Vaticano: Papa rejeita comentar acusações de antigo núncio que pede a sua renúncia e diz aos jornalistas que tirem «conclusões» da leitura do documento

Francisco falou dos encontros com vítimas de abusos, na Irlanda, e da necessidade de abordar «imediatamente» os casos que se conhecem

Lisboa, 26 ago 2018 (Ecclesia) – O Papa Francisco rejeitou hoje comentar as acusações e o pedido de renúncia que lhe foram dirigidas pelo antigo núncio apostólico Carlo Maria Viganò, segundo o qual teria protegido o arcebispo emérito de Washington, o ex-cardeal McCarrick.

O pontífice falava em conferência de imprensa, no voo de regresso a Roma, desde Dublin, no dia em que uma carta do arcebispo Viganò foi tornada pública, acusando o Papa de ter encoberto denúncias de abusos sexuais cometidos por D. Theodore McCarrick, alegadamente punido, de forma secreta, pelo agora Papa emérito Bento XVI.

“Li esta manhã o comunicado de Viganò. Digo isto, sinceramente: leiam-no vocês, atentamente, e façam um juízo pessoal. Não direi uma palavra sobre isto, penso que o documento fala por si”, assinalou, em conferência de imprensa.

Francisco desvalorizou as acusações e disse aos profissionais da comunicação social que confia na sua “capacidade jornalística” para tirar as conclusões necessárias, com “maturidade profissional”.

D. Carlo Maria Viganò, antigo representante diplomático da Santa Sé nos EUA, afirma ter falado com o Papa das alegações de abusos sexuais contra o cardeal McCarrick em 2013, acrescentando que este teria sido sancionado por Bento XVI – embora o arcebispo emérito de Washington só tenha abandonado o ministério público em julho de 2018, quando foi suspenso por Francisco e renunciou ao seu lugar no Colégio Cardinalício.

O ex-núncio acusou o atual Papa de ter levantado as alegadas sanções impostas pelo seu predecessor e criticou ainda as “redes homossexuais presentes na Igreja”.

A carta foi divulgada no dia final da viagem do pontífice à Irlanda, marcada por várias pedidos de perdão por casos de abusos sexuais no seio da Igreja Católica e seu encobrimento, por parte de membros da hierarquia.

“Quando o tempo tiver passado e vocês tirarem as conclusões, talvez diga algo mais”, referiu o Papa aos jornalistas.

Francisco encontrou-se este sábado com oito vítimas destes abusos e disse que “sofreu muito” com as histórias que ouviu, criticando também a prática de entregar para adoção filhos de mães solteiras, que lhes eram retirados.

O Papa defendeu que todos, na Igreja, devem “falar de imediato” quando têm conhecimento destes casos.

“Muitas vezes são os pais a encobrir o abuso de um padre, porque não acreditam no filho ou na filha. É preciso falar”, pediu.

Aos jornalistas, Francisco defendeu ainda o direito à presunção de inocência de todos os acusados, admitindo que muitas vezes existem a “tentação” de os considerar “imediatamente culpados”, nos media.

A este respeito, deu como exemplo um caso acontecido em Granada (Espanha), há três anos, no qual todos os padres acusados por um jovem de 23 anos acabaram por ser ilibados pela justiça civil, após terem sido “condenados na imprensa”.

O Papa rejeitou depois a ideia de criar um novo Tribunal no Vaticano para julgar a responsabilidade dos bispos em casos de abusos, precisando que a atual prática passa pela criação de um júri ‘ad hoc’ para cada situação.

Questionado sobre a despenalização do aborto na Irlanda, Francisco defendeu que este não é, para a Igreja, um “problema religioso”, mas “antropológico”, que questiona a legitimidade ética de “deitar fora um ser vivo para resolver um problema”.

A conferência de imprensa deixou ainda uma pergunta sobre o que diria o pontífice a um pai com um filho homossexual.

“Diria, em primeiro lugar, que reze; depois, que não condene, que dialogue, que entenda, que dê espaço ao filho ou à filha”, sem “expulsar” ninguém da família, respondeu Francisco, para quem ignorar estes filhos seria “uma falha de paternidade ou maternidade”.

O Papa falou também do caso que envolveu o governo da Itália e o navio Diciotti, com quase 140 migrantes, autorizados a desembarcar após um acordo com organizações da Igreja Católica.

“Deus manda isto: acolher o estrangeiro. É um princípio moral, mas é um acolhimento razoável, pelo que é preciso envolver toda a Europa”, sustentou.

Francisco denunciou atos de tortura sofridos pelos homens que regressam, nos barcos, ao seu país de origem, quando são mandados de volta, e convidou os responsáveis políticos a pensar “bem, bem, bem” antes de tomar estas decisões.

OC

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Agência ECCLESIA

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