Para Compostela desde o Alentejo

Exposição mostra que o Caminho de Santiago é hoje uma realidade que começa a despontar no Baixo Alentejo Durante muitos anos esquecido, o Caminho de Santiago é hoje uma realidade que começa a despontar em terras do Baixo Alentejo. A ideia de que este itinerário de peregrinação para Compostela se iniciava apenas no Norte de Portugal é um mito. A Diocese de Beja, o Município de Santiago do Cacém e o Governo Regional da Galiza unem esforços para dar a conhecer o notável património espiritual, artístico e antropológico associado ao Caminho numa exposição que tem como palco um dos mais belos monumentos do Gótico alentejano, a igreja matriz de Santiago do Cacém, alvo de importantes obras de requalificação. O presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, inaugura esta iniciativa no dia 11 de Julho. O culto de Santiago, na sua irradiação europeia e internacional, e o fenómeno da peregrinação que lhe está associado são o mote para uma exposição, iniciativa tripartida do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, do Município de Santiago do Cacém e da Xunta de Galicia que se prefigura como um dos acontecimentos culturais do Verão. Centrando-se na figura de Santiago Maior (Apóstolo, Peregrino, Cavaleiro, Referência da Reconquista), a iniciativa é comissariada por José António Falcão, director do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja. “No Caminho sob as Estrelas – Santiago e a Peregrinação a Compostela” reúne cerca de 150 obras de arte e documentos, dos séculos X a XXI, vindas de museus, igrejas e colecções particulares de Espanha e Portugal, mas também de França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Flandres, México, Peru, Bolívia e Colômbia. Em paralelo, numa intervenção contemporânea, foi encomendada uma peça à artista Joana Vasconcelos, a incluir futuramente no Tesouro da Colegiada de Santiago. Para além do valor dos elementos de arte sacra, releva da exposição uma forte dimensão histórica e antropológica, integrando peças de grande interesse desse ponto de vista (como é o caso de um Santiago Mata-Espanhóis, trabalho peruano do séc. XIX, entre outros). Santiago do Cacém constitui, pelo seu significado histórico, uma referência fundamental para a identidade do Alentejo Litoral. É nesta cidade que se encontra o principal conjunto monumental da zona. Existe actualmente um esforço muito grande para recuperar as suas raízes e o seu património, sem esquecer a ligação ao Caminho de Santiago, ao culto do apóstolo e à Ordem Militar de Santiago da Espada. De facto, não é possível de ignorar a clareza de muitos indícios das raízes de Santiago do Cacém: sinais da vinda de colonos galegos nos séculos XII-XIII (topónimos como Galiza, Espanha, Melides e Santo André são muito explícito a este respeito), ligações ao culto de Santiago e a Compostela, testemunhos da presença da Ordem Militar de Santiago de Espada, que neste concelho teve uma das suas principais e mais ricas comendas. O projecto foi realizado com o apoio institucional da Sociedade Anónima do Xacobeo, instituição estatal galega ligada ao turismo de Santiago de Compostela e traduz um investimento autárquico e diocesano de meio milhão de euros. Pretende-se que a exposição contribua para a afirmação de Santiago do Cacém como um destino privilegiado do turismo cultural, para a valorização do centro histórico da cidade e para a divulgação da cultura galega, numa lógica de estreitamento de relações entre dois territórios ibéricos que conduza a uma aproximação estratégica. A iniciativa marca o princípio de um ciclo de parcerias com a Xunta de Galicia que prevê a realização próxima dos Encontros Galaico-Portugueses, com carácter regular, de ciclos de concertos e, ainda, a criação de um Centro de Estudos Jacobeus. Este último ficará sediado no edifício dos antigos Paços do Concelho em Santiago do Cacém e terá como missão promover o estudo e a divulgação do património ligado ao culto de Santiago Maior, ao fenómeno das peregrinações e à sua ligação à História Local. A nova instituição levará a cabo cursos de Verão com o apoio de universidades portuguesas e estrangeiras, exposições temáticas, conferências e outras actividades culturais relacionadas com estes objectivos. Disporá igualmente de um centro de documentação e de uma biblioteca especializada, organizados com o apoio da Xunta de Galicia. Uma longa conjuntura histórica a recuperar A região de Santiago do Cacém possui uma profunda vinculação ao culto de Santiago Apóstolo, ao Caminho de Santiago e à Ordem Militar de Santiago de Espada (aqui estabelecida desde o século XIII até à sua extinção, em 1834). Esta vinculação remonta a épocas muito antigas e prende-se à existência de uma via de peregrinação que unia o “Promontório Sacro” – o Cabo de São Vicente – ao Noroeste Peninsular e passava ao longo da planície litoral, bordejando o oceano Atlântico e vencendo os rios Mira e Sado. O Caminho de Santiago constituiu, após a queda do Império Romano, uma estrutura fundamental para a circulação de pessoas, bens e ideias por todo o continente europeu. O Conselho da Europa reconheceu a importância matricial desta realidade histórica, declarando o Caminho como o primeiro Itinerário Cultural Europeu. É fundamental que também o Sul do nosso país reencontre os seus percursos neste âmbito e possa actuar em rede com outras regiões do velho continente para a afirmação de uma herança cultural comum. Santiago do Cacém deve o seu nome e boa parte da sua prosperidade precisamente à ligação à devoção de Santiago Maior e à passagem dos peregrinos, que tinham na igreja matriz desta localidade (notável edifício da época gótica, encastrado no conjunto do castelo e da autoria de um arquitecto aragonês ou catalão) um santuário complementar no seu itinerário para Compostela e dispunham de outras infra-estruturas de acolhimento, como o Hospital do Espírito Santo. A Ordem Militar de Santiago, que recebeu extensos territórios na região após a Reconquista, tomou também a seu cargo a protecção e o apoio espiritual aos peregrinos, cuja circulação significava riqueza e importância política e religioso, mas exigia também assistência. O segmento do Caminho de Santiago que passava pelo Alentejo Litoral caiu no esquecimento a partir das invasões francesas, nos inícios do século XIX, mas tem-se notado um gradual recrudescimento da passagem dos peregrinos, sobretudo a pé, a cavalo e de bicicleta, que vêm solicitar na igreja matriz de Santiago do Cacém e noutros templos da zona a aposição da “Compostelana” (carimbo que atesta a passagem, para poderem obter benefícios espirituais) no Passaporte do Peregrino. Santiago Maior O apóstolo Santiago Maior, filho de Zebedeu e Salomé e irmão de São João Evangelista, nasceu na Galileia. Pescador, tornou-se um dos discípulos mais destacados de Jesus. Sofreu o martírio em Jerusalém no ano 44. A tradição aponta-o com o evangelizador da Península Ibérica e diz ter recebido em Saragoça a aparição de Nossa Senhora do Pilar. Desde os meados do século IX que lhe é prestado o culto em Santiago de Compostela, local para onde terão sido levadas as suas relíquias. Santiago aparece geralmente representado como apóstolo, peregrino ou guerreiro. Este último tipo, o mais difundido no Sul de Portugal, recorda a lenda da sua aparição na batalha de Clavijo, em 834, triunfando sobre os Mouros. Padroeiro das Espanhas, deu também a uma Ordem militar que teve importante papel na Reconquista. Os seus principais atributos são a vieira, o bastão, o chapéu e a cabaça de peregrino, a que se juntam por vezes o livro (símbolo dos apóstolos) e a palma (símbolo dos mártires). Como cavaleiro, empunha uma espada. A sua festa litúrgica celebra-se no dia 25 de Julho. Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja

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