Missão e culturas: diálogo ou confrontação?

Jornadas Missionárias Nacionais

Cerca de 400 pessoas participam nas Jornadas Missionárias Nacionais, dedicadas ao tema «S. Paulo e a paixão pela Missão». O encontro, que se realiza em Fátima entre 18 e 20 de Setembro, conta com a presença de 120 jovens entre os inscritos.

O segundo dia das Jornadas abriu com uma interrogação: «Missão e culturas: diálogo ou confrontação?». A Ir. Luísa Almendra, biblista e professora na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, começou a sua intervenção recordando os recursos de S. Paulo e as dificuldades que ele encontrou no âmbito do anúncio da mensagem cristã a auditórios diversificados.

Intra e inter-culturalidade

Antes de transmissão da novidade evangélica para os povos que não a conhecem, é necessário pensar na “intra-culturalidade”, isto é, no entendimento sobre Cristo e sobre a missão que se estabelece dentro das comunidades cristãs.

Esta questão colocou-se logo no início do cristianismo. A adesão das comunidades judaicas, a quem Paulo se dirigiu em primeiro lugar antes de passar aos pagãos, implicou uma transformação no interior do judaísmo, designadamente no que diz respeito aos valores, prioridades e práticas religiosas.

O livro dos Actos dos Apóstolos narra as primeiras dificuldades encontradas por Paulo: a rejeição de muitos judeus revelou os obstáculos que o “Apóstolo dos Gentios” encontrou na “intra-culturalidade”; na sequência destas contrariedades, Paulo voltou-se para os pagãos; esta mudança assinala a passagem para a “inter-culturalidade”, isto é, para a relação do anúncio cristão com culturas exteriores ao judaísmo e ao cristianismo nascente.

As práticas da “inter-culturalidade” podem ter consequências na “intra-culturalidade”: na carta aos Gálatas, Paulo defende as suas escolhas face a algumas personalidades eminentes da comunidade de Jerusalém, nomeadamente quanto aos preceitos rituais que se devem impor aos pagãos. As discussões patentearam o desacordo que existia, na mesma Igreja, sobre Cristo e sobre as opções associadas à transmissão da mensagem evangélica.

A missão e a reflexão teológica de Paulo construíram-se a partir das questões “intra” e “inter-culturais”.

Dificuldades no anúncio

Se é verdade que a pregação de S. Paulo converteu muitos pagãos, não lhe faltaram dificuldades no anúncio. A Ir. Luísa Almendra exemplificou essas contrariedades com a estadia do apóstolo em Atenas, não recusando o diálogo com um pensamento evoluído. É novamente o livro dos Actos dos Apóstolos que apresenta o contexto cultural grego e a incredulidade da maioria dos seus ouvintes.

Ainda que se prevejam resistências à palavra evangélica, a sua transmissão deve incluir três elementos essenciais: anunciar que Deus ressuscitou Jesus, denunciando a efemeridade dos cultos pagãos; afirmar a soberania de Deus sobre a humanidade; assegurar que a morte e ressurreição de Cristo derruba as barreiras entre judeus e gentios, tornando-as irrelevantes.

O diálogo na contemporaneidade

A construção do diálogo é uma tarefa permanente. Este objectivo implica uma compreensão e um respeito que não se limitem ao reconhecimento recíproco. Hoje já não basta encontrar semelhanças ou correspondências.

A actividade de Paulo revelou que, a par das diferenças culturais, se perspectivam elementos que unem a humanidade: a solidariedade, a construção de um mundo habitável para todos e a responsabilidade ecológica com o planeta. As soluções para estes problemas não se conseguirem resolver com um pensamento único, mas através de um novo modo de as culturas agirem entre si, nos âmbitos “intra” e “inter-cultural”.

A abertura a mundivisões não implica que os cristãos não considerem que as “suas” verdades sejam mais acertadas do que as outras. Para Richard Rorty, “um certo etnocentrismo feliz” faz parte do dia-a-dia. O amor-próprio e a defesa de um projecto contribuem para melhor respeitar os conceitos defendidos pelas outras culturas. A biblista considera que esta atitude faz mais pelo diálogo inter-cultural do que as posições que propõem o relativismo, para quem vale tudo e nada.

A conferencista defendeu que os cristãos, e em particular os missionários, têm que estar bem informados sobre as culturas. Para o teólogo Hans Küng, não será possível estabelecer a concórdia entre as religiões se não se investigarem os seus fundamentos.

Teilhard de Chardin acrescenta que o diálogo se deve transformar em “triálogo”, invocando a presença de Cristo entre os interlocutores.

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