Tolerância Zero

José Santos Cabral, Diocese de Coimbra

Absorvidos com as preocupações do quotidiano e as interpelações de um mundo que se move numa velocidade frenética deixamos escapar, muitas vezes, os sinais vulgares que apontam para uma Sociedade em mudança e não, necessariamente, no melhor sentido.

Um desses sinais é a degradação do espaço urbano, partilhado por todos nós, e a destruição daquilo que constitui o património colectivo. Na verdade, caminhando pelas ruas da nossa Cidade, e em lugares cujo encanto desde sempre nos seduziu, encontramos, em contraste, locais em que reina a incivilidade. Os “grafiti” que proliferam pelas paredes de edifícios públicos e privados ou o mobiliário urbano que é destruído são sintomas de uma ausência de valores ou, melhor dito, de uma anomia que é um estilo de vida de muitos daqueles que connosco partilham a mesma Cidade. É doloroso olhar para monumentos onde se escreve a nossa História colectiva e depararmo-nos com a sua degradação como se os mesmos fossem “terra de ninguém”.

Muitas vezes os sinais de incivilidade surgem no do dia a dia na hostilidade entre pessoas comuns ou nascem do confronto em relação a quem representa a autoridade. Para muitos a relação com o Outro é pautada pela ausência de princípios básicos como a dignidade humana e a violência, ou a denominada “lei do mais forte”, é a regra. O dever de acatar a ordem legitima de quem tem a inerente autoridade é, para muitos, uma mera figura de retórica pois que as regras de vida são ditadas pelos próprios.

Esta incivilidade, que cada vez mais grassa na cidade e no país, não se consubstancia nas formas mais graves de delinquência, mas envenena a vida dos habitantes e contribui para o sentimento de insegurança. Efectivamente, o aumento dos sinais de incivilidade sem qualquer sinal de repressão, ou regressão, conduz irremediavelmente a um aumento da delinquência e do sentimento de insegurança pessoal, bem como à erosão do controlo social informal, convocando gradualmente a inação dos cidadãos que, por medo, fatalismo ou exasperação, evitam o confronto com os seus agentes.

Importa aqui acentuar não é a pobreza que produz insegurança, antes pelo contrário. A relação lógica é outra: um espaço degradado pela incivilidade e pelo crime só pode conduzir à deterioração da qualidade de vida dos seus habitantes que, muitas vezes, são os mais carenciados. Em muitos casos estes não terão outro remédio senão partir.

Estamos em crer que este é um tempo em que se impõe por um lado a recuperação imediata do que é o espaço comum, alvo de actos de incivilidade e, por outro, uma intolerância, sem condescendência, para com os actos que corroem o tecido social. Esta é, certamente, a prioridade das prioridades, ou seja, uma reconquista proactiva do espaço, baseada na não aceitação da incivilidade. Falamos, assim, de uma tolerância zero.

Lastimavelmente, muitos destes fenómenos que contribuem para a degradação do espaço comum, e rompem os laços sociais, são olimpicamente afastados dos discursos oficiais e omitidos nas estatísticas. Muitos deles são sinais de que, como dizia Shakespeare, algo está mal no reino da Dinamarca, sendo este o momento de repensar os caminhos percorridos.

Assim, a Escola, espaço inviolável ao qual confiamos os nossos jovens na expectativa de que a mesma seja um lugar de conhecimento, civilidade e segurança, transformou-se, em muitos locais em algo distinto, e mais parecido com um espaço de confronto.  De acordo com uma balanço recente o ano letivo 2021/2022 registaram-se 6.067 ocorrências em ambiente escolar, mais 1.573 do que no ano anterior. Entre as principais ocorrências, a esmagadora maioria nos distritos de Lisboa e Porto, registaram-se 1.860 ofensas à integridade física1.128 casos de injúria ou ameaça e 711 furtos, mas também ofensas sexuais e posse ou uso de arma. Os principais diagnósticos estão relacionados com comportamentos graves antissociais ou de indisciplina, mas há também situações de consumo de estupefacientesbullying, consumo de bebidas alcoólicasgaming  (jogos de entretenimento), gambling (jogos a dinheiro) e prática de crimes (Conf. Violência nas escolas — Caracterização, Análise e Intervenção” de Miguel Rodrigues)

A autoridade dos Educadores é, muitas vezes, minada por uma leitura condescendente que hipoteca o futuro. Esta não é, certamente, a Escola que queremos para os nossos filhos.

Como afirma o Papa Francisco: pensar na Educação é pensar nas gerações futuras e no futuro da humanidade.

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Agência ECCLESIA

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