Saúde: Médicos, enfermeiros e cientistas estão a trabalhar para que «milagres» aconteçam nos hospitais (C/Video)

Marta Jonet dá conta dos dias a cuidar de doentes Covid, da união entre as equipas hospitalares e da importância de levar «Deus para dentro do hospital»

Lisboa, 10 fev 2021 (Ecclesia) – Marta Jonet, especialista de Medicina Interna no Hospital Fernando Fonseca, que trabalha desde março com doentes de Covid-19, disse à Agência ECCLESIA que assiste diariamente a “milagres”, no tratamento científico e humano.

“Há muitos episódios de Deus nos hospitais, nos profissionais de saúde que nem são crentes mas na forma como tratam os doentes e como a proximidade se manifesta cada vez mais”, referiu a médica.

“Também no progresso científico e na forma como melhor tratamos estes doentes ao longo dos meses com melhores oportunidades de tratamento, de abordagem de ventilação, que no início era desconhecido. Até a forma científica como isto tem crescido e as ofertas que podemos dar aos doentes, é a presença de Deus aqui”, acrescentou.

Marta Jonet trabalha no Serviço de Urgência Geral e também numa enfermaria de Medicina Interna, que, há três meses vem conhecendo uma “avalanche”, não só de Covid-19 mas também de “outros doentes que desde março ficaram um pouco ao abandono”.

“Se em maio e junho conseguimos reduzir a enfermaria Covid a uma, ao dia de hoje temos 11 enfermarias abertas no Amadora-Sintra, com enfermarias multidisplinares, normalmente com um internista e especialistas de outras especialidades a colaborar e a ver doentes do ponto de vista da medicina interna – os cardiologistas não estão só a ver enfartes e as insuficiências cardíacas, mas a ver as pneumonias de Covid, os neurologistas, os pneumologias, os nefrologistas estão todos juntos neste barco e isso criou uma coesão inacreditável no Hospital”, sublinha.

A entrevistada destaca que os afetados pela Covid-19 necessitam de uma constante avaliação, “com um sobrecarga enorme para as equipas de enfermagem e médica”, pois são “sempre” considerados “doentes críticos”.

“São doentes que temos de tratar com carinho e proximidade. Não há forma de entrar naqueles quartos uma vez por turno, eles estão sozinhos, não têm visitas. Muitas pessoas mais idosas, com algum grau de demência, não sabem usar os telemóveis e não conseguem falar com as famílias ao telefone e nós somos os seus principais cuidadores nos hospitais”, aponta.

No final de 2020, Marta Jonet testou positivo, depois de ter estado exposta a uma situação de risco numa enfermaria não-Covid; assintomática, esteve em casa 20 dias.

Obviamente, nós somos novos e sabemos que estamos nisto, é a nossa vocação e dizemos que sim, carregarmos com as consequências. Mas pensar que o nosso «Sim» tem complicações à nossa volta acaba por ser mais penoso. Eu tenho a certeza que neste caminho tenho feito tudo o que Deus me pede, tenho dito todos os «Sins» que tenho de dizer. Deus não me está a pedir um «sim» para depois em dar uma machadada, é um «sim» integral. Era uma provação que a nossa família precisava de viver e alertar para o problema do isolamento e do distanciamento social. É uma preocupação sim, mas não posso usar a palavra «temor»”.

Por causa da pandemia, que provocou uma sobrecarga “imensa”, a médica teve cinco dias de férias em 2020.

“Não é como uma baixa numa empresa que se contrata alguém para substituir. Não há mais ninguém, nós estamos esticados ao máximo em termos de trabalho, carga horária. Sai uma pessoa e fica um buraco que tem de ser colmatado por outros que lá estão. Isso custa muito”, explica.

Preparados para “maratonas”, com uma vida social e familiar que se restringe ao máximo, a médica de Medicina Interna dá conta do sentimento de “desolação” entre os profissionais de saúde.

“Temos um hospital completamente atolado de doentes, uma urgência cheia sem capacidade para mais nada, mas vemos na televisão que as urgências ainda não estão no limite. Há uma falta de transparência que causa alguma desolação”, reconhece.

Em todo este tempo, Marta Jonet afirma que milagres têm acontecido e nos últimos tempos têm conseguido levar Deus para dentro do hospital.

Há duas semanas, estava de saída do Hospital, cheia de pressa para ir buscar os meus filhos, e uma senhora abordou-me no corredor a pedir um padre. A capelania já tinha fechado, acabei por me lembrar que tenho um grupo no WhatsApp e enviei uma mensagem a dizer que precisava de um padre. Dez minutos depois eu tinha um padre dentro do hospital Amadora-Sintra que deu a Santa Unção a um doente que pediu e confessou mais quatro doentes na unidade intermédia”.

A trabalhar há 10 anos no Amadora-Sintra, como é vulgarmente conhecido o Hospital, Marta Jonet reconhece ter percebido cedo que esta profissão seria para si uma missão “confiada por Deus” para cuidar de pessoas “pouco diferenciadas” do ponto de vista populacional e “com uma enorme riqueza de diagnósticos”.

Lidar com o óbito de um paciente, “algo que não ensinam no curso”, tem sido vivido de forma intensa, porque o tempo de relacionamento com os doentes é menor, há mais pacientes a tratar e a falta de visitas aos hospitais tem consequências.

“As notícias de óbito são dada por telefone, o que é uma enorme crueldade. Não conseguimos dar a mão à pessoa, não conseguimos mostrar que estamos empaticamente com elas. «Lamento muito a sua perda» – a pessoa ouve e não vê que os nossos olhos brilham, que estamos comovidos”, indica.

Marta Jonet guarda os nomes dos pacientes que faleceram, “vidas que se perderam”, e desde o primeiro dia, conforta-a saber que entrega o seu paciente a quem pode, a partir dali, cuidar dele.

Antes de verificar um óbito, rezo uma Ave-Maria pela pessoa que tenha falecido, para a entregar a Nossa Senhora. Faço-o desde o primeiro dia em que perdi um doente. Criei essa rotina para mim. Já não posso tratar deste doente, entrego-o a quem trata dele a seguir. No início perguntavam-me porque é que eu o fazia, desconhecendo se a pessoa era crente. Eu não sei se é crente, mas eu estou a entregá-la a quem eu sei que vai tomar conta dela. Não há nenhuma obrigatoriedade de a pessoa seguir o que eu acredito”.

Ao longo desta semana, em que se assinala o Dia Mundial do Doente, o programa Ecclesia na Antena 1 vai valorizar testemunhos e mostrar os rostos de quem passou pela doença provocada pela Covid-19.

LS

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