As palavras vazias…

Santos Cabral, Diocese de Coimbra

Neste período eleitoral que vivemos a proclamação de promessas a esmo, dando tudo a todos, à revelia da situação concreta do país e dos condicionalismos impostos pelo estado da Economia, tornou-se um denominador comum do discurso de alguns políticos. À promessa de satisfação de todas as reivindicações, por mais irrealizáveis que sejam, aliam-se as benesses outorgadas em clima de acto eleitoral na expectativa do acolhimento pela boa vontade dos  favorecidos.

Falamos de promessas de sedução politica pouco credíveis em que se banaliza a palavra dada. Esta torna-se um bem vazio, e sem sentido, cujo único fito é o de ir ao encontro dos desejos, e expectativas, de cada eleitor. A utilização da “inverdade”, ou da pós-verdade, como arma para captar o voto, utilizando todos os meios mediáticos susceptíveis de serem utilizados, coloca em causa o próprio conceito de Democracia, manipulando as consciências.

Na verdade, a essência de uma sociedade democrática pressupõe uma verdadeira igualdade de direitos com a participação de todos na vida pública, contribuindo para propostas políticas concretas. Todavia, muitas vezes, o foco da mensagem politica que se pretende alcançar não é a transmissão de um conteúdo e de uma visão com sentido, mas um efeito meramente performativo na mente do alvo a atingir. No contexto de uma sociedade em que existe tanta frustração, e incerteza, a promessa vazia e irrealizável é um sintoma de oportunismo politico, transformando o campo eleitoral numa luta de interesses silenciosa e egoísta. Os princípios emanados da razão são, então, relegados para lugar esconso, afastando qualquer possibilidade de um amplo e aberto debate social.

Porém, sendo este um tempo em que a verdade é muitas vezes um bem escasso importa recentrar o debate publico numa das responsabilidades fundamentais do Estado que é a garantia do acesso dos cidadãos a serviços públicos básicos, como educação, saúde e assistência social (neles se incluindo a habitação e a pobreza). Esses direitos são o fundamento do Estado de bem-estar social, assumido como uma conquista do século XX, e a sua consolidação, e manutenção, constituem  um dos maiores desafios deste dealbar do século XXI visando assegurar uma distribuição equitativa de custos e benefícios entre os cidadãos.

A existência de um Estado apto a enfrentar os desafios dos tempos que correm pressupõe uma Economia forte, e eficiente, que, simultaneamente, tenha a aptidão para o confronto com questões essenciais como a crise climática, o avanço tecnológico, a ascensão da economia e da inteligência artificial e o desafio demográfico. A sobrevivência do Estado-providência, transpondo os novos desafios, é uma tarefa que, simultaneamente, tem tanto de difícil como de essencial.

É, imperiosa a institucionalização de processos e práticas que promovam uma instrumentalização de dados certos e objectivos, visando a tomada de boas decisões de políticas públicas. Esta abordagem implica a construção dessas políticas com base nos melhores conhecimentos disponíveis, incluindo dados, estatísticas, investigação científica, saberes especializados e pareceres académicos.

O principio da formulação de políticas baseadas em evidências tornou-se o novo paradigma na tomada de decisões que envolvam o interesse publico e o bem comum. A necessidade de uma análise séria e racional das opções fundamentais na condução da politica deverá, assim, ter como base dados objectivos que conduzam a propostas com fundamento, alicerçadas num amplo debate público,

A verdade é o antídoto mais radical para combater o “vírus da falsidade”. Como afirma o Papa Francisco “O bom político é quem tem a consciência de seu papel, quem é coerente, credível, capaz de ouvir, corajoso e comprometido com a unidade e a mudança radical …a boa política está ao serviço da paz“.

Neste tempo conturbado a nossa cidadania impõe uma atenção redobrada à mensagem que nos é transmitida. Como afirmava George Orwell  “Num tempo de engano universal, dizer a verdade é um acto revolucionário”.

Santos Cabral,
Presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Coimbra

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