Cinema: Shirin

Não está definido um número para a quantidade de linguagens ou registos possíveis no cinema. Mas estão definidos cânones suficientes para nos ajudar a balizar o que pode, ou não, caber no conceito de sétima arte.

Há uns anos, João César Monteiro desafiou no seu estilo, humor e irreverência muito próprios esses (e outros) cânones, com o seu inesquecível “Branca de Neve”.

Hoje, num registo semelhante mas com uma essência e sob um propósito totalmente diferentes, é Abbas Kiarostami quem nos desafia com o seu “Shirin” a reconsiderar os cânones da sétima arte.

Algures entre o filme e a instalação, “Shirin” é o resultado da adaptação de um poema iraniano levado a um ecrã que nunca vemos, perante pouco mais de uma centena de espectadores. Na sua maioria de mulheres, algumas actrizes facilmente identificáveis pela fama granjeada no mundo do cinema, são os olhares incrivelmente expressivos de cada uma delas o espelho do que ouvimos contar numa narração ao estilo quase radiofónico e, imaginamos, se projecta nesse ecrã invisível.

Não é uma proposta fácil nem certeira. Mas é sem dúvida um desafio aliciante e extraordinário que, por irónico que pareça, reflecte a preocupação de Kiarostami pelo público.

Da história incrivelmente romântica e trágica da solitária Shirin, dividida entre o amor por um príncipe heróico e distante e o reconhecimento a um simples, fiel e apaixonado cinzelador, a eloquente obra de Kiarostami é tanto uma homenagem à cultura iraniana como à Mulher mas, ainda, ao público – aquele que, acima de tudo, nas suas próprias palavras, justifica a obra cinematográfica.

Cineasta de carreira consagrada nos seus trinta anos de idade, reconhecido com a Palma de Ouro em Cannes pelo seu excelente “Ten”, Abbas Kiarostami é hoje um dos mais importantes protagonistas do cinema iraniano, tendo o seu nome igualmente bem firmado no panorama artístico internacional, incluindo como fotógrafo e poeta. Um protagonismo que lhe valeu o reconhecimento pela UNESCO do seu papel em prole da Liberdade, da Paz e da Tolerância que o honrou com a Medalha Fellini de Ouro.

Margarida Ataíde

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