A ‘idolatria’ do outro – Uma leitura espiritual de Mt 6, 24

Padre Virgílio Marques Rodrigues, Diocese de Viseu

Temos vindo a constatar, junto de alguns psicólogos de inspiração cristã, uma aplicável, que ganha solidez na vida comum: “Não há nada mais prático do que a espiritualidade”.

Apresentamos alguns apontamentos, como reflexão espiritual livre, não exegética, de um versículo do Evangelho segundo S. Mateus: “Não podeis servir a dois senhores…!” (Mt 6, 24). Tentemos fazer uma aplicação num âmbito eclesial, mas pode ter outras aplicações, de acordo com a sensibilidade de cada leitor.

O contexto é a idolatria! Alguns estudiosos recentes, Moshe Halbertal e Avishai Goldblum – Idolatry -, provenientes da tradição judaica do Antigo Testamento, consideram que a idolatria é o ‘princípio teológico fundamental da Bíblia’. Trata-se de um tema fulcral, porque é entendido como uma substituição, radical e absoluta, do relacionamento entre Deus e a Humanidade. Poderíamos assertar que se não houvesse a tentação constante da idolatria, não haveria tanta insistência na Aliança, ‘nunca derrogada’, mas sempre necessitada de renovação e de ser recordada.

Quando ‘absolutizamos’ uma pessoa, uma ideia, um pensamento, uma ação, ou até mesmo, as virtudes de alguém, isto pode gerar mecanismos de focagem plena, em detrimento de outras pessoas, palavras e ações, que possam provir de outros. Este mecanismo, da ‘idolatria do outro’, ou ainda pior, o ‘endeusamento do outro’ condiciona, limita e dificulta o reconhecimento do outro diferente. O espaço para acolher começa a ser exíguo e esta ‘idolatria’ absorve quase toda a atenção e energia.

Apliquemos esta leitura a uma realidade muito prática, no seio das comunidades cristãs: quando uma pessoa ou uma comunidade está, excessivamente, focada na figura de um papa, bispo, de um sacerdote, Diácono, ou num leigo mais comprometido. Esta situação leva a uma desfocagem, face a um novo papa que chega, um novo bispo que vem, um pároco que vai servir uma nova comunidade, e sucessivamente, porque a atenção mental está absorvida no anterior, criando limitações em acolher e reconhecer o novo que regressa diferente. Trata-se de uma aplicação negativa, ou melhor, uma aplicação no reverso, daquilo que a atual Psicologia tanto valoriza – Mindfulness – que não é uma criação da Psicologia, mas provém de outra Fonte, agora vulgarizada: sobrevaloriza-se o passado em detrimento de um compromisso com o presente.

Podemos fazer destes elementos uma oportunidade de reflexão, para uma aplicação pastoral concreta e prática.

 

Pe. Virgílio

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