Igreja/Abusos: Relatório da Comissão Independente foi «murro no estômago» – Marta Neves

Psicóloga, que integra Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, diz que existe vontade de enfrentar problema

Coimbra, 19 fev 2023 (Ecclesia) – Marta Neves, que integra Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, da Igreja Católica, assume que o relatório sobre abusos sexuais, divulgado na última semana, teve um forte impacto e deve gerar mudanças.

“Acho que a Igreja acordou, este dia 13 de fevereiro surgiu, um bocadinho, como um murro no estômago para muitas pessoas”, refere a psicóloga, convidada da entrevista semanal ECCLESIA/Renascença que é publicada e emitida aos domingos.

A responsável entende que os bispos católicos estão “muito conscientes” desta situação e “com muita vontade para mudar esta mentalidade”.

“A partir deles e a partir de deste momento, eu acredito que haja possibilidades para nascer uma nova forma de estar na Igreja”, acrescenta.

O relatório, pedido pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e divulgado a 13 de fevereiro, validou um total 512 testemunhos de abuso sexual na Igreja Católica nas últimas décadas, com um “pico” entre as décadas de 60 e 90 do século passado.

“Os números não nos surpreendem, primeiro porque não tínhamos nenhuma ideia prévia, sabíamos apenas que existiam muitas pessoas”, indica Marta Neves, para quem o importante é que exista “coragem para os olhar de frente”.

A Coordenadora da Comissão para a Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis na Diocese de Coimbra admite que, a nível de toda a sociedade, “os números não são muito animadores”, com estudos europeus a apontar que “uma em cada cinco pessoas pode ser vítimas de violência sexual”.

“Existem números assustadores de violência: existem nas famílias, existem em todas as instituições, existem na Igreja, isso não nos surpreende. O que é importante é o que nós, nesta época, aqui e agora, podemos fazer para mudar essa tendência”, declara.

A psicóloga clínica apela à criação de uma “cultura de cuidado”, com as vítimas e também com os abusadores, de forma a “prevenir que não aconteçam outras situações no futuro”.

Não podemos virar a cara, nós não podemos fingir que não percebemos, e isto é fundamental para que cada pessoa que faz parte da Igreja interiorize este papel de corresponsabilidade. Não são só duas ou três pessoas que mudam, temos de ser todos a fazer a diferença”.

Questionada sobre o trabalho nas Comissões Diocesanas para a Proteção de Menores, a entrevistada considerou “normal e expectável que haja diferentes posições”, dentro das mesmas, aponta como prioridade “não apenas o acolhimento e acompanhamento das pessoas que foram vítimas, mas também, sobretudo, a prevenção e a formação”.

Num momento em que a Igreja vive um processo sinodal, Marta Neves espera que “todas as pessoas sintam que podem falar e ser escutadas, que é o contributo de todos que leva depois de uma decisão mais consciente, mais responsável”.

A responsável na Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores fala em mais de 30 casos participados ao Ministério Público, admitindo que as pessoas recorram a estes organismos, da Igreja Católica, relativamente a situações “mais recentes”.

Reafirmando o princípio de “tolerância zero”, a entrevistada aponta à necessidade de “homogeneização dos procedimentos das atividades que estão a ser feitas”, nas várias dioceses.

“Não parece mal que, por exemplo, que as comissões diocesanas possam pagar o acompanhamento em psicoterapia que está a ser feito por técnicos especializados”, exemplifica.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (ECCLESIA)

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