Um ano de pontificado entre o Papa real e um Papa «imaginário»

Para o jornalista e comentador Henrique Monteiro, o segredo de Francisco é a sua linguagem afetiva e próxima, que chega a todas as pessoas

Agência ECCLESIA (AE) – Um ano depois de ter sido eleito, o Papa Francisco, entrando numa linguagem desportiva, é um treinador que joga à defesa, a médio ou atacante?

Henrique Monteiro (HM) – A pergunta é pertinente, mas penso que ele não ataca nem defende. Ele tem um estilo curioso que criou em certas pessoas, sobretudo não católicas, um Papa imaginário. Hoje, temos um Papa real – o Papa da Igreja Católica – que não renegou nada daquilo que está na história da Igreja, mas temos também um Papa imaginário que é elogiado pelos gays – apenas reafirmou a catequese que já lá estava – e endeusado por certas pessoas de esquerda – aquilo que diz sobre o capitalismo, já o Papa Leão XIII o tinha dito na encíclica «Rerum Novarum». Ele já disse uma série coisas que estão na doutrina, mas algumas pessoas nunca ligaram a isso.

 

AE – Recebem como novidade, algo com séculos de história?

HM – Nunca tinham ouvido ou lido. Então criaram um Papa mítico. Esse Papa mítico joga ao ataque porque, curiosamente, quando ele joga à defesa não o ouvem. Um jornalista estrangeiro escreveu que ele era o novo ídolo da esquerda porque os jovens tinham tirado os posters de Obama e tinham colocado os posters do Papa Francisco. Uma semana depois, o Papa disse que havia uma espécie de progressismo adolescente à volta dele que ele não suportava.

Ele é obrigado a atacar porque uma boa parte da imprensa o «toma» por alguém que ele de facto não o é. Depois de o ter tomado por outra que ele também não o foi. É preciso não esquecer que quando foi eleito, alguma imprensa disse que ele era colaboracionista com a ditadura Argentina.

 

AE – Mas tem um estilo próprio de comunicar com as pessoas.

HM – Isso é mesmo dele. No entanto, cada Papa tem a sua forma de comunicar. Não recordo o estilo de João XXIII, apenas a morte dele, mas lembro o Papa Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI. Todos estes tinham estilos muito diferentes. Basta olhar para Ratzinger e João Paulo II que tinham estilos quase opostos, mas tinham colaborado anos a fio. O estilo não faz a pessoa.

 

AE – Passado este ano, a lua de mel tem sido muito prolongada…

HM – Isso é verdade, mas é curioso. Foram 365 dias, mas parecem mais. Ele já fez tanta coisa e é notícia com muita frequência. Todavia, o facto de haver um Papa imaginário obriga as pessoas a olharem com mais atenção para aquilo que é a verdade da doutrina cristã, mesmo nas coisas mais básicas. Ele está a fazer um excelente trabalho.

 

AE – Para além do trabalho realizado e do seu estilo próprio, também dá entrevistas aos media. Sendo jornalista ligado ao «Expresso», este órgão de comunicação social já solicitou ao Papa Francisco alguma entrevista?

HM – Penso que sim e nós adoraríamos. Temos um correspondente em Roma (Itália) que trabalha também para outros jornais de outras partes do mundo que já tentou uma entrevista. Suponho que o Papa tem uma lista de precedências em que Portugal não é propriamente – talvez quando vier a Fátima – uma prioridade. Mas ele tem um tal estilo que ficamos sempre com a ideia que o podemos encontrar na rua e comer ovos mexidos com ele… (risos).

 

AE – Francisco fala para fora e dentro da Igreja?

HM – Dos últimos Papas, ele é aquele que percebeu melhor a importância de passar para o exterior que um dos principais inimigos da Igreja está dentro da Igreja. Isso é normal em qualquer organização e, por isso, se diz: “Somos os principais inimigos de nós próprios”. Ele percebeu que era importante passar essa mensagem. Por isso, é normal atacar a ostentação luxuosa em determinadas Igrejas. Dizem que ele é implacável nestas matérias.

 

AE – Com o Papa Francisco, o lado protocolar desapareceu…

HM – Este é muito próximo do homem comum e do homem da rua. Ele aprendeu a sê-lo com a experiência de vida em Buenos Aires (Argentina).

 

AE – Tudo nele é natural ou existe algo de marketing?

HM – Não existem máquinas de marketing que resistam tanto tempo. Aquilo tem de ser muito natural… Antes de ele ter sido eleito Papa, nunca tinha ouvido falar em Jorge Bergoglio, mas acredito que ele é natural. Ele é assim e não está a fazer esforço. O Papa Francisco age no confronto direto em relação a cada pessoa e com esses gestos toca todos. João Paulo II funcionava de forma diferente. Partia das multidões para tocar em cada um.

 

AE – Existe alguma frase ou expressão que simbolize este Papa?

HM – O lado expressivo do sorriso e a alegria de estar com pessoas simples. O Papa Francisco é um homem bom. Olhamos para ele e dizemos: “Tem de ser bom”. O Papa Francisco simboliza a primavera, aliás foi eleito pouco antes desta estação do ano. Ele é um homem primaveril que faz florescer coisas à volta dele. Enquanto o Papa Ratzinger tinha a maturidade do verão com os discursos filosóficos, este tem a alegria primaveril.

 

AE – Acredita de daqui a um ano (março de 2015) se falará da mesma forma sobre o Papa Francisco?

HM – Não sei, mas depende muito daquilo que ele fizer. Há pessoas que estão convencidas do tal Papa imaginário e que vai ordenar mulheres, acabar com o celibato dos padres e casar homossexuais… Eu não acredito nisso.

LFS

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