A voz da consciência de Aristides de Sousa Mendes atravessa fronteiras

D. António Luciano, Bispo de Viseu

Foto: Agência ECCLESIA/PR

Recentemente participei no evento que colocou de novo Aristides de Sousa Mendes na ribalta de um mundo universal. A efeméride ocorreu no dia do aniversário de nascimento de Aristides de Sousa Mendes, com a inauguração da Casa Museu do então cônsul de Portugal em Bordéus, que salvou milhares de vidas ao conceder de vistos de entrada em Portugal a estrangeiros e refugiados de várias nacionalidades que nos meses de maio e junho, desejavam fugir da França durante a guerra de 1940.

O dia 19 de julho de 2024 ficará a marcar a história de um humanista, do século XX,que agora com a abertura da Casa do Passal como museu, inaugurada em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, distrito de Viseu, vai permitir perpetuar a memória deste homem que sempre seguiu a voz da sua consciência, agindo com tolerância e salvando a vida de tantas pessoas que estavam condenadas à morte.

A recente inauguração do Museu foi presidida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na presença do Presidente da Câmara Municipal de Carregal do Sal, autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como de um grande número de cidadãos.

O espaço devolvido à sociedade civil, depois de tantos anos de espera, foi motivo de alegria, de festa e de repor a justiça a quem se dedicou a uma causa tão nobre obedecendo aos ditames da sua consciência, o que o levou a terminar os seus dias ignorado e na pobreza.

A inauguração deste museu é um sinal positivo de que o bem vence sempre o mal, por isso, com respeito e tolerância, devemos lutar pelos valores da democracia, da justiça social, do bem da família, construindo pontes de comunhão e oferecendo passaportes de libertação.  Com a presença dos governantes e políticos neste dia marcante para a humanidade, pedimos a todos os governantes que se empenhem em seguir este legado de modo a oferecer a cada pessoa humana aquilo que ela mais precisa e merece.

Figuras como esta e tantas outras fazem parte do património da humanidade, mas também destas gentes e terras beirãs que, com o contributo da história, se tornam mais enriquecidas e protagonistas na construção de um mundo melhor, mais civilizado e respeitador.

Na cerimónia foram evocados os valores do humanismo, da tolerância, da paz, mas também da esperança e da solidariedade, representados na figura de Aristides de Sousa Mendes, que é um exemplo quando, diante da perseguição aos refugiados, ele decidiu no respeito pela sua consciência, obedecer à sua voz que o chamou a praticar o bem e a evitar o mal, mesmo contrariando as orientações dos seus superiores.

Diplomata firme, conhecedor da responsabilidade política que tinha, não olhou para as imposições do regime vigente, mas em profunda liberdade preferiu abrir uma porta de salvação para todos aqueles que eram perseguidos por causa da política, da religião, da cultura ou de qualquer espécies de crenças.

Olhando para a história, ao longo do século XX, e para o desenrolar dos acontecimentos nefastos da Segunda Guerra Mundial, Aristides aparece como uma referência profética no respeito pela consciência individual, “santuário intimo onde o Homem é tocado por Deus”. (GS16)

É importante que a sua memória comece a sair do anonimato para se tornar uma voz que se levanta mundialmente, a partir do Museu Aristides de Sousa Mendes. Os habitantes de Cabanas de Viriato e do concelho de Carregal do Sal orgulham-se de ter a honra de um dos seus filhos ser uma personalidade com o perfil de um defensor dos valores cívicos, dos direitos dos perseguidos, migrantes e excluídos da sociedade.

Figuras como esta ilustram a nossa história e interpelam-nos a sermos defensores dos direitos humanos, a lutar pela integridade na liberdade de um povo que encontra as suas raízes e valores na base da sua própria existência.

Também o Papa Francisco se uniu a este dia, tendo enviado uma mensagem a saudar todos os que estiveram presentes “não apenas para homenagear, mas para beber do legado de um homem perito em humanidade, justo entre as nações”, como se pode ler na mensagem do Santo Padre.

O Papa diz ainda que “são testemunhos de fraternidade como o deste diplomata português que nos encorajam e não nos deixam perder a esperança”.

Apelo para que o exemplo e testemunho de Aristides de Sousa Mendes seja um estimulo para, passados tantos anos, sermos merecedores de tão grande herança, testemunho e manifestação do respeito e do maior bem que sempre devemos fazer para defender a dignidade, a liberdade e a expressão de vida de toda a pessoa humana.

A mensagem de Aristides de Sousa Mendes não é só verbal ou escrita. Hoje as suas atitudes tornam-se uma herança humanista reconhecida internacionalmente como homem e estadista que soube colocar  o bem das pessoas acima de tudo, inclusive dele próprio, contrariando atitudes discriminatórias ou mesmo provocadoras de morte.  Que a sua vida inspire todos os cidadãos do mundo a construírem uma nova civilização de amor e de esperança assente nos valores do respeito pelo outro, na promoção da dignidade humana e na construção da paz tão necessária no mundo de hoje.

Aristides de Sousa Mendes deve ainda ser apresentado aos jovens e às futuras gerações como alguém que nos inspira e educa para a formação dos valores integrais que definem a grandeza da pessoa humana.

António Luciano, Bispo de Viseu

Viseu, 19 de julho de 2024

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