Trabalhar para viver e não viver para trabalhar!

Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve

Foto. Agência ECCLESIA/MC

Numa época de excessiva polarização da política, da Igreja, da sociedade, mais do que nunca, torna-se imprescindível encontrar valores comuns, pontes de pensamento, que nos aproximem àqueles que raciocinam diferente. É essencial encontrar ideias comuns, que nos permitam criar objetivos partilhados e que valorizem a nossa vida em sociedade e família, dando paz ao debate ideológico e social.

A necessidade de descanso e a valorização do mesmo, como essencial na manutenção da saúde mental, familiar e relacional, poderá ser um desses temas que abre caminhos de consensos.

No último ano tenho vivido, por motivos de estudo, em Espanha e, ultimamente, a minha reflexão passa muito pelas questões do culto da rua e do convivo familiar e relacional, que o povo espanhol faz.

Se no início tinha dificuldade em viver sem hipermercados, supermercados, lojas de roupa e outras estabelecimentos variados, fechados ao Domingo, hoje sou um incontestável fã desta realidade. Tem de haver um dia onde a maioria das pessoas descanse e descanse com quem quer e com quem é-lhe próximo.

Os mais céticos podem afirmar que a generalidade dos cafés e explanadas estão abertos aos domingos. É verdade. Mas mesmo assim, as famílias e amigos que nelas convivem são, indubitavelmente, mais do que os que trabalham nos estabelecimentos abertos. E é imensamente melhor aproveitar uma esplanada, ou um banco de jardim, onde podemos trocar ideias ou simplesmente apreciar a leitura de um bom livro, contemplando a natureza, do que vaguear, tantas vezes sem sentido, em centros comerciais, plenos de lojas e pessoas “enlatadas”.

O culto da rua é saudável: mental, física e relacionalmente. É o respeito pelo descanso, partilhado com quem se gosta faz falta. E faz falta às famílias. Eu sou de uma família onde homens e mulheres partilhamos a generalidade das tarefas. Até, porque, o núcleo inicial da mesma é comporto por quatro homens e uma mulher. E todos, muito ou pouco, sabemos realizar tarefas domésticas, tantas vezes preconceituosa e erradamente, destinadas somente às mulheres. Aliás, graças ao tempo em que estive no seminário de Évora, tornei-me especialista em pôr roupa a lavar. Ou seja, nas tarefas todos somos substituíveis. Mas na relação não. E os jogos de futebol do S. C. Olhanense, que marcaram importantes momentos de ócio (que não vi com o meu pai, porque ele estava a trabalhar), foram e são insubstituíveis na minha vida, nas minhas amizades, na minha formação pessoal.

Para preservarmos a família e a relações é imprescindível termos tempo para o repouso e o lazer. E sendo a Igreja conotada, de forma tradicional e algo preconceituosa, com o pensamento politico conservador e de direita, esta é uma questão que certamente encontraria acolhimento na área política mais progressista e de esquerda, que, de forma sistemática, defende os trabalhadores.

Todos temos a ganhar. Mesmo aqueles que continuariam a trabalhar ao domingo, pois teriam as suas vidas familiares mais descansadas, felizes e saudáveis. No dia do trabalho e dos trabalhadores, é importante que comecemos a valorizar o nosso descanso. Temos direito a ser esquecidos e a esquecer os nossos afazeres durante um tempo; ganhámos esse direito no 25 de Abril e, no 1º de Maio seguinte, todas as conquistas foram assinaladas de modo imponente, como poderemos recordar, numa manifestação que ficou para a história.

E claro, para os Cristãos é importante ter tempo para o Senhor! Mas atenção, não para atividades pastorais! Essas, tantas vezes são confundidas com trabalho e têm tanto ou mais grau de tensão e profissionalismo. Ter tempo para o Senhor é estar com Ele na celebração dominical e, porque não, na contemplação da natureza, realidade visível do Amor de Deus; na arte, dom que manifesta o cuidado Dele precisamente com a nossa criatividade e tempo para a partilhar e aprender; no desporto, nas viagens, no simples “dolce far niente”, nos abraços aos nossos filhos e idosos, na simples, mas decisiva, partilha dos afetos.

É essencial criar pontes, pontes cristãs, para o descanso de todos, todos, todos!

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