Capela do Rato: Ventos de mudança sopraram e foram acolhidos, há 50 anos

A vigília pela paz provocou «uma tensão explícita na relação entre a Igreja e o Estado», afirma o padre António Martins

Foto: Agência ECCLESIA/LFS

Lisboa, 15 dez 2022 (Ecclesia) – O padre António Martins considera que a Capela do Rato, em Lisboa, “soprou e acolheu” ventos de mudança com a vigília pela paz realizada naquele local, nos dois últimos dias de dezembro de 1972.

“Soprou porque aqui celebrava, pensava e agia uma comunidade liderada, profeticamente, pelo padre Alberto Neto que desafiava e provocava, através das suas homilias e também das suas dinâmicas de reflexão, a pensar e a agir assuntos incómodos na altura”, disse à Agência ECCLESIA o capelão da Capela do Rato, na capital portuguesa.

Por iniciativa de um grupo de católicos, a 30 de dezembro de 1972 organizou-se uma vigília de 48 horas com o objetivo de refletir sobre a paz e sobre a guerra nas colónias, à qual aderiram também não-católicos e este encontro acabaria por ser interrompido pelas forças policiais, resultando em mais de uma dezena de detenções e na demissão dos funcionários públicos presentes.

“A guerra colonial, a paz, o caminho para a democracia, o compromisso profético dos leigos na praça pública, a ligação entre a experiência interior da fé e o testemunho público e cívico” eram assuntos debatidos no “espaço plural” da Capela do Rato, frisou o atual responsável daquele local de culto.

O II Concílio do Vaticano propunha temas, especialmente através da Gaudium et Spes, mas, em Portugal, “naquelas circunstâncias do tempo havia hesitação e até travagem em discuti-los na praça pública, referiu o padre António Martins.

Um grupo de leigos, “alguns exteriores à capela e outros dentro da dinâmica da comunidade”, organizou-se para realizar, no dia 30 de dezembro de 1972, uma vigília, durante dois dias, “de jejum e oração pela paz e contra a guerra colonial”, sublinhou.

A primeira mensagem (01 de janeiro de 1968) do Dia Mundial da Paz, do Papa Paulo VI, proporcionou uma vigília de oração na Igreja de São Domingos, em Lisboa e foi o embrião para um “movimento mais explícito e mais simbólico” que “quatro anos depois lideram e organizam a vigília na Capela do Rato, com uma estratégia um pouco mais pensada e declaradamente de impacto público”, acrescentou o atual capelão da Capela do Rato.

“O impacto público foi tanto que levou a polícia a intervir e a ocupar a capela” e “provocou uma tensão explícita na relação entre a Igreja e o Estado”, disse.

O desenrolar dos acontecimentos “prepararam, inesperadamente, e sem se prever a grande dinâmica que leva ao 25 de abril de 1974”, explicou o capelão.

A vigília da Capela do Rato significou “o fim do sonho do marcelismo” porque “as propostas do magistério da Igreja, as sementes lançadas pelo concílio”, não se reviam no governo da altura.

“A Capela do Rato e a Paróquia de Belém, uns anos antes, talvez fossem os dois viveiros de um profetismo conciliar na cidade de Lisboa”, realçou o padre António Martins.

Esta quinta-feira, a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, acolheu a mesa redonda «A Paz é Possível. A vigília da Capela do Rato 50 anos depois: história e memória», moderada por Paulo Fontes, com os historiadores António Matos Ferreira, António Araújo, João Miguel Almeida e Rita Almeida de Carvalho.

Durante este mês, a Estrutura de Missão dos 50 Anos do 25 de Abril assinala meio século passado sobre a Vigília da Capela do Rato, em Lisboa, com uma mostra expositiva, conversas e um colóquio.

A Comissão Organizadora destas iniciativas é composta por Jorge Wemans, António Araújo, Paulo Fontes, Nuno Estêvão Ferreira, Ângela Barreto Xavier e pela Estrutura de Missão para as Comemorações do Quinquagésimo Aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974.

LFS

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