“Missão pessoa” – Vocação de original consagração

Padre António Jorge dos Santos Almeida, Diocese de Viseu

Uma das dialéticas presentes do tema das vocações de consagração é o da relação entre a dimensão comunitária da vocação e a dimensão pessoal da vocação. Tem-se verificado que, não raramente, esta dimensão pessoal é pouco observada, ficando relegada para um acompanhamento no foro interno, quando existe, mas quase sempre inferiorizado pela consideração da urgência e da dimensão comunitária da vocação, também ela igualmente importante.

Vivemos num tempo em que os jovens tendem a valorizar experiências gratificantes, mesmo no que toca à vivência da fé, sendo, para isso, capazes de percorrer seja que distâncias for para se encontrarem com outros jovens e desbravarem juntos novas expressões da vivência ou celebrações da mesma fé. Nota-se que se trata de organizações ou ambientes (como Taizé, a JMJ, etc.) que descartam a rigidez em favor de uma maior liberdade de expressão dentro de uma forma mínima de comunhão essencial. Quanto o encontro se afunila na dimensão instituição vocacional, onde, por vezes, a comunhão é mais aparente e menos expressiva no respeito para com cada personalidade, não raramente se apaga o entusiasmo da procura, ficando-se no isolamento. Talvez esteja por aqui a explicação das dificuldades de compromisso.

A gestão da dimensão comunitária da vocação, por seu lado, entre a sensibilização, o acolhimento e a formação de uma vocação, nem sempre é isenta de uma percentagem de “proselitismo”, porquanto vise o “encaixe” do discernimento de cada chamamento nos “tipos” de consagração especial que se conhecem.

Pergunto: quando na Igreja falamos de “novas vocações” só nos estamos a referir a novas admissões vocacionais nas nossas instituições ou atrevemo-nos a vislumbrar o caminho de cada pessoa ─ no desembrulhar da semente vocacional que desabroche num dinamismo missionário ─ como uma vocação de original consagração? Na parábola dos talentos que Jesus nos contou neste 23º domingo do tempo comum (ano A), vislumbra-se naquela afirmação “colho onde não semeei” algum espaço para a originalidade e a criatividade, partindo do pressuposto de que cada vida é um talento ou um talento pode valer a totalidade de uma vida. Prova-o o testemunho do jovem Carlo Acutis que, iluminado pelo Espírito Santo, soube fazer uma bela síntese entre os seus gostos e qualidades pessoais e a Eucaristia e a evangelização. Esta vida sugere que entre o Batismo e as formas institucionais das vocações, há um mar imenso de possibilidades de realização vocacional batismal. Penso que também as instituições vocacionais são chamadas a abrir-se a esta variedade, sendo possível a refundação de cada instituição através de uma releitura sábia dos seus fundamentos inspiracionais (que nunca é possível viver todos numa geração).

Que novidade a busca de cada jovem e a escuta aos mesmos nos poderá trazer às nossas instituições formativas e às comunidades de vida e de serviço eclesial? Não será cada vocação de consagração uma síntese entre a história pessoal ─ com tudo o que ela tem de contraditório, mas também de húmus ─, e os valores essenciais da missão que as comunidades não conseguem esgotar?

Na sua mensagem para o 60º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (30/04/2023), o Papa Francisco falou-nos da Vocação como “graça e missão”. Se, por um lado, “não há vocação sem missão”, por outro, a vocação é uma graça, um dom gratuito, antes de mais, para cada pessoa entendida pelo Santo Padre como uma “missão nesta terra”.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que nos preocupamos com o número de vocações de consagração para a urgente missão das comunidades, não será cada comunidade chamada a ocupar-se de cada história vocacional pessoal, reconhecendo os carismas em vista à comum, mas diferenciada, participação na missão? Uma ideia poderia ser, como mero exemplo, a par do acompanhamento e da celebração da Confirmação, propor a cada jovem que escolhesse um/a animador/a vocacional (das pessoas que já vivem alegremente a sua vocação pessoal na missão da Igreja) que o acompanhasse no discernimento do seu perfil vocacional ou entrega original na missão da Igreja. Quase sempre se pensa e age em relação aos jovens do ponto de vista de uma ocupação comunitária, pensada, muitas vezes, como “contrato por tempo limitado”, até que vá para a universidade ou que cresça até uma certa idade, onde o elã vocacional pode ser suplantado pela formação e por uma mera procura de profissão rentável.

Assim, poderá vir a acontecer com as vocações de especial consagração o que já acontece com os ministérios e as profissões: por um tempo determinado ou a termo. No sentir do Papa Francisco, a alegria é primeiro sinal de que uma pessoa se sente no caminho certo, sentimento de quem não procura uma paga, mas de quem descobre que “há mais alegria no dar que no receber” (Act 20,35), fator de maturidade onde o teólogo Armando Matteo vê a possibilidade da reconstrução dos elos de transmissão da fé.

Na pastoral das vocações, convinha que o peso institucional não apagasse a centelha de originalidade que o Espírito de Deus semeou em cada pessoa. Em celebrações de bênção de finalistas, costumava ouvir o meu bispo a desafiar os jovens a ser criativos diante da precariedade de empregos na sociedade: “Não encontrais emprego? Inventai-o vós! Não foram para isso todos estes anos de formação?” Não se poderia dizer o mesmo a quem percorre muitos anos de itinerário na educação cristã? Cada vocação ─ na sua dimensão pessoal acolhida e acompanhada pela dimensão comunitária (patente nos Sacramentos e nos modos subsequentes de existir e de servir) ─ não poderá ser uma resposta original a necessidades e urgências não ainda não “catalogadas” como objeto de consagração de uma vida? Mais uma vez, provam-no a vida de muitos santos e santas, consagrado e consagradas, bispos, padres, diáconos, irmãos, e os mártires e muitos daqueles santos “ao pé da porta” que ou são desconhecidos ou, quando são muito conhecidos, é porque foram muito originais (e não fotocópias!). No seguimento e envio feito por Jesus Cristo, não houve, nem há entregas iguais, mesmo e porque sendo, desde o Batismo, verdadeiros irmãos. Sendo o Seu Espírito o mesmo (cf. 1 Cor 12,11).

Padre António Jorge dos Santos Almeida

Diocese de Viseu

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