Igreja/Media: «Seguidismo» entre escolas e meios de comunicação é «confrangedor» – D. Nuno Brás

Neste dia das Comunicações Sociais, o bispo do Funchal e presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, é o convidado da entrevista semanal Ecclesia/Renascença

Foto: Agência ECCLESIA/PR

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

 

Depois do convite de 2022 para escutar com o ouvido do Coração, o Papa propõe neste dia das comunicações sociais de 2023 que falemos com o coração. É preciso usar o dom da comunicação como espaço de ligação e não como um muro?

É. Eu creio que esse é o centro, o núcleo da Mensagem do Papa para este dia que vai muito para além daquilo que é uma comunicação limitada à técnica, ao saber dominar, para ir para uma noção de comunicação que podemos dizer mais humana. A comunicação como aquela realidade que nos distingue dos animais e, portanto, que nos distingue de tudo aquilo que existe. O ser humano é aquele que não apenas transmite informações, porque isso também os animais transmitem informações, mas que tem a capacidade de colocar coisas em comum. De colocar a sua realidade interior em comum com a de outro ser humano. E é isso que faz a diferença, não é?

 

No que diz respeito à comunicação da Igreja, os últimos tempos em Portugal revelaram deficiências que é preciso melhorar. É um setor que exige preparação específica de quem tem cargos de responsabilidade?

Como é óbvio, os cargos de responsabilidade não podem ficar dependentes da capacidade ou não de alguém enfrentar uma conferência de imprensa. Agora, a questão coloca-se, como é óbvio. E é óbvio também que há, digamos, uma profissionalização para onde não podemos deixar de caminhar.

 

E evidenciou se nos últimos tempos essa necessidade de uma maior profissionalização, porque houve erros de comunicação?

Eu penso que sim, penso que houve erros de comunicação. Penso também que muitas vezes o ponto de partida foi o de condenação da Igreja, não é? E aí não há profissionalização, que valha, sobretudo quando as pessoas já estão com a sentença dada. Devemos aqui valorizar aquilo que o Papa diz na sua Mensagem para este dia das comunicações Sociais, quando já há o preconceito, o prejuízo, como se diz noutras línguas latinas, aí de facto não há nada a fazer. E, portanto, qualquer ato de comunicação correrá mal, não é? Agora penso que isso não impede de percebermos e de nos darmos conta de que nem sempre a Igreja sabe comunicar bem. Ou melhor, dizendo, nem sempre a Igreja sabe estar bem de acordo com aquelas leis que são as leis da comunicação social, da comunicação de massas. Depois, se a Igreja sabe comunicar bem ou não sabe comunicar bem, eu creio que não se pode simplesmente reduzir a uma prestação, numa conferência de imprensa.

 

Sim, mas esse é um dos temas que, aliás, e gostaríamos de falar. Na última Assembleia Plenária, foi eleito para presidir à Comissão Episcopal da Cultura, bens Culturais e Comunicações Sociais, onde, aliás, já trabalha há alguns anos e neste caso especificamente falando de comunicação da Igreja e não apenas destes momentos e destas polémicas, o que é que consegue identificar de prioritário neste setor para a Igreja Católica em Portugal?

Em primeiro lugar, creio que o prioritário é sempre o humano, não é?

 

É o fator antropológico e não apenas tecnológico…

Exatamente. Exatamente, ou seja, nós não podemos contentar-nos com uma comunicação – mesmo uma comunicação social – onde seja a tecnologia, onde seja aquilo que é já preconceito, aquilo que é já sabido a dominar. Mas onde, onde se possa ter um rosto humano, não é? A comunicação na televisão tem sempre muito de cenário, tem sempre muito de aparência, não é?

 

São linguagens específicas, não é?

São linguagens especificas, exatamente. Essas linguagens específicas, obviamente que temos de respeitar porque fazem parte do próprio média e, portanto, como diz McLuhan o media é já a mensagem, ou pelo menos uma boa parte dela. Agora a comunicação é muito mais que isso.

E nós precisamos mesmo aqui nos grandes meios de comunicação, precisamos de colocar muito mais de humanismo e muito mais de humanidade frente àquilo, por exemplo, que são os domínios das audiências frente àquilo que é a competição selvagem a que se assiste tantas vezes nos grandes meios de comunicação. E depois temos de olhar muito, e creio que esse é o mundo que ainda está muito, digamos selvagem, precisa de ser muito trabalhado, que é o mundo das redes sociais, que é o mundo desta comunicação, onde toda a gente diz tudo quanto lhe apetece, sem qualquer responsabilidade, onde todas as mentiras podem aparecer juntamente com todas as verdades, e é tão difícil de as distinguir.

 

Aí a comunicação da Igreja Católica pode também assumir um papel de mediação? No sentido de orientar as pessoas….

Eu não sei se é mediação, mas é de proposta. Eu acho que aí pode e deve ser de proposta de caminhos alternativos. Portanto, esta tentativa pode ser ou menos ingénua, mas esta tentativa de propor a uma sociedade, ou a um meio a um ambiente de comunicação perfeitamente selvagem e onde tudo é possível e o seu contrário também, propor caminhos de humanidade. Isso sim. Isso parece-me que é muito importante.

 

Os jornalistas não podem ser vistos como inimigos da Igreja, mas como em relação a outras áreas é preciso que saibam do que falam para comunicar bem e com verdade. Falta também uma maior formação nesta área por parte dos profissionais da comunicação?

Falta. Falta conhecer a linguagem. Eu creio que não há nenhum jornalista que hoje faça uma peça sobre economia sem saber de economia. Mas de facto, a sensação que existe é que todos acham que podem fazer uma peça sobre a vida da Igreja ou sobre a vida da fé, sem terem estudado minimamente, sem estarem por dentro da linguagem, porque tudo é igual a tudo. Dá a sensação muitas vezes que a vida do crente que a vida da fé é olhada como qualquer coisa de menor na nossa vida contemporânea. E isso creio que é claramente injusto, não é?

 

E sente existe interesse na atividade das comunidades católicas para lá daqueles momentos de maior polémica? A vida da Igreja ainda é relevante do ponto de vista mediático?

A questão, creio que também se pode colocar desta forma: o que é que é relevante do ponto de vista mediático?

O que é que é relevante do ponto de vista mediático?

 

Por norma a polémica….

Mas não só a polémica. Algumas polémicas, não é. Basta fixarmo-nos na hora dos telejornais. É deprimente percebermos que os telejornais do horário nobre, pelo menos têm todos o mesmo tema. São dois ou três temas à volta dos quais andam ali durante uma hora, e às vezes com as mesmas imagens, as mesmas declarações… E são de uma limitação confrangedora que coloca inclusivamente, em causa, penso eu, a própria noção de liberdade de imprensa.

 

Há uma certa massificação?

Há uma massificação, mas quase que assumida e quase que interiorizada pelos próprios profissionais de que são aqueles quatro assuntos que fazem a atualidade e todos os outros não interessam.

 

Alinhamentos decalcados?

Eu penso que sim, bem, essa é a explicação, digamos, mais inocente, não é? Há de facto

facto aqui assim uma falta de até mesmo de coragem para dar novos passos para dizer, bom se aqueles deram esta notícia, nós vamos dar aquela outra ou vamos fazer um noticiário com mais notícias. Creio que há aqui um seguidismo entre escolas de comunicação e entre meios de comunicação, um seguidismo que é confrangedor.

 

Sobre o ser relevante, dou um exemplo da vida da Igreja Católica na Madeira, as visitas do Espírito Santo, as visitas pascais que decorrem entre a Páscoa e Pentecostes, que são sempre notícia. Há manifestações da vida dos católicos, especificamente religiosas, que têm potencial mediático…

Sim. Aliás, devo dizer, concretamente em relação à Diocese do Funchal, que não posso absolutamente queixar-me de falta de presença mediática e aí, de facto, a Igreja está muito presente. O facto de haver meios de comunicação regionais a leva a que haja um conjunto maior de sujeitos e de objetos noticiosos do que no Continente – onde se dirige a um público maior.

 

É preciso também regional regionalizar na comunicação social?

Se calhar também. Eu confesso que a minha vinda aqui para a Madeira me tornou num adepto da regionalização. É uma realidade cara, mas é uma realidade que, creio, é o único caminho para, por exemplo, fazer com que o Interior deixe de ser de segunda classe.

 

Isso em termos em termos mediáticos, isso também tem impacto no apoio que deve ser dado ou não. A imprensa local, por exemplo, a imprensa regional.

A imprensa a imprensa regional está muito no papel, não é? Nós sabemos que o papel, não digo que tenha os dias contados, mas não anda muito longe disso. Agora, creio que há uma atenção grande que se devia dar aos meios regionais. Não tenho dúvidas nenhumas, porque são a forma destas diferentes realidades, que são centrais também, e que são importantes para a vida das pessoas, poderem aparecer neste ambiente mediático, onde não aparecem, porque muito simplesmente, há generalização e a generalização significa sempre abstrair da própria realidade e criar uma realidade quase inexistente, por fabricar uma realidade que é quase uma ficção.

 

Aproveitando também a sua qualidade de vice-presidente da COMECE e olhando para a forma como tem sido acompanhado o conflito da Ucrânia na União Europeia: a Mensagem do Papa Francisco para este Dia Mundial das Comunicações Sociais alerta para a retórica belicista, especificamente sobre esta questão da guerra. Sente que há uma tentação do sensacionalismo, na comunicação?

Claro. Nós temos um dado objetivo: a Ucrânia é o país invadido e a Rússia é o país invasor, mas a notícia é sempre dada a partir da perspetiva da Ucrânia e isso não pode deixar de ser… mas creio que esta questão belicista, que aparece agora de uma forma muito clara em relação à guerra na Ucrânia, é uma linguagem que está presente constantemente na Comunicação Social, não é? E é uma das técnicas, obviamente, para despertar interesse, para aguçar este apetite, mas reduz a realidade ao preto e branco, a um contraste, reduz a realidade a uma luta entre pessoas e isso não é a realidade, graças a Deus, senão andávamos todos aqui no hospital mais do que aquilo que já andamos…

 

Pergunto-lhe especificamente como é que sente o acompanhamento deste conflito junto dos bispos da União Europeia, com quem tem oportunidade de contactar?

Os bispos acompanham, obviamente, com muita preocupação todo este conflito. Recordo a questão dos refugiados, como a Igreja na Polónia, a Igreja na Hungria, por exemplo, mas depois toda a Igreja na Europa esteve empenhada no acolhimento. Nesta última sessão esteve muito presente a preocupação de ninguém estar a fazer tentativas de paz. Esta é uma preocupação muito grande, porque não se percebiam, nem se percebem propriamente ainda, caminhos de paz, caminhos possíveis de paz. Já lá vai um ano e tanto, as pessoas continuam a matar-se umas às outras, parece que há aqui qualquer coisa que impede…

 

Reina o pessimismo relativamente a esse processo?

Sim. Eu creio que podemos dizê-lo, o clima era essencialmente pessimista. Sabíamos, e isso foi-nos comunicado, que particularmente em relação à troca de prisioneiros, o Vaticano tem estado muito ativo, aí sim. Sabemos agora, já depois da reunião, desta tentativa do próprio Papa de propor os meios diplomáticos da Santa Sé, de propor caminhos de paz. Enfim, não sabemos propriamente que caminhos são esses, temos alguma esperança, com certeza. É verdade que, depois, os caminhos de paz não se podem fazer na praça pública, porque isso é a destruição desses mesmos caminhos. Mas obviamente que este anúncio do Papa não deixa de ser uma esperança, quase parece que é o único que que está a fazer esta tentativa de pacificar, de fazer parar as armas que já soam há demasiado…

 

A mensagem do Papa convida ainda a falar com um coração no processo sinodal em curso, na Igreja Católica. É um desafio para todas as comunidades ou sente já alguma desmobilização após a fase de consulta?

A sinodalidade é qualquer coisa que não pode deixar de estar sempre presente na vida da Igreja. Caro que, em relação a este próximo Sínodo dos Bispos, eu diria que há alguma desmobilização neste momento, haverá uma mobilização quando, depois, houver propriamente a Assembleia Sinodal, não tenho dúvidas disso.

Aquilo que me parece ser já uma realidade adquirida, pelo menos para a grande maioria, é esta dimensão sinodal da vida da Igreja, que é a dimensão do próprio povo de Deus e que nos aparece sempre no Concílio Vaticano II. Creio que esta chamada atenção para a dimensão sinodal foi muito importante e é muito importante, é caminho iniciado que não deixará de ser percorrido.

 

Neste Dia Mundial das Comunicações Sociais, as comunidades católicas são chamadas, concretamente, apoiar projetos de comunicação diocesanos e também a nível nacional. É necessário que exista um maior proximidade e conhecimento do que vai sendo feito, e é bastante, por todo o país, para comunicar a realidade da Igreja?

É preciso, é preciso comunicar. Creio que estamos ainda muito, mesmo na Igreja, na análise se passou, se não passou, se está presente, se não está presente… A mensagem do Papa convida-nos a termos uma quase ingenuidade, ou melhor, dizendo uma simplicidade, uma humildade de quem percebe que tem qualquer coisa de importante, a comunicar, ou melhor dizendo que tem Alguém de importante a comunicar e que não pode deixar de o fazer. Não pode deixar de estar, assim, aberto para quem quiser escutar. Podemos ser pregadores no deserto, mas não podemos deixar de pregar.

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Agência ECCLESIA

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