Homilia de D. António Carrilho na Missa e Te Deum no final de 2009

No final de mais um ano, elevamos o nosso coração a Deus, num Canto de Louvor e Acção de Graças, pelas inúmeras bênções e dádivas recebidas da Sua bondade paternal. Sim, cada um de nós sabe em quanto foi beneficiado pelos dons do Senhor, quer espirituais quer temporais, ao longo de todo o ano. Com o salmista, também nós dizemos, cheios de gratidão: “Cantai ao Senhor um cântico novo, pelas maravilhas que Ele operou” (Sl 97,1).

Neste hino de louvor e gratidão, apraz-me recordar alguns acontecimentos mais relevantes da vida da Igreja, na nossa Diocese. Recordo, em primeiro lugar, todo o dinamismo do Ano Paulino e o entusiasmo de tantas comunidades e grupos apostólicos, no estudo e aprofundamento dos escritos de S. Paulo, bem como a convocação do Ano Sacerdotal, com o seu forte incentivo à renovação interior dos sacerdotes e à descoberta do sentido do Sacerdócio, por parte de todo o Povo de Deus.

Lembro, também, as imensas graças recebidas através das Ordenações de quatro Diáconos, em ordem ao Presbiterado, e da Dedicação e Bênção de igrejas novas (Feiteiras e Jardim da Serra) e restauradas (Encarnação, Quinta Grande e S. Francisco Xavier).

Recordo, muito especialmente, a Visita da Imagem Peregrina de Fátima à nossa Diocese, a Senhora da Paz, que nos tem vindo a despertar para uma maior autenticidade de vida cristã, na oração, na escuta da Palavra, na mudança de vida e de comportamentos, em relação a nós e aos outros. Guardamos no coração a sua recomendação maternal: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).

Para além deste âmbito mais directamente eclesial devemos, também, dar graças a Deus, em termos globais, por todos os esforços realizados pela comunidade eclesial, civil e política, perante a crise mundial que também nos afecta, e apesar dela, no sentido de se promover o bem comum e construir a paz, através das respectivas instituições, nomeadamente das Instituições Particulares de Solidariedade Social, públicas e privadas, que se empenharam em ajudar os mais carenciados, especialmente os pobres, as crianças, os doentes e idosos abandonados. E não podemos esquecer, também, os incontáveis gestos humildes, de ternura e generosidade, nas famílias, entre os vizinhos e nos espaços de trabalho, à semelhança do “copo de água” oferecido por amor de Jesus, que não ficará sem recompensa (cf. Lc 6,32).

Com Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, em profunda comunhão eclesial, damos graças por todas as maravilhas, que o Senhor realizou em nós e por nós, e reiteramos o nosso Canto de Louvor: “Te Deum Laudamus…”!

O Verbo Encarnado e a altíssima dignidade humana

A primeira leitura, de grande densidade e riqueza teológica, é um excerto do livro dos Números, um dos mais belos textos literários do Pentateuco. A “Bênção”, que aí se refere, significava toda a espécie de bens e dons sobrenaturais ou temporais e a invulgar protecção, que Deus dispensava ao Seu povo, livrando-o das adversidades e perigos.

O texto apresenta-nos um Deus amigo, que nos olha com amor, nos contagia com a Sua Luz e nos enche de felicidade e de paz: “O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz” (Nm 6, 26).

O Deus da Bíblia é um Deus próximo, preocupado com o homem e a mulher, que escuta e se “inclina” solicitamente como a mãe sobre os seus filhos, para os cumular de graças e bênçãos. De facto, somente Deus, porque é Amor, pode responder aos anseios mais profundos da humanidade e saciar todas as suas fomes e sedes de Infinito e de Essencial.

Ao chegar a plenitude dos tempos (cf. Gal 4,4), o mistério de Deus tornou-se presente de uma forma total em Jesus Cristo e, n’Ele, o Pai nos abençoou com todas as bênçãos espirituais. A filiação divina é um dom por excelência, que, graças ao Espírito Santo, nos permite chamar a Deus “Abbá! Pai”! Somos filhos no Filho. Daí a grandeza e altíssima dignidade do homem e da mulher, que encontram a sua referência de plenitude no mistério da Encarnação do Verbo.

 

A maternidade divina de Maria

A Igreja celebra, nesta liturgia vespertina, a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, a mais pura e a mais santa entre todas as mulheres. O evangelista S. Lucas sublinha o facto de Maria, perante a imensidão do mistério de Deus, escutar, interiorizar, meditar e aprofundar os acontecimentos salvíficos, no silêncio do seu coração (cf Lc 2, 19).

Maria, a Senhora de Belém, a quem os Padres da Igreja chamaram “Arca da Nova Aliança”, é Aquela que nos traz e oferece a Palavra de Vida Eterna: Cristo Jesus. Mãe do Verbo de Deus, Maria é “a flor mais linda que germinou da Palavra de Deus”, disse Bento XVI.

O Evangelista S. Lucas põe em relevo o amor preferencial de Deus pelos pobres. Sim, naquela noite de Belém, os pastores, homens simples, pobres e desprezados, são os primeiros a receberem a notícia do admirável evento da história da salvação. Neste cenário evangélico, a atitude recolhida de Maria complementa-se com a atitude “missionária” dos pastores, que foram anunciar imediatamente a glória de Deus, manifestada no nascimento do Messias prometido.

 

Coração reconciliado e harmonia cósmica

O Santo Padre, na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano de 2010, sob o tema “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”, apela ao empenhamento da comunidade internacional e aos governantes dos povos, inclusive aos países menos desenvolvidos e emergentes, a preservar o património humano da sociedade. A Igreja não pode pactuar com teses de pretenso desenvolvimento, que põem em risco o equilíbrio do ecossistema ambiental e, consequentemente, a paz e a fraternidade universal entre os povos.

Da Palavra criadora de Deus surgiu uma obra bela e admirável, cheia de “majestade e esplendor” (Sl 111,3). A imensa grandiosidade do Universo, recriado, todos os dias, com tanta sabedoria e amor, é o reflexo da beleza infinita e da bondade de Deus, nosso Pai. E perante as maravilhas de uma natureza viva e da especial relação do homem com o Criador, a Igreja não pode deixar de reconhecer e ensinar que a defesa e o respeito pela vida humana são prioritários e inalienáveis, desde a concepção até à morte natural.

Queremos solidarizar-nos com as famílias, as de perto e as de longe, que durante este ano, foram surpreendidas pela dor da morte de alguns dos seus membros que, não encontrando sentido para a vida, desistiram de lutar e de viver. Entregamos a vida destes nossos irmãos ao Amor misericordioso de Deus. O problema da vida é uma responsabilidade global, não só da família natural, mas de toda a sociedade.

Para uma nova cultura da vida e da paz, devem convergir os esforços da comunidade internacional, dos governantes e das instituições educativas, promovendo o respeito e o cuidado da natureza, sem esquecer a centralidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus. Como escreve o Papa Bento XVI, “Quando a ‘ecologia humana’ é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental” (Caridade na Verdade, 51). A harmonia cósmica, o equilíbrio humano, social e ambiental, nasce do coração reconciliado na paz, na alegria e no amor.

 

A crise ecológica, uma oportunidade histórica

Na recente cimeira das Nações Unidas sobre questões ambientais, os governantes das nações sentiram grandes dificuldades em chegar a um acordo global, porque a crise ecológica não é apenas científica, técnica ou política. O problema ambiental é também cultural, ético e religioso e estão em causa a justiça, os direitos humanos e o respeito pela natureza. O Papa Bento XVI diz, com grande lucidez, que esta crise ecológica é uma oportunidade histórica para “elaborar uma resposta colectiva, em ordem a um desenvolvimento humano integral, inspirado nos valores próprios da caridade e da verdade” (Mensagem para a Celebração do Dia Mundial da Paz, 9).

A Paz não é um mero equilíbrio de forças, é um dom do Espírito Santo ao coração de cada homem e de cada mulher. Todas as formas de violência, doméstica, social e ambiental, constituem uma agressão à humanidade e uma grave ofensa a Deus, ferem gravemente a dignidade humana e a sua justa ânsia de amor e de paz. Somos chamados a promover uma cultura da vida, a cuidar da terra e uns dos outros, e a criar uma nova ética de respeito pela criação. É um desafio que nos leva a procurar novas atitudes mentais, sociais e ambientais, com um profundo sentido de responsabilidade universal. “A irresponsabilidade ecológica tem as suas raízes num problema moral”, afirmou o Papa João Paulo II.

 

Com Maria, pelos caminhos da Paz

Caros Diocesanos da Madeira e do Porto Santo, no próximo domingo, dia 3 de Janeiro, o Secretariado da Pastoral Juvenil promove uma Marcha da Paz, a nível diocesano. Convido, por isso, todos os jovens dos diversos movimentos, escolas e catequeses, a integrar esta Marcha, com o objectivo de alertar e sensibilizar as pessoas para a urgência de construir a paz e de viver em solidariedade, respeito pelos outros e pela criação. Neste percurso, desde a igreja do Colégio até à igreja do Carmo, levaremos connosco a Imagem Peregrina de Nossa Senhora, a “Mensageira da Paz”, que, em Fátima, nos pediu conversão e oração pela paz no mundo. Com Maria aprendemos e percorremos os verdadeiros caminhos da Paz!

Francisco de Assis, que aprendeu no Evangelho da Paz a genuína sabedoria da reconciliação, continua a ser uma fonte de inspiração para uma humanidade reconciliada. Padroeiro da ecologia, ele é o homem da paz e da fraternidade cósmica.

 

Prece

E Vós, Senhor, Fonte de todo o Bem e da verdadeira Paz, iluminai-nos e transformai-nos, com a luz e a força do Espírito Santo, em instrumentos de Paz e de Reconciliação, nas nossas famílias, na Igreja e no mundo. É que a paz, sendo da responsabilidade global, depende também de cada um de nós!

Coração Imaculado de Maria, Rainha da Paz, dai-nos a Paz!

Sé do Funchal, 31 de Dezembro de 2009

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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