Por quem choras tu?

Padre Manuel Ribeiro, Diocese de Bragança-Miranda

Gostaria hoje de poder partilhar convosco uma reflexão que, na realidade, há muito tempo tenho ruminado em mim mesmo. A pergunta “por quem choras tu” surgiu quando preparava a homilia do V Domingo do Tempo da Quaresma (ano A).

Nesse domingo, o Evangelho sugerido pela sagrada liturgia é o denominado episódio da “ressurreição de Lázaro” (Jo 11, 1-45). A chave de leitura deste episódio bíblico não é, nem pode ser, o facto real da ressurreição de Lázaro, mas o trajecto de conversão que Marta – irmã de Lázaro – faz até à ressurreição do seu irmão.

O diálogo começa com Marta a recordar que se o Senhor “tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11, 21). Neste início de conversa, o Senhor, na sua divina pedagogia, conduziu o coração de Marta para coração de Deus. Marta é amicíssima de Jesus, não haja dúvidas. Mas será que o ama? Na verdade, não. Marta é amiga, ainda, mas só depois desta conversa com o Senhor Jesus e com o milagre da ressurreição do seu irmão é que ela passa da amizade para o amor.

Então porque é que Marta é importante nesta questão do choro? A sua importância deve-se ao facto de que, no decorrer deste acontecimento, o Senhor Jesus apresenta uma faceta nunca antes vista. Diz o texto sagrado que “Jesus, ao vê-la (Maria, irmã de Marta e de Lázaro) chorar, e vendo chorar também os judeus que vinham com ela, comoveu-Se profundamente e perturbou-Se” (Jo 11, 33) e, ainda, “Jesus chorou” (Jo 11, 35). Jesus chora, Deus chora. Isto é uma revelação fabulosa do amor de Deus. Como pode Deus chorar por mim!?

O Santo Padre, o Papa Francisco, escreveu lindamente a propósito deste tema. Diz ele: “quem ama preocupa-se por quem falta, sente nostalgia de quem está ausente, procura aquele que se perdeu, espera por aquele que se afastou. Pois deseja que ninguém se perca. (…) Sofre, freme no íntimo; e põe-se em movimento para ir à nossa procura, até nos reconduzir aos seus braços. O Senhor não calcula as perdas e os riscos, tem um coração de pai e de mãe, e sofre pela falta dos filhos amados. ‘Mas por que sofre se este filho é um desventurado, foi embora?’ Sofre, sofre. Deus sofre pela nossa distância, e quando nos desviamos, espera o nosso regresso. Lembremo-nos: Deus está sempre à nossa espera de braços abertos, seja qual for a situação na vida em que estamos perdidos” (Angelus, 11 de setembro de 2022).

Regressemos ao tema. Afinal, quando é que nós choramos? Das duas uma: ou quando temos uma dor ou quando sofremos por alguém. Compreendemos, portanto, que chorar por alguém implica inevitavelmente amar (e amar muitíssimo!) esse alguém. E se o Senhor Jesus chora por alguém (e, atenção, esse alguém sou eu!), compreendemos que Ele, de forma tão desconcertante e perturbante, o ama e me ama. Aqui chegados, compreendemos a pergunta suscitada neste pobre artigo de opinião: por quem choras tu? Esta questão deve inquirir-me se eu choro ou não por Jesus, por Deus Nosso Senhor.

O diálogo que Jesus teve com Marta, que a levou da amizade ao amor, é o mesmo diálogo e convite que Ele tem – e quer ter – com cada um de nós. Se dizemos que amamos, mas somos incapazes de sofrer por Ele e com Ele, de chorar com Ele e por Ele, então o nosso dito amor não é amor. Quanto muito pode ser uma simpática ou uma agradável e interessante relação de benefício ou qualquer outra espécie de interesse. Pode, até, ser uma afável amizade, mas nunca será amor.

Recordemo-nos que “Deus é amor” (cf. 1 Jo 4, 8) e Ele não quer outra coisa que não o nosso amor. Aliás, quem ama alguém, o que espera ela da pessoa amada? Não quer ela ser retribuída nessa mesmíssima medida de amor? Se assim é, então por que razão não retribuímos dessa forma ao amor de Deus Nosso Senhor?

Gostaria que o estimado leitor se pudesse debruçar sobre estas perguntas, deixando-se questionar e inquietar por elas. Convido a que, pela oração e devoção à Sagrada Eucaristia, faça este processo de conversão, em que pudesse passar da amizade ao autêntico e verdadeiro amor. Absurdamente, Deus quer que soframos com Ele, mostrando desta forma a nossa cordial ligação. Na verdade, quem somos nós, que não passamos de meras cinzas e pó para que Ele precise de nós? Não somos nada, na realidade. Porém, Ele, porque nos ama, louca e perdidamente, quer que com Ele comunguemos a sua dor e o seu amor. Peçamos, pois, ao Senhor Jesus que nos dê a luz e o discernimento para dizermos, sem reservas ou remorsos, ‘sim’ a Ele. E Ele, na sua divina bondade, dar-nos uma nova e definitiva oportunidade de sermos livres e autenticamente livres por meio do Sacramento da Reconciliação. O Cardeal D. Tolentino Mendonça, como que em epitáfio, sintetiza que “o perdão abre portas dentro de nós. E então desistimos de carregar os pesos de ontem, para descobrirmos as asas de hoje”.

 

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