A Fé e a ciência na vida do Pe. Resina Rodrigues

Se fosse vivo, a 5 de Outubro de 2010 faria 80 anos. Tal não acontece… O Pe. João Resina Rodrigues deixou a vida terrena no início deste mês. Foi um homem do contacto próximo com as pessoas, enquanto pároco e ao longo dos seus 50 anos de sacerdócio. Para além de pároco é recordado também como homem da ciência e do conhecimento que gostava de física quântica, de Filosofia a até fazia parte da Academia das Ciências de Lisboa.

Uma queda, a 17 de Dezembro, pô-lo em coma, que uma cirurgia arriscada não evitou. Quatro dias antes, na última homilia, falara da alegria do Natal: «Houve tempo em que a religião parecia apostada em matar a alegria. Aquele tempo em que os pregadores em tudo viam pecado, só se entendiam com mandamentos e castigos, não acreditavam que a alegria e o bem pudessem andar de mãos dadas. A Bíblia é mais sensata. (…) Quem ama a sério cumpre o bem, e portanto os mandamentos, de maneira espontânea e superior. (…) À medida que crescemos para a vida e para Deus, o amor e a alegria podem andar cada vez mais de mãos dadas.». Faleceu a 3 de Junho.

Em 1953, licenciou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico. Só depois decidiu ser padre: foi ordenado em 1959. O gosto pela ciência fê-lo regressar ao Técnico, onde deu aulas durante 30 anos e integrou o Centro de Física da Matéria Condensada. Publicou várias obras sobre Física e História e Filosofia das Ciências.

Augusto Moutinho, de 71 anos, professor da Universidade Nova, foi seu colega no Técnico entre 1974 e 1979. “Apaziguava muitas coisas que, nas universidades, são sempre difíceis de resolver” recordou ao jornal «Público». Mas era, sobretudo, um homem de ciência. E ultimamente, conta, andava “muito entusiasmado” a traduzir os Princípios, de Isaac Newton.

Em entrevista à Revista «Pública», a 8 de Abril de 2007, João Resina dizia: “Uma coisa é tentar compreender o universo. Para isso há a Física e a Biologia. Se quero saber se houve ou não big bang, se a vida evoluiu, não pergunto à Igreja, que não tem competências nessa matéria. (…) A terceira pergunta é o que me é lícito esperar, qual o sentido de fundo disto tudo. Aí, encontro a questão de Deus.”.

Dez anos depois da ordenação sacerdotal faz o doutoramento, na Bélgica, em Filosofia. Enquanto padre, a sua acção desenvolveu-se na área de Lisboa: Moscavide, Belém, Santa Isabel, capelas do Rato e das Amoreiras, Cruz Quebrada e Campo Grande. Nesta última paróquia, coordenou a catequese infantil. “Tinha a intuição rara de que é uma fase muito importante e que não devia ser entregue apenas a senhoras bondosas” – sublinhou ao Jornal «Público» Helena Presas, responsável da catequese.

Quando passou pela paróquia de Santa Isabel, em Lisboa, era escutado por agentes da PIDE, polícia política do Estado Novo, que tentava apanhá-lo nas críticas ao regime. Os agentes colocavam-se junto das colunas de som, com gravadores. O padre João decidiu fazer o mesmo, para que a PIDE não inventasse acusações: escondia um gravador sob o altar. Antes do fim da missa, tirava discretamente a cassete e guardava-a.

 Vários amigos passaram a gravar as homilias. Já em democracia, alguém lhe pediu que escrevesse uma síntese. No final das missas, o padre passou então a dar, a quem pedia, a folha com o resumo. O hábito deu origem aos dois volumes de A Palavra no Tempo (ed. Multinova e Entrelinhas, respectivamente), que recolhem muitos desses textos.

O Pe. João Resina escreveu que “a ciência não é um conjunto de verdades definitivas, porque é baseada em hipóteses”. Na entrevista à «Pública», o padre que gostava de Física Quântica comenta a atitude de arrogância de alguns cientistas. “No século XX, toda a gente passou a ser mais modesta, porque se sabe isso. Sabe-se que a ciência se baseia em hipóteses, que as hipóteses são falíveis, só que são muito boas! Enquanto não há melhor, fica com essas”.

Considerava-se discípulo de Kant. “Ele diz que há três questões fundamentais: o que posso saber, o que devo fazer, o que me é lícito esperar. E achou que a primeira depende da ciência. As más catequeses tiveram sempre a mania de misturar essa questão com a apologética. Kant achava que não, eu também” – realça à revista.

A paixão pela física é anterior à ordenação de padre. “Desde novo, achei interessante o conhecimento rigoroso”. “Quando acabei o liceu, hesitei se ia para Física ou Engenharia. Acabei por ir para Engenharia, talvez porque o Técnico tinha fama e a Faculdade de Ciências tinha pouca fama” – recordou na entrevista.

Sabia distinguir a vida pastoral e o ensino da física. “Nunca fiz catequese nas aulas” – disse. E conclui: “Eu tinha-os habituado a falar com rigor e a não meter biscas. Nem quando ensinei História e Filosofia das Ciências meti catequese. Contava as várias posições”.

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