Igreja/Abusos: Presidente da CEP e cardeal-patriarca descartam revisão da Concordata por causa do segredo de Confissão

D. José Ornelas e D. Manuel Clemente foram ouvidos pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a respeito do relatório da Comissão Independente

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Lisboa, 02 mai 2023 (Ecclesia) – O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse hoje na Assembleia da República que a Igreja vai manter segredo de Confissão, descartando uma eventual revisão da Concordata, por causa dessa matéria.

“Não depende da Concordata. O segredo da Confissão é tão velho como a Igreja e não vai mudar, isso posso garantir”, referiu D. José Ornelas, na audição parlamentar da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O bispo de Leiria-Fátima respondia a uma questão da deputada do PAN, Inês de Sousa Real, partido que no seu Projeto de Resolução n.º 544/XV/1.ª recomenda “a revisão da Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa e a criação de uma Comissão de Reparação para indemnização das vítimas de crimes sexuais”.

O artigo 5 da Concordata de 2004 determina que “os eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério”.

D. José Ornelas sublinhou que a Confissão implica um arrependimento dos atos cometidos e que compete ao confessor convencer as pessoas de que é “seu dever” denunciar os factos às autoridades próprias.

A audição contou também com a presença cardeal-patriarca de Lisboa, a requerimento do grupo parlamentar do Chega.

D. Manuel Clemente referiu que este sigilo sacramental, para os católicos, é “absoluto”.

O confessor, acrescentou, tem a obrigação de recomendar que a pessoa se dirija à autoridade competente.

“Isto é um crime público, que deve ser apresentado às autoridades públicas”, sustentou.

A nova lei do Vaticano para a proteção de menores e pessoas vulneráveis determina a obrigatoriedade de denúncia de casos de abusos, excetuando as situações ligadas, precisamente, ao sigilo sacramental.

No Motu Proprio ‘Vos estis lux mundi’, de 2019, Francisco instituiu uma “obrigação” de denúncia, aos membros do clero e institutos religiosos, sempre que alguém “saiba ou tenha fundados motivos para supor” que foi praticado algum dos crimes referidos.

Com este decreto, o Papa estabelece que a denúncia de abusos na Igreja “não constitui uma violação do sigilo profissional”, excluindo, como determina o cânone 1548-§2 do Código de Direito Canónico – “os clérigos, no respeitante ao que lhes foi manifestado em razão do sagrado ministério”, entre outros.

O confessor que violar diretamente esse sigilo incorre, de forma automática, em pena de excomunhão, de acordo com o Direito Canónico; a mesma pena é reservada a quem captar por meios técnicos o que for dito entre penitente e confessor.

A 1 de julho de 2019, o Vaticano publicou um novo documento sobre o chamado “segredo de Confissão”, a que está obrigado qualquer membro do clero católico, considerando que este sigilo não pode ser anulado por pressões políticas ou jurídicas.

O presidente da CEP disse aos deputados do Chega, PAN, PS e PSD, presentes na audição, que a Igreja vai assumir todas as obrigações legais, na resposta às vítimas de abusos sexuais, mas destacou que é preciso ir além das questões jurídicas, num campo “muito sensível”.

“Não estamos acima de lei e vamos cumprir a lei, mas nem tudo entra no campo jurídico”, referiu D. José Ornelas.

A audição parlamentar abordou as recomendações do relatório da Comissão Independente (CI) para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja, em Portugal, e a “anunciada mudança de paradigma nesta matéria”.

“Ninguém que tenha sofrido dramas deste género vai ficar sem ajuda”, apontou o presidente da CEP, repetindo a informação de que cerca de 30 pessoas estão a receber apoio para os seus tratamentos.

O bispo de Leiria-Fátima apontou a um “percurso de tomada de consciência e compromisso de ação”, empreendido pela Igreja, nas últimas décadas, que em Portugal levou à publicação de “orientações próprias”, com caráter “sistemático e prático”.

O responsável admitiu que a criação de Comissões Diocesanas, determinada pelo Papa, se revelou insuficiente, justificando a criação da CI com o “sofrimento das vítimas de abusos” e uma dor que “marcou de forma devastadora a sua vida”.

O presidente da CEP assumiu a “vergonha e repúdio” perante estes crimes, que considerou “duplamente graves” quando acontecem na Igreja.

“Estamos abertos para colaborar com todas as instituições públicas ou privadas para erradicar este mal que destrói vidas desde a infância”, afirmou.

D. José Ornelas foi questionado sobre a resposta dos vários bispos às denúncias recebidas, considerando que um sacerdote que abusa de menores “não pode ficar à frente de uma comunidade”.

“Nós vamos continuar a vigiar e a nossa atitude vai ser de tolerância zero”, prosseguiu.

Sobre a questão das denúncia anónimas, o presidente da CEP admitiu o “perigo de injustiça”, destacando que sem indícios mínimos de plausibilidade não pode haver qualquer afastamento.

A audição decorreu na Sala do Senado, após requerimentos dos grupos parlamentares do Chega, PS e PSD.

A Comissão Independente, designada pela CEP, apresentou a 13 de fevereiro o seu relatório final, após um ano de trabalho, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4815 vítimas, entre 1950 e 2022.

O bispo de Leiria-Fátima admitiu que sentiu “vergonha”, na apresentação pública do relatório.

“Não foi fácil, não foi fácil estar no dia 13 de fevereiro, na Gulbenkian, na primeira linha, a ouvir os depoimentos daquelas pessoas”, declarou.

D. José Ornelas recordou as medidas anunciadas a 3 de março, após uma assembleia plenária extraordinária da CEP, num comunicado que reconhece a realidade dos abusos, reiterando o “pedido de perdão” às vítimas.

“Esta realidade existiu”, observando, realçando a importância de “conhecer a verdade”.

A intervenção evocou as decisões dos bispos e dos responsáveis dos Institutos Religiosos em Portugal, destacando a criação do Grupo Vita, para “acolher as vítimas passadas e futuras”, ajudando a estruturar o setor e complementar a ação das Comissões Diocesanas.

“Temos convergência de opiniões”, acrescentou.

Para o bispo de Leiria-Fátima, a nova fase “operativa”, em relação às vítimas, exige o fim do anonimato, por parte das vítimas que desejarem receber ajuda.

“Estamos disponíveis para isso”, assumiu.

D. Manuel Clemente, que falou após os responsáveis da CI, começou por sublinhar a organização “básica” da Igreja Católica é diocesana e recordou o esforço dos últimos pontificados para enfrentar a “gravíssima questão” dos abusos de menores.

“Da nossa parte, queremos resolvê-lo”, assumiu.

O patriarca de Lisboa recordou a participação na cimeira mundial convocada pelo Papa, em 2019, como o então presidente da CEP, a partir da qual foi decidida a criação de comissões para a proteção de menores e adultos vulneráveis, em cada diocese, falando em especialistas “absolutamente independentes”.

D. Manuel Clemente considerou natural que haja “sensibilidades diferentes”, entre os bispos portugueses.

“Da nossa parte, há uma preocupação absoluta em prevenir estes casos”, acrescentou.

Questionado sobre as suas declarações a respeito de eventuais indemnizações, o cardeal português precisou que os bispos teriam recebido a informação de que nenhuma das vítimas de abusos exigiu contrapartidas financeiras, ao apresentar o seu testemunho.

“Nada disso quer dizer que seja restringido qualquer tipo de apoio”, precisou, apontando ao protocolo que o Patriarcado assinou com a APAV.

O responsável abordou a forma como decorre o tratamento das denúncias, em cada diocese, e as mudanças na formação dos futuros sacerdotes, dado como exemplo o acompanhamento psicológico dos candidatos e uma maior presença de mulheres nas equipas formadoras.

OC

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