As Tecnologias da Informação e a Comunicação (TIC) oferecem inúmeras vantagens: mais acesso à informação, redução de custos no setor do trabalho, mais conectividade entre as pessoas, etc. Porém, a digitalização não está a acontecer de forma igualitária em todo o mundo. Também existe um desequilíbrio e o nome para isto é exclusão digital. A desigualdade no acesso à Internet e às TICs chama-se exclusão digital e afeta 52 % das mulheres e 42 % dos homens do mundo. Este fosso torna-se ainda maior quando falamos de regiões: segundo dados extraídos do portal Internet World Stats, em dezembro de 2021, na África só 43,1 % de seus habitantes vivem conectados, com relação a 88,4 % dos europeus e 93,4 % dos norte-americanos.

Os dados evidenciam o abismo tecnológico que separa alguns países de outros, apesar de que as redes 3G e 4G, à espera da expansão maciça do 5G, já chegam a quase todos os cantos do planeta. Neste ponto, convém enfatizar entre o acesso à Internet e a alfabetização digital, ou seja, o processo de aprendizagem que permite que uma pessoa adquira competências para entender e aproveitar o potencial educativo, económico e social das novas tecnologias.

O Papa Francisco falava aos participantes nos ‘Diálogos Minerva’, iniciativa do Dicastério para a Cultura e Educação, organismo presidido pelo cardeal português D. José Tolentino Mendonça, de que “o conceito de dignidade humana impõe-nos a necessidade de reconhecer e respeitar que o valor fundamental de uma pessoa não pode ser medido por um complexo de dados. Nos processos de decisão sociais e económicos, temos de ter cautela ao confiar os juízos a algoritmos”. Por outro lado, “não podemos permitir que os algoritmos limitem ou condicionem o respeito pela dignidade humana nem excluam a compaixão, a misericórdia, o perdão e, sobretudo, a abertura à esperança numa mudança da pessoa”, advertiu Francisco. Saliente-se que os “Diálogos Minerva” são encontros que reúnem, anualmente, cientistas, empresários, juristas, filósofos e representantes católicos, para debater o impacto social e cultural das tecnologias digitais, em particular a inteligência artificial.

Segundo o Papa Francisco “a meta é que o crescimento da inovação científica e tecnológica seja acompanhado por maior igualdade e inclusão social”. O seu discurso critica uma “falsa conceção da meritocracia”, que leva a ver na vantagem económica de uma minoria da população algo de “merecido” e a pobreza de muitos é “vista, num certo sentido, como sua culpa”. Francisco alertou para a falta de uma visão “partilhada” da dignidade humana, nos debates públicos, o que tem levado a uma “cada vez maior polarização”. A história bíblica da Torre de Babel (cf. Gn 11,19) tem sido muitas vezes utilizada como advertência contra as pretensões excessivas da ciência e da técnica. A Escritura, na verdade, adverte-nos contra a presunção de querer “tocar os céus” (cf. v. 4), isto é, apoderar-se e usurpar o horizonte maior de valores que conotam e salvaguardam a nossa dignidade humana. Quando isso acontece, sempre resulta em grave injustiça dentro da sociedade. A história da Torre de Babel faz-nos pensar na dificuldade de fazer um tijolo: requer barro, palha, trabalho de moldagem e queima. Sempre que um tijolo caía, era visto como uma grande perda; as pessoas gritavam: “Perdemos um tijolo!”. No entanto, se um trabalhador caiu, ninguém disse nada. Isso deve-nos fazer pensar! O que é mais importante, um tijolo ou um homem ou uma mulher que trabalha?

Liliana Marques Pimentel
Comissão Diocesana Justiça e Paz

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