LUSOFONIAS – Ninguém aguenta a força do Iguaçu

Tony Neves, nas Cataratas do Iguaçu, Brasil

Olho, fascinado, as Cataratas do Iguaçu e as imagens do filme ‘A Missão’ (que vi logo em 1986) escorrem-me na memória. Estas quedas enormes de água, unem três países: o Paraguai, o Brasil e a Argentina, poucos dias depois desta se tornar campeã do mundo de futebol! Naquele longínquo séc. XVIII, os jesuítas deram um novo fôlego à evangelização dos povos indígenas que viviam nas áreas do Paraguai, com as famosas ‘Reduções’. Estas Missões apostavam num desenvolvimento integral que passava pelo anúncio do Evangelho, mas também pela educação, agricultura, saúde, música, artes e ofícios. O filme ‘A Missão’, com Robert de Niro e Jeremy Irons, Palma de Ouro de Cannes, começa aqui nesta cataratas e, com a música fantástica de Ennio Morricone, ganharia o prémio de melhor banda sonora e, com Chris Menges, venceria o Óscar da melhor fotografia. Pudera, com estas paisagens de sonho, nem outra coisa se esperava…

Aqui, ensopado pelos vapores de água, vi-me a subir estas cascatas com o Padre Jesuíta, pedra atrás pedra, sempre e tentar não cair para o abismo. E recordo aquele belo toque de flauta que abriu o coração dos índios e as portas ao anúncio do Evangelho e à construção da Missão de S. Carlos, que marcaria estas terras paraguaias, com o seu povo guarani que vivia na parte superior das cataratas.

Façamos marcha-atrás na agenda compactada dos últimos dias. Deixei Lima depois do Natal e regressei a San Lorenzo, com o Irmão Mariano Espinoza, o único paraguaio Espiritano a trabalhar no seu país natal. Os oito latino-americanos que se preparam, no Noviciado continental, para serem futuros Espiritanos, tiveram direito ao seu ‘passeio anual’ e a escolha recaíu sobre as cataratas. Para mim, foi providencial, pois há muitos anos que sonhava com esta oportunidade. E valeu bem a pena!

Saímos bem cedo do Bairro Reducto para enfrentar uma longa estrada, sempre ladeada de um verde que pacifica os olhos e impressiona. Desde há muitos anos que os governos têm uma evidente preocupação ecológica, bem clara na legislação relativa ao abate de árvores. Por mais original que pareça, encontramos estradas alcatroadas com grandes árvores no meio, pois foi preciso contorná-las, uma vez que não havia autorização de as cortar! Também impressiona o facto de haver muito território e pouca gente, ainda por cima a viver em povoamento disperso. Há imensas fazendas de gado, campos de soja a perder de vista – a versão menos ecológica deste país! – e há também muitos terrenos que são charcos e, por isso, nem dão para construir nem para cultivar.

A primeira etapa desta viagem de mais de 800 kms levou-nos a Caacupé, capital espiritual do país, como está dito na estrada. O povo venera a Nossa Senhora da Conceição que, segundo lenda que vem do início do séc. XVII, salvou um jovem índio das flechas de outros que o matariam se o vissem. Só que ele escondeu-se atrás de um arbusto de erva mate (utilizada nos chás quentes das manhãs) e invocou a Senhora da Conceição. Eles passaram sem o ver e, por isso, o jovem José fez do tronco deste arbusto uma estátua de Nossa Senhora, dando início a um Santuário que hoje reúne milhões de peregrinos por ano e é o pulmão espiritual do país. Ali rezei e visitei o novo museu que conta esta história.

Seguimos viagem até à fronteira com o Brasil, a Ciudad del Este, enorme (a 2ª maior do país!), bonita e a abarrotar de brasileiros que fazem dele o seu espaço de vida e de compras, dada a diferença de preços entre os dois países. Ali dormimos com o objectivo de nos fazermos à fronteira bem cedo, pois previa-se muito trânsito. Impressiona ver a fila de kms de camiões estacionados ao longo da estrada de acesso à ponte sobre o Rio Paraná, a fronteira. Entre o acordar às 6h30 e o olhar as primeiras cataratas do Iguaçu, passaram-se seis longas horas, de filas e esperas. Mas, quando os olhos puderam atravessar de mansinho a floresta nativa que se mantém virgem e está cheia de onças e outros animais selvagens, entramos no paraíso terrestre, ‘uma das sete maravilhas da natureza, património da humanidade’ – como está escrito em muitos muros e cartazes. Depois foi só abrir os olhos e contemplar, algo que parece quase impossível quando estamos acompanhados de milhares de pessoas que falam todas as línguas e têm rostos que mostram a nossa humanidade sem fronteiras.

Ainda com os olhos cheios deste encanto da natureza, deste voltar à manhã da Criação como narra o livro do Génesis, regressamos a casa e, na linha do horizonte, já está o Capítulo do Grupo, evento que acontece cada oito anos e deve avaliar a missão realizada e programar os anos que aí vêm. É um evento de grande alcance que precisa de muita inspiração para que os Espiritanos sejam fiéis ao seu carisma missionário e constituam um valor acrescentado para a Igreja e o povo que vivem em terras paraguaias.

Desejo um 2023 inspirado e pacífico.

 

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