Um diálogo em condições…

Luís Silva, Diocese de Aveiro

Os nossos tempos têm medo… Medo de tudo, mas, particularmente, do outro, do diferente de si próprio. Temos medo daquele que vem de outro lugar, do que pensa de outro modo, do que crê de forma diferente… Por paradoxal que pareça, porém, muitos tomariam estas primeiras afirmações como defesa de um pronto acolhimento das agendas ditas ‘da diferença’. Há, contudo, que reconhecer que uma das maiores promotoras deste medo do outro, do diferente, é, entre outras, precisamente, a ideologia de género (e outras agendas agregadas) que promove um individualismo que fecha cada um em si mesmo, como que revisitando a régua de Protágoras e dando-lhe um novo sujeito: ‘o indivíduo é a medida de todas as coisas’…

Impõe-se, por isso, superar os medos, superar os individualismos enclausurantes, e partir em direção ao outro, ao tu, diante de quem nos definimos como ‘eu’.

A etimologia da palavra ‘diálogo’ ajuda a perceber o alcance desta minha última afirmação.

Uma etimologia fina do que nos diz a palavra ‘diálogo’ permite-nos concluir que ela afirma que a ‘palavra percorre um caminho que vai de um a outro sujeito’. Poderíamos traduzir a palavra ‘diálogo’ como ‘a palavra ao longo de, através de’, como que afirmando que existe uma ‘tensão’ natural, fundamental, que é condição para que a palavra se sinta atraída a sair de um e dirigir-se a outro.

À luz desta etimologia, percebe-se que, para haver diálogo, é necessário assegurar duas condições. Condições que, quando inexistentes, criam o cenário em que se representam os extremismos de direita ou de esquerda.

São essas condições as seguintes:

– Por um lado, diferença;

– Por outro lado, abertura.

Os tempos em que vivemos, radicalizados, polarizados, esquecem uma ou outra condição.

Ora afirmam que, em nome do ‘diálogo’ se fundam as identidades, se omitam as identidades, se neutralizem as identidades, como se tal assegurasse as boas condições para o diálogo. Nada mais errado. A ocultação das identidades impede o diálogo, funde as vozes num monólogo, redundando, por fim, na gritaria dos que elevam mais alto a voz.

Contra esta visão, deve afirmar-se a importância das identidades, da história, da memória, na linha, aliás, do que sustenta a nossa Constituição, quando se refere à natureza da relação entre Estado e Igrejas, e onde se evita uma ideia de laicidade compreendida como silenciamento das religiões ou neutralidade opaca do Estado. A nossa Constituição, ao evitar os termos ‘laico’ e ‘laicidade’ para definir a relação da III República com as religiões, foi sábia, pois compreendeu as lições da História e definiu que a República se relaciona com as religiões como parceiras e como cooperantes na construção da sociedade. A nossa Constituição defende a separação entre Estado e Igrejas, não em nome de uma indiferença e fusão de identidades (neutralizando-as), mas sim em nome da liberdade e identidade religiosa. Evita, com sabedoria, os erros da Constituição francesa que utiliza o termo ‘laica’, criando um problema com as religiões que, felizmente, Portugal não tem.

É esta sabedoria que deveria ter-se sempre que a matéria é diálogo e encontro de culturas. O diálogo não supõe, a esta luz, uma fusão, uma neutralidade das identidades, mas, antes, supõe-nas. Sem identidades, a palavra não percorre um caminho; antes, pára, estagna, não circula…

Este é o risco dos radicalismos de esquerda.

A outra condição é a abertura. Abertura que tem a consciência de que ninguém nasce de si, ninguém se gera a si mesmo, ninguém pode constituir-se como ‘eu’ sem ser diante de um ‘tu’.

O medo do outro, enclausurado numa máscara que faz dele sempre alguém sem virtudes, aprisiona e contradiz o axioma de que sem os outros nunca teríamos consciência de nós mesmos. É diante do outro que nos definimos e não sem o outro. O outro não deveria, por isso, suscitar-nos medo, mas gratidão. O outro é como que a nossa condição de possibilidade, pois, como tenho vindo a afirmar, repetidamente, a nossa liberdade não termina onde começa a do outro (como defendeu Herbert Spencer, preconizador do liberalismo clássico), como se o outro nos limitasse, nos oprimisse e fosse o impedimento para o nosso desenvolvimento, mas antes, a nossa liberdade só é efetiva se crescer com a do outro, se promover a do outro e só germina com a do outro.

O esquecimento disto é o erro dos extremismos de direita.

Radicalismos de esquerda, que fundem as identidades e as neutralizam, ou de direita, que isolam e fecham em si mesmos, esquecem uma das duas condições, absolutizando apenas uma delas.

Ao afirmarem essa condição, que pretendem proteger, parecem seduzir e atrair, mas é sempre bom lembrar aos que, entre os católicos, se identificam com o radicalismo de esquerda ou com o radicalismo de direita que o segredo da catolicidade está em não tomar apenas uma parte, como tantas vezes fizeram as ‘heresias’ (‘heresia’ quer, precisamente, dizer ‘escolha’, ‘opção’, ‘parte’). A verdadeira sabedoria católica está em não ficar com uma parte: é preciso tomar o todo.

E assim haverá um diálogo em condições… Todas!

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