Numa tarde de sábado

Padre João Aguiar

Nunca tinha viajado na Linha Vermelha do Metro de Lisboa. Fi-lo no passado sábado e foi para mim uma novidade a estação do Saldanha; tanto que deixei passar o comboio que primeiro chegou, para me demorar nas frases de Almada Negreiros ali inscritas.

Cada uma tem o seu peso e a sua capacidade de provocar. Uma, porém, nas circunstâncias daquele sábado de despedida de D. José Policarpo da diocese de Lisboa, se inscreveu na primeira página da minha memória: “as pessoas que mais admiro são aquelas que nunca acabam”.

Li e reli. E, naqueles instantes, abri diferentes chaves de interpretação, parecendo-me todas elas razoáveis. Ei-las, tal como me foram surgindo: “há pessoas que, mesmo partindo, ficam dentro de nós e, por isso, não as deixamos e não nos deixam de todo”; “só acabam os que nunca fizeram nada de perdurável”; “só a banalidade é mortal”…

(Dis)correram exatamente por esta ordem. Retomo-as agora, com uma prevenção: se, porventura, Almada não quis dizer nada disto naquilo que disse, paciência. Exproprio-o e fica à minha inteira responsabilidade a escravização do sentido…

Declaro, com isto, que guardarei de D. José Policarpo a feliz memória de oito anos, feitos de outras tantas surpresas e ensinamentos. A primeira e fundamental surpresa foi o seu convite, nunca justificado, para presidir ao Conselho de Gerência da Rádio Renascença. A segunda, a persistência que soube vencer meio ano de dúvidas de um minhoto tendencialmente alérgico a abandonar a sua rural clandestinidade.

No rol dos ensinamentos, inscrevo a abertura para perceber modos de ser e estar e a manifesta capacidade de ouvir sem enfado e falar como quem ouve; o realismo de quem não foge aos caminhos indispensáveis, mesmo sabendo-os difíceis, e a suave franqueza de quem sente e não se ressente; assim como a força de confiar e a capacidade de propor, com delicada clareza, caminhos de liberdade.

Eis porque, terminado o serviço de D. José Policarpo na diocese de Lisboa, não deixarei que acabe, para mim, o seu tempo exemplar e o meu tempo de aprendizagem — na atenção ao seu modo novo de servir a Igreja que afirmou querer em contínuo crescimento.

Nunca cultivarei o saudosismo. Mas, na fidelidade alegre ao que me espera, quero saber sempre donde venho.

 

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