Homilia do bispo de Beja na Missa Crismal

Sr. Vigário Geral, Srs. Cónegos, queridos Padres e Diáconos, Reverendos Padres Capuchinhos, Religiosos e Religiosas consagrados ao Senhor, caros Seminaristas, todos vós irmãos e irmãs que encheis as naves desta Sé de Beja na última celebração da Quaresma deste ano:

Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor e tereis o nome de ministros do nosso Deus. (Is.61,6)

Ouvimos estas palavras do profeta Isaías na primeira leitura desta celebração. Pelo Batismo e pelo sacramento da Ordem, somos realmente sacerdotes do Senhor e ministros, servos do nosso Deus. Herdámos de Jesus Cristo a Sua mesma missão profética, sacerdotal e real, participamos da Sua profecia, do Seu sacerdócio e do Seu pastoreio como ministros, como servos. Não por acaso fomos ordenados diáconos antes da ordenação presbiteral.

1 – Por isso mesmo, convido-vos irmãos, a guardar e a meditar com fé esta palavra que, como ouvimos no Evangelho de S. Lucas, agora proclamado, o próprio Jesus aplicou a Si, em Nazaré: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor. (…) Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir (Lc 4,18.21).  Dou graças ao Senhor por esta Palavra que Ele nos faz escutar de novo nesta celebração. Dou-lhe graças também pelo zelo, pelo amor com que alguns de vós a viveis, dando aso a que se cumpra, também nesta diocese e neste ano, esta palavra Sua.

Mas estando nós a viver o Ano Missionário, peço-vos, queridos irmãos no sacerdócio, que nos demoremos um pouco mais com esta palavra. À sua luz, perguntemo-nos que lugar ocupa no nosso ministério a dimensão profética, a primeira referida nesta página de Isaías, que Jesus tomou como programa para Si próprio: o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres. Todos sabemos que o anúncio do Evangelho foi para o Senhor e para os seus Apóstolos a tarefa primordial, e que, ao longo dos séculos, tem continuado a sê-lo, sobretudo para aqueles pastores que mais positivamente marcaram o percurso feito pela Igreja. E nós, como preparamos e fazemos as nossas pregações? Honestamente, temos de reconhecer que muitas das nossas prédicas não seguem de perto, e às vezes nem de longe, o exemplo das pregações de Jesus. Onde aparecemos nós, esvaziados de nós mesmos, a pregar revestidos da autoridade que nos vem do Senhor? Quem escuta as nossas homilias como palavra de Deus à qual é bom dar atenção, e à qual é preciso obedecer? Quem as escuta com coração pobre? Talvez alguém diga que já não há pobres nas paróquias desta diocese. Há pobres, há muitos pobres, e não apenas de bens materiais, neste Baixo Alentejo e no Alentejo Litoral. Ide, por exemplo, ao Bairro das Pedreiras, aqui mesmo em Beja, e encontrareis muitos pobres, desejosos de escutar o anúncio do Evangelho. Talvez o problema esteja no facto de não termos muito viva em nós a unção do Espírito Santo, indispensável para quem é enviado a proclamar o Evangelho com amor a todos, e de um modo especial, aos pobres.

2 – Perguntemo-nos irmãos, diante do Senhor, de que espírito somos? Que espírito move as nossas vidas e o nosso agir? Onde estão, nesta diocese, os anunciadores da boa notícia, movidos pelo Espírito, esquecidos de si próprios e do seu conforto, e dispostos a semear a boa semente de Cristo? Muitos poderão dizer que somos sacerdotes, mais que profetas. Mesmo assim, e porque o nosso sacerdócio é participação no sacerdócio do Senhor, reparemos que o nosso Mestre Jesus Cristo, sempre começou pelo anúncio do Evangelho e que a dimensão sacerdotal só se define e transparece na Sua Paixão, Morte e Ressurreição. Se não O imitamos nisto e omitimos a pregação que suscita a fé e a faz crescer, como nos podemos admirar de que os nossos fiéis tenham motivações erradas ou insuficientes quando nos pedem os sacramentos? E se não é o Espírito de Cristo que nos anima, eu não me admiro que, tal como o sacerdote da parábola do bom samaritano, passemos adiante quando encontramos alguém ferido, à beira do caminho.

3 – Jesus, o Sumo Sacerdote da Nova Aliança, como todos sabeis, não era sacerdote, era leigo, da tribo de Judá. O seu sacerdócio não era o da tribo de Levi, como era o sacerdócio propriamente dito do Povo de Israel. A Carta aos Hebreus lembra-nos isso mesmo e apresenta Jesus como Sumo Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec, que não ofereceu vítimas a Deus, mas pão e vinho. Para salvar o mundo, Cristo ofereceu-Se a Si mesmo ao Pai no altar da Cruz, carregando com os pecados do mundo. O seu único sacrifício, embora feito de uma vez por todas, renova-se pelo nosso ministério, sempre que celebramos a Eucaristia e repetimos as Suas palavras na Última Ceia: Isto é o meu Corpo entregue por vós… Este é o cálice do meu Sangue derramado por vós. As palavras de Cristo são palavras também nossas e têm o poder de fazer com que o nosso corpo seja corpo entregue e o nosso sangue seja sangue derramado. Queridos irmãos, não podemos ser verdadeiramente sacerdotes do Senhor Jesus Cristo se a dimensão do martírio, expressa nas palavras da consagração, não der forma à nossa maneira de estarmos no mundo e de trabalharmos na Igreja. Como padres, somos pessoas expropriadas, oferecidas a Deus Nosso Senhor para realizarmos a Sua obra, servindo-O com tudo o que somos e temos.

Sendo assim, porque temos medo de perder esta vida presente? Será que acreditamos mesmo na vida do mundo que há-de vir e a esperamos? Será que esperamos a vinda de Cristo nosso Senhor, ou não? Pregamos o Evangelho de Cristo que desinstala as pessoas e as salva, ou entretemos os fiéis com palavras simpáticas que gostam de ouvir mas que não podem salvá-los? Pelo amor a Cristo Salvador que nos envia, pelo amor aos irmãos aos quais somos enviados como profetas, sacerdotes e pastores, e também pelo amor a nós próprios, cultivemos, irmãos, a dimensão profética do nosso ministério. Imitemos o Apóstolo S. Paulo que exclamava: ai de mim, se não anunciar o Evangelho! Ai de nós, irmãos, se não anunciarmos o Evangelho! A dificuldade que todos temos que enfrentar e superar para podermos anunciar livremente o Evangelho está no medo que nos bloqueia, no medo de perdermos a vida. Tenhamos presente Cristo glorioso que nos envia a dar a vida eterna aqueles que nos escutam com fé. Nós precisamos de ir pregar como quem perde a vida, para que recebam Vida os nossos ouvintes. Como S. Paulo refere, enquanto nós, os apóstolos, morremos anunciando o Evangelho, o mundo recebe a vida (cf. 2Cor.4,10-12)! Anunciemos assim, irmãos, a Palavra de Cristo que suscita a fé e dá a vida eterna aos que a recebem.

4 – Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor e tereis o nome de ministros do nosso Deus. (Is.61,6)

Somos sacerdotes. Mas como celebramos nós os santos mistérios? Como sacerdotes ou como funcionários? Como filhos amados por Deus, ou como empregados que despacham o serviço desalmadamente? Somos pastores do povo de Deus. Mas como pastoreamos nós os fiéis? Dando a nossa vida por eles, à imagem de Cristo, Bom Pastor, ou como mercenários que os evitam, sobretudo quando vêm ter connosco embrulhados em problemas difíceis de discernir?

A nossa missão sacerdotal e pastoral, queridos padres, precisa, e muito, que exerçamos, o melhor que pudermos, a dimensão profética. Nós precisamos daquela sabedoria que nos vem da palavra escutada, guardada e meditada com diligência no coração, tal como aconteceu com a Virgem Santa Maria, mãe dos Sacerdotes.

Convertamo-nos, convertamo-nos, irmãos! Abramos, como ela, os nossos corações ao Espírito Santo, e deixemos que Ele venha tornar fecundo o nosso trabalho pastoral. Então seremos, de facto, sacerdotes do Senhor e verdadeiros servos do nosso Deus.

A renovação dos votos sacerdotais que agora vamos fazer, nos ajude a sermos fiéis, no exercício das nossas funções e em toda a nossa vida, ao Senhor Jesus Cristo, Nosso Salvador. Amen!

Quarta-feira Santa, 17 de abril de 2019

D. João Marcos, bispo de Beja

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