Boa Conversa

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

As JMJ em Lisboa no ano 2022 abrem um horizonte interessante na vida da Igreja em relação aos jovens e à cultura. A palavra-chave em relação aos jovens é protagonismo. E, no que diz respeito à cultura, a expressão que mais leio é redes sociais. Ambas (protagonismo e redes-sociais) relacionadas com a Nova Evangelização. Acabei de franzir o sobrolho.

Só quem não me conhece de todo sabe que não estou contra a tecnologia, mas antes a favor de um uso consciente da mesma. Caso contrário, não usaremos a tecnologia, mas seremos usados por outros através dessa. Quando falo com os jovens não os sinto tão entusiasmados em relação às redes sociais como sinto os adultos. Para eles, as mensagens nas redes sociais não são pessoais. Logo, custa-me a crer que o investimento nessas redes sirva o propósito da Nova Evangelização. Posso estar errado. Mas se não estiver, que caminho seguir?

Pista #1

A intenção original das redes sociais era a de conectar pessoas. Mas a partir do momento em que os seus criadores perceberam que podem fazer muito, mas muito dinheiro com a captura da nossa atenção, o que a exploração do petróleo foi no passado para a cultura humana, é a exploração da atenção no mundo actual. E se hoje sofremos graves consequências ambientais por causa a exploração petrolífera, deveríamos estar conscientes da irreversibilidade e consequência que a exploração da nossa atenção pode ter para a humanidade.

Não estou confiante de que o caminho certo para a Nova Evangelização seja o de recorrer à exploração da atenção feita através das redes sociais para disseminar a mensagem salvífica, libertadora e intemporal do Evangelho. Se isso mantém os jovens grudados nos écrãs dos seus telemóveis, então, acabam por não desenvolver uma qualidade humana fundamental para dar a conhecer a experiência de Deus a outros: a empatia.

Na investigação feita por Sherry Turkle, publicada no seu livro ”Reclaiming Conversation”, os telemóveis são responsáveis pela diminuição em 40% da capacidade para a empatia nos jovens, bem como a de manter uma conversa sobre assuntos mais profundos. Eu não tenho qualquer dúvida de que a relação com Deus é algo de profundo e marcante na vida de qualquer pessoa, sobretudo, nos jovens. Por isso, ao investir nas redes sociais, não estaremos a alimentar a perda desta capacidade?

O que conhece um jovem sobre a sua natureza humana e valor transformativo da união com Deus se através das redes sociais estimulamos a desenvolver uma segunda natureza? Essa é uma natureza artificial que produz um impacto negativo profundo e desconhecido no modo como os jovens crescem em sabedoria (Lc 2, 52).

Uma das experiências que Turkle partilha de uma jovem é a de que ao deixar a universidade, fez umas “férias” do Facebook. Apagou a App do seu telemóvel e portátil. Esteve desligada do Facebook por umas semanas, mas disse a Turkle que a experiência a acalmou«estou menos impaciente com as pessoas e, pela primeira vez, sei que posso estar sozinha.» Estar sozinho em solitude não tem nada a ver com viver em solidão.

Pista #2

«Tu precisas de desenvolver a capacidade de ser, simplesmente, tu mesmo e não ser o que faz seja o que for. É isso que os telemóveis nos estão a tirar. A capacidade de estar, simplesmente, […] de ser uma pessoa.» (Louis CK, comediante americano)

O que vive a solidão isola-se do mundo. O que vive a solitude aprende a estar consigo próprio para melhor se ligar aos outros. Se não estamos confortáveis connosco próprios significa que não desenvolvemos, suficientemente, a capacidade para a solitude.

A capacidade para a solitude é essencial para o desenvolvimento da empatia, isto é, sabermo-nos colocar no lugar e pele do outro, uma qualidade relacional que nos torna cada vez mais humanos. É quando estamos junto com os nossos pensamentos, em vez de sistematicamente reagirmos aos pensamentos dos outros (como acontece nas redes sociais) que deixamos a mente vaguear, criar e possibilitar a escuta d’Aquela Voz, em vez de ser capturada e dividida.

A solitude desafia o hábito actual de nos voltarmos para o écrã e, em vez disso, voltarmo-nos para o nosso interior.

«Todos os pensamentos, estritamente falando, são tidos na solitude e no diálogo entre mim e eu própria; mas este diálogo dos dois-em-um não perde o contacto com o mundo e os que nele vivem porque estão representados naquele com quem tenho o diálogo do pensamento.» (Hanna Arendt, filósofa)

O teólogo Paul Tillich dizia que a linguagem criou a palavra solidão para expressar a dor de estar só, enquanto a palavra solitude foi criada para expressar a glória de estar a sós. O voltar sistemático do olhar para o ecrã que permite jovens e adultos estarem conectados on-line, impede os momentos de solitude quando estes aparecem inesperadamente. E se não temos qualquer experiência de solitude, começamos a equacionar solitude com solidão. Ou seja, em vez de reconhecermos nos momentos de tédio o chamamento da imaginação, negamo-nos a oportunidade de conectar com a interioridade real a favor da conectividade exterior digital.

Pista #3

«Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social web possa satisfazê-los completamente a nível relacional, até se chegar ao perigoso fenómeno dos jovens “eremitas sociais”, que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade. Esta dinâmica dramática manifesta uma grave ruptura no tecido relacional da sociedade, uma laceração que não podemos ignorar.» (Papa Francisco na sua Mensagem para do LIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24 de janeiro 2019)

Vale a pena ler toda a mensagem; do Papa a este respeito para encontrar mais pistas. Mas há uma que me salta à vista – a comunidade – como verdadeira rede social, onde nos reconhecemos como seres-em-relação, membros uns dos outros.

«a verdade revela-se na comunhão» (Papa Francisco, ibidem.)

Como afirma o Papa, «Deus não é Solidão, mas Comunhão; é Amor e, consequentemente, comunicação, porque o amor sempre comunica; antes, comunica-se a si mesmo para encontrar o outro. Para comunicar connosco e Se comunicar a nós, Deus adapta-Se à nossa linguagem, estabelecendo na história um verdadeiro e próprio diálogo com a humanidade.» O melhor modo de avaliar como podem as novas tecnologias servir uma Nova Evangelização, sobretudo dos jovens, creio estar na capacidade de gerar, ou não, relacionamentos assentes na profunda comunhão de vida que gera uma comunidade capaz de acolher todos, independentemente das suas convicções.

Só o que possui a capacidade de estar consigo próprio, com a sua interioridade, pode, livremente, estar plenamente com os outros, sem se distrair, e totalmente presente através de uma escuta atenta e sincera. Uma escuta empática. O telemóvel não é um mal enquanto for um meio. Pois, o fim de levar a presença de Deus aos outros acontece no encontro face-a-face e através de uma boa conversa. Que tal começar por aqui?

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