Igreja/Abusos: Arcebispo de Braga defende «centralidade das pessoas que sofrem», assumindo «encobrimentos ou silenciamentos» no passado

«Carta ao Povo de Deus» é assinada por D. José Cordeiro e os seus bispos auxiliares, D. Nuno Almeida e D. Delfim Gomes

Braga, 23 mar 2023 (Ecclesia) – O arcebispo de Braga publicou hoje uma mensagem sobre os casos de abusos sexuais de menores, na Igreja, convidando a comunidade católica a “reconhecer a centralidade das pessoas que sofrem” e a pedir-lhes perdão.

“Reconhecemos que os abusos sexuais não foram tratados como prioridade, arrastando consigo erros, omissões e negligência. Reconhecemos, ainda, que nos últimos dias, houve mensagens confusas e contraditórias e equívocos de comunicação sobre o modo de agir da Igreja perante este flagelo hediondo. Por tudo isso, pedimos perdão”, refere D. José Cordeiro, numa ‘Carta ao Povo de Deus’, também assinada pelos bispos auxiliares, D. Nuno Almeida e D. Delfim Gomes.

O texto alude ao relatório da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal, divulgado a 14 de fevereiro, sublinhando que o documento “reforça a responsabilidade de cada um”, neste campo.

“Temos consciência de que foram, de facto, as vítimas que começaram a fazer ouvir a sua voz, a querer recuperar o tempo perdido por causa de sentimentos de culpa, de vergonha e de raiva, frustração e de escândalo”, pode ler-se.

A CI Portugal apresentou a 13 de fevereiro um relatório, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4815 vítimas, entre 1950 e 2022, e entregou aos responsáveis católicos de Portugal uma lista com nomes de alegados abusadores, no dia 3 de março.

O relatório, indica o arcebispo de Braga, “confirma que perante indícios ou provas de abusos, no passado, houve desvalorização, encobrimentos ou silenciamentos, ingénuas reparações privadas na ilusão de compensar o dano sofrido pelas vítimas”.

“Com grande comoção e sentido pesar encontramos pessoalmente e ouvimos os testemunhos de algumas pessoas que foram vítimas de abuso sexual por membros da Igreja”, acrescenta a mensagem.

Conscientes de que o olhar sobre a vítima não pode ser o mesmo que sobre o abusador, ousamos partir da súplica humilde e confiante a Deus para que nos conceda um olhar de compaixão sobre todos: em primeiro lugar as pessoas vítimas, mas também os abusadores e silenciadores, todos os que se escandalizam com a atuação de alguns membros da Igreja, as famílias e a sociedade em geral”.

A carta dos responsáveis da Arquidiocese de Braga recorda a jornada nacional de oração por “todas as pessoas vítimas de abusos de poder, de consciência e sexuais”, no próximo dia 20 de abril, anunciada pelo Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa.

“Somos todos chamados ao firme compromisso de garantir que as atividades pastorais se desenvolvam sempre em ambientes sãos e seguros. Para que isto aconteça, deixemo-nos questionar e iluminar com a luz do Evangelho”, apelam os responsáveis.

D. José Cordeiro e os bispos auxiliares consideram que a “crise dos abusos” deve ser “uma oportunidade para uma evolução ética da humanidade e também para uma renovação e purificação da Igreja”.

“Na Igreja e suas instituições, não podemos tolerar uma espécie de conspiração silenciosa, pois o silêncio, nestes casos, mata emocionalmente, tanto como os crimes dos próprios culpados”, indica o documento.

A Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis da Arquidiocese de Braga ouviu, desde a sua criação (22.10.2019), 28 pessoas que quiseram dar o seu testemunho.

A Arquidiocese vai elaborar também um “Diretório para um Ambiente Seguro” com as boas práticas éticas e profissionais dirigidas a todos os que trabalham nas suas instituições centrais (Arquidiocese, Seminários, colégios católicos), Paróquias, Centros sociais e IPSS, movimentos, instituições, funcionários ou voluntários.

Serão implementados programas de formação permanente, que inculquem formas respeitosas de relacionamento com os outros, capacitem para a identificação precoce de possíveis casos de abuso e para a elaboração de mapas de risco, definindo também procedimentos claros de resposta a eventuais denúncias de quaisquer tipos de abuso no seio das comunidades e instituições da Arquidiocese”.

O arcebispo de Braga assinala ainda a importância de “abrir caminhos de reconciliação e de acompanhamento terapêutico” para os abusadores.

“O alegado agressor tem direito a defender-se das acusações que lhe são imputadas num processo justo”, acrescenta D. José Cordeiro.

OC

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