O meu voto é na urna

João Sobreiro Sousa

A urna. Neste momento de campanha política para as eleições legislativas de 2024, não posso deixar de pensar na centralidade do ato. O ritual, quase místico, associado ao dia da votação, encontrar a mesa de voto, dirigir à câmara de voto, dobrar o boletim e depositar na urna é um ritual que nos marca e que merece a maior dignidade.

Mas este caminho que percorremos até chegar à urna, é, não poucas vezes, penoso. Na qualidade de eleitor, cidadão de um Portugal afirmado em cinquenta anos de democracia livre, o primeiro passo é reconhecer a abnegação, capacidade e sentido de entrega ao bem comum daqueles que se candidatam, daqueles que se submetem ao veredictum do sufrágio. A realidade política parece encarregar-se de nos entregar cada vez mais casos e histórias que fomentam a desconfiança e a descrença no exercício dos cargos políticos, mas também por isso, é cada vez mais relevante procurar saber um pouco mais dos candidatos e das suas listas no distrito, não numa perspetiva de obliterar a vida privada, mas os percursos e as competências em matérias de relevo para as funções a que se propõem (i.e., deputados). Não é demais procurar algo que vá para além das primeiras páginas e das mensagens das redes sociais, admitindo que estamos perante uma representação e intervenção públicas que vão para além do imediato e da voracidade mediática. É uma luta para vários anos, é um compromisso para uma legislatura.

Depois vêm os programas políticos, os manifestos e as tendências. Nos dias que correm, face à representação política e partidária, é provavelmente a dimensão que mais faz estremecer o pulsar de um cristão. Entregar o boletim de voto, acima de qualquer protesto, inteiramente válido, ou de um mero cumprimento do dever cívico com base na “cor do partido”, é escolher um programa de governação e de ação política, é aderir, na parte que me corresponde como eleitor, a uma resposta para o mundo, a sociedade, as famílias e as pessoas.

Mas a poucos dias de votar, como devo decidir?

Não escondendo as nuances associadas à filiação partidária, que são uma forma de participação ativa na «boa política»[1] e que podem marcar o sentido de voto de muitos, é através do meu voto individual que contribuo para um reconhecimento coletivo de valores e princípios que orientam a vida humana, seja a dignidade das pessoas e o respeito por todos, independentemente da sua condição social ou económica, origem ou capacidade, o respeito pela família, pelo trabalho e pelos direitos sociais, bem como a criação e distribuição da riqueza em liberdade, prosperidade e equidade, mostrando que a economia não é um fim em si mesma. Estes e outros princípios que tão bem conhecemos da doutrina social da igreja, relevam a essencialidade do voto, pois é pelo voto que responsabilizo, mas é também pelo voto que me comprometo para a construção do bem comum, para uma «civilização do amor[2]» onde todos temos o dever de participar, hoje e amanhã.

Perguntar, ler e conhecer continuam a ser a melhor opção para estar informado e, naquilo que cada um quiser investir, ficar capacitado para tomar a melhor decisão de voto. Preocupo-me com os mais novos, que poucos incentivos à participação podem ter, penso nos mais velhos que, marcados pela desilusão de políticos e políticas, se afastam das mesmas mesas de voto que tanto lutaram por ter, por isso, sabendo que esta é a melhor forma para deixar o mundo um pouco melhor, se hoje tivesse de decidir… O meu voto é na urna.

João Sobreiro Sousa, diocese de Setúbal

[1] Viagem Apostólica a Portugal do Papa Francisco: Encontro com as autoridades, Lisboa, 2 de agosto de 2023

[2] Carta Encíclica Caritas in Veritate, 2009, Papa Bento XVI

 

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