Governo altera estatuto do cooperante

João Gomes Cravinho em entrevista na edição especial do Semanário Agência ECCLESIA João Gomes Cravinho, é desde 2005 Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Em entrevista à Agência ECCLESIA, revela que o estatuto do cooperante vai ser alterado, abrindo-se à sociedade civil. A língua portuguesa e a valorização dos projectos de cooperação da sociedade civil são apostas seguras até ao final da legislatura. Como é desenvolvida a política de cooperação e desenvolvimento, em especial com os países africanos de língua portuguesa e com Timor-Leste? A cooperação é estabelecida com os países que nos são mais próximos, praticamente desde as independências. O desafio que se coloca é da actualização e de tirar o melhor proveito possível dos recursos que existem para a cooperação, que são sempre escassos face às necessidades. Adequar as actividades da cooperação portuguesa às grandes linhas de orientação internacionais – os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Até 2005 estavam ausentes enquanto forças de inspiração e actualmente estão no centro da cooperação portuguesa. A cooperação quer canalizar os recursos portugueses para as áreas onde temos um valor acrescentado que são as áreas relacionadas com a capacitação do Estado e da administração pública, a escolaridade e língua portuguesa, em questões de matriz jurídica e até em questões de forças armadas e de segurança. Referiu áreas diversas como a justiça, a administração pública, a educação, a que acresce ainda a saúde. Áreas diversas onde cada ministério assume as questões isoladamente ou convergem para uma política unitária? Um dos desafios da cooperação portuguesa incide precisamente em criar uma política portuguesa coerente de cooperação, que visa colocar todos a trabalhar de acordo com um guião comum e distribuir os recursos de acordo com as necessidades e segundo esse guião. No início da legislatura (em 2005), foi redigida uma resolução no Conselho de Ministros, onde foi traçada a visão estratégica do governo para a cooperação na legislatura (que termina em 2009). Estes documentos têm um prazo de validade e é normal que na próxima legislatura se faça uma actualização. Mas estou muito satisfeito com o trabalho feito. Fizemos esta visão estratégica, o IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento) teve a responsabilidade de passar «a pente fino» a visão estratégica para identificar medidas concretas a apresentou 70 que traduzem para a realidade a visão do governo. Sendo 70, quais as áreas onde incidem em especial estas medidas apresentadas? Em linhas gerais apresentam um reforço da cooperação portuguesa nos sectores sociais básicos. Acesso à escolaridade, acesso à saúde. No passado apoiávamos muito o ensino superior. Continuamos fazê-lo mas tínhamos pouco trabalho no primário. E quem não sabe ler e escrever não vai aceder ao ensino superior nem fazer muita coisa na vida. Na saúde igualmente. Trabalhávamos mais nos hospitais e menos nas clínicas no campo. Procurámos o equilíbrio com o objectivo de chegar mais próximo das populações, alinhando com as estratégicas prioritárias dos países com quem trabalhamos. Internacionalmente Portugal não é uma grande potência financeira, por isso não faz sentido trabalharmos de forma isolada. Tivemos a preocupação de desenvolver «Bi-Multi» que são projectos portugueses bilaterais que querem «alavancar» financiamentos multilaterais mais substanciais. Este é um trabalho que vai levar algum tempo, mas que, passados três anos, apresenta sinais concretos na ilha de Moçambique e em Cabo Verde.
Objectivos do Milénio De que forma Portugal está a contribuir para atingir os ODM? Anualmente o IPAD produz um relatório anual sobre os ODM, facto novo porque antes os ODM não pertenciam ao quadro mental da cooperação portuguesa. Não estou totalmente satisfeito, mas verifico uma grande melhoria nos últimos anos. Portugal tem contribuído substancialmente para orientar a cooperação portuguesa para esse fim. Não escondo que estamos em falta em alguns aspectos, em particular na parte financeira. O governo fez um grande esforço de contenção do déficit, de reequilibro das finanças públicas. Naturalmente que esse controlo tem consequências e custos na despesa pública incluindo a cooperação. Estamos na fase em que temos de olhar para outras obrigações que não apenas a do cumprimento dos objectivos do déficit, que é muito importante, mas que não é a única obrigação do Estado português. Do ponto de vista quantitativo não posso estar muito satisfeito, do ponto de vista qualitativo, sem complacência, fizemos progressos substanciais. Mas a sua análise contempla o contexto internacional? Várias são as informações que indicam que internacionalmente se está muito longe de atingir os ODM em 2015… Sim. Mas os ODM serão ou não atingidos dependendo da forma como se olha para a questão. Se incluirmos a China e a Índia, e globalmente não há razão para não o fazermos, houve progressos extraordinários. Se apenas olharmos para o continente africano, estamos numa situação preocupante. Portugal tem um carinho e atenção especial face ao continente africano, em particular aos países lusófonos e, temos por isso, razões para nos preocuparmos. Fazemos parte da equação global. Há países que cumpriram, onde se incluem países africanos também. A maior parte não o conseguiu fazer. E isto é preocupante porque a globalização significa que o que se passa dentro de um país tem consequências cada vez mais relevantes para além das suas fronteiras. Ao não cuidarmos de nós próprios e não contribuir em dinâmicas internacionais que favoreçam a todos, criamos problemas para cada um de nós. Para este problema não temos ainda soluções adequadas para elas, pois todas as nossas políticas são pensadas em termos nacionais, as nossas receitas são nacionais e os problemas são cada vez mais globais. E a cooperação ainda não se adequou ao Séc. XXI.
Lusofonia A estratégia de cooperação foi reavaliada com a Presidência portuguesa da UE, com a Cimeira Europa – África, em Lisboa, e com a presidência da CPLP? A reavaliação de fundo aconteceu em 2005. É fundamental, continua a ser, fazer ajustamentos necessários consoante as circunstâncias. A presidência da UE foi uma enorme oportunidade e penso que bem aproveitada. Isso permitiu uma influência em alguns temas, desproporcionais em relação ao nosso peso internacional. Penso em especial em dois temas que nos são muito próximo – o apoio aos estados mais frágeis, pois conseguimos orientar o interesse da UE para eles (caso da Guiné – Bissau, São Tomé, Timor Leste com desafios particulares). Trabalhámos muito também na ligação entre segurança e desenvolvimento. É fundamental para o desenvolvimento que haja uma base de segurança e que as populações não tenham receio de sair à rua. Esta ligação entre segurança e desenvolvimento significa que nos países em conflito ou pós conflito, as forças armadas e as agências de desenvolvimento, que trabalham muitas vezes no mesmo território mas sem grande contacto, têm de desenvolver sinergias. Identificámos um conjunto de linhas de orientação que a UE adoptou para esse trabalho de segurança e desenvolvimento. Durante os seis meses da presidência portuguesa houve um momento, não de reavaliação, mas de projecção num quadro mais amplo que o quadro habitual das nossas preocupações. A presidência da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) permitiu que olhássemos para o que é uma das preocupações centrais que é a educação e tudo o que se relaciona com a língua. Que tem uma diversidade muito diferente de país para país… Sim e felizmente, é uma das riquezas da língua. Riqueza mas também dificuldades. Alguns países apresentam uma menor taxa de ensino da língua portuguesa. O contexto é muito diferente de país para país. Mas é muito interessante verificar que em oito países, não há circunstâncias iguais. Este é um desafio complexo do ponto de vista de montar um programa de intervenção. A língua até ao final da legislatura é a grande prioridade. E quem aponta a língua, inclui, obviamente, a educação e a formação. Mas a educação é uma área muito vasta. Quais os pontos incisivos? Não se pode responder a esta questão sem olhar para os países. Em Timor-leste, sem qualquer tipo de dúvida, a grande prioridade é o básico e os primeiros anos do secundário. Em Cabo Verde, a questão é muito diferente. O essencial é a consolidação da universidade e a formação de professores para o primário. O secundário tem todos os professores que necessita, fruto de uma intervenção bem sucedida no passado. Mas nota-se a falta de professores para o básico e as crianças chegam ao básico sem falar uma palavra de português, porque falam o crioulo em casa. São necessárias metodologias apropriadas para que o contacto da criança com o português aos cinco anos não seja traumatizante. As taxas de insucesso que existem no sistema cabo-verdiano estão, em parte, relacionadas com este problema. Estes são desafios especiais. No caso de Angola, o enorme desafio, relaciona-se com a formação de professores para o secundário. Com a paz, a partir de finais de 2002, houve um aumento exponencial de crianças no sistema escolar (passou de 2 milhões para 6 milhões de crianças). Existem algumas infra-estruturas, não suficientes, mas o grande problema está na falta de professores. Daí a aposta recente de enviar 200 professores que queremos que tenham um efeito multiplicador. Os professores serão sobretudo destinados à formação de professores. Existe a crítica que o envio de professores pode tirar postos de trabalho em alguns países. Tomáramos nós. Não há professores que cheguem. A batalha que eu tenho é procurar fazer com que os professores façam formação e não leccionação directa. A leccionação directa beneficia naturalmente uma turma de 30 alunos. A formação tem um feito multiplicador muito grande. Mas a pressão para o ensino é grande, precisamente porque há falta de professores. Essa leitura não tem sustento na realidade. A formação é o caminho? Sim. A ideia de tirar lugar a outros professores não faz sentido porque não há nada de mais precioso para um país do que os seus recursos humanos. Este é um princípio sagrado da cooperação que os recursos humanos são para estimular e fomentar e nunca para serem colocados de parte. O Fundo para a Promoção de Língua Portuguesa é uma aposta clara no português. De que forma vai funcionar? A regulamentação está ainda a ser finalizada, mas este é um novo mecanismo que providencia uma nova liquidez financeira para investir na promoção de tudo o que tenha a ver com a língua portuguesa e isso significa sobretudo a promoção da escolaridade. Este fundo vai funcionar de forma concertada entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, Cultura, Educação, Assuntos Parlamentares (que tutela as comunicações sociais que se incluem no universo das nossas preocupações) e o Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior. Haverá um conselho de administração que tratará das linhas gerais onde estarão representados todos os ministérios e haverá um executivo que cumprirá essas orientações gerais, identificando os projectos específicos a apoiar. Existem já alguns projectos, o primeiro será o envio de 200 professores para Angola, mas não faltarão outros. Este Fundo vai ficar depende do IPAD porque um dos seus critérios visa a ajuda pública aos países em vias de desenvolvimento.
Parcerias para a cooperação Sobre as parcerias estabelecidas para a cooperação. Como é a relação do IPAD com as ONG’s e todas as entidades que ao instituto de candidatam para obter financiamento? A parceria é estabelecida por duas vias. Uma é através de um concurso anual, que me deixa muito satisfeito, pois hoje existem regras muito claras que permitem que o concurso seja feito «às cegas». Uma ONG que tenha um magnífico currículo mas que apresenta um projecto fraco, não o vai ver aprovado. No passado não havia regras, ou as existentes eram muito maleáveis e dava-se primazia a contactos e influências. As regras são importantes para disciplinar a apresentação de projectos. Actualmente as ONG’s portuguesas têm uma capacidade de apresentação de projectos à UE muito superior ao passado, porque houve um mecanismo disciplinador dentro do sistema de cooperação portuguesa. Há um outro tipo de projecto, não sujeito a concurso, onde o IPAD e os mecanismos institucionais da cooperação, identificam uma necessidade. Lembro-me, por exemplo da Fundação Evangelização e Culturas que mantém um contrato com o IPAD para desempenharem uma função que mais ninguém a sabe desempenhar como eles, neste caso, de ensino na Guiné-Bissau. Esta é uma experiência muito bem sucedida. Não é a primeira vez que reconhece o trabalho de entidades ligadas à Igreja Católica que trabalham na área da cooperação. Mas como vai acompanhando esse trabalho? Naturalmente, sendo o Estado português laico, não distingo. Vejo bons e maus exemplos e não os classifico de acordo com as suas orientações. Mas reconheço. Lembro-me de uma conversa que tive, há cerca de 15 anos atrás, com uma freira em Moçambique que me marcou muito. Apanhei uma boleia com ela em Maputo, para ver um projecto. Perguntei-lhe se era portuguesa e se estava em Moçambique há muito tempo. Era das Beiras e respondeu-me: “Não. Estou há sete anos”. A resposta marcou-me muito. Eu tinha convivido sobretudo com expatriados, pessoas do Banco Mundial e das ONG’s internacionais para quem se eu tivesse feito a mesma pergunta poderiam responder “Sim, sim. Já estou há sete meses”. Essa freira olhava para o trabalho que fazia como um projecto de vida. E quando olhamos para os desafios do desenvolvimento, são, de facto, desafios que não fazem sentido serem pensados se não no horizonte de uma ou duas gerações, como a freira pensava. Isto alertou-me para a predisposição a longo prazo que a Igreja e as instituições ligadas à Igreja têm que são absolutamente fulcrais para o bom trabalho no desenvolvimento. É uma marca. Estendo isso a outras instâncias não cristãs. O mundo islâmico tem respostas muito interessantes e este respeito. Já não encontramos o mesmo no mundo não religioso. E este é um contributo imprescindível para o desenvolvimento. Julgo que insuficientemente valorizado e explorado para aquilo que pode contribuir.
Estatuto do cooperante Os dinamismos do voluntariado têm ganho um grande impacto na sociedade civil. É possível comparar o trabalho que muitos voluntários leigos fazem em países lusófonos, por períodos de um ou dois anos, com o trabalho desenvolvido pelos agentes da cooperação de ONG ou até a funcionários públicos? Sim. Cada vez mais os nossos processos de classificação são inadequados em relação à realidade que vivemos. Estamos num processo de reelaboração de um novo estatuto do cooperante. O funcionário público tem certas particularidades pela simples razão que o Estado tem com eles uma relação contratual e o trabalho de cooperação está inserido nessa realidade contratual. Mas temos de saber, e estamos a desenvolver mecanismos para isso, valorizar de forma apropriada um contributo que as pessoas fazem, por motivações pessoais quaisquer que tenham, em vez de simplesmente olhar para aspectos puramente materiais, como quanto ganham e quais as isenções fiscais em função do que ganham. Estamos a desenvolver algo semelhante do que acontece no contexto da internacionalização empresarial. O projecto «Inov Mundos» pretende criar uma oportunidade para jovens licenciados, quaisquer que sejam as suas motivações pessoais. Sabemos que existe uma procura bastante elevada de jovens para trabalhar em países de expressão portuguesa e queremos criar oportunidades para trabalharem no contexto da cooperação. E são muitos os que trabalham na formação de professores e são veículos de língua portuguesa. Exacto. E o objectivo é criar oportunidades para instituições da cooperação, qualquer que seja a sua natureza, e absorver estes jovens, porque frequentemente estão descapitalizados e com poucos recursos, sem grande despesa por partes destas instituições de acolhimento. Trata-se de colocar em países africanos, em instituições portuguesas e dos próprios países. Não será também necessário optimizar o enriquecimento destes voluntários no regresso? Sim, e aí existe alguma desconexão. A minha expectativa é que uma percentagem desses jovens entrará num sistema empresarial do país em que esteve a trabalhar e entendo isso como benéfico para a internacionalização e criação de laços de Portugal e esses países. Outra parte regressará a Portugal e estará mais rica. Uma parte obviamente maior. Sim, mas volta mais rica na sua compreensão do mundo, da realidade da globalização. Precisamos de dar aos nossos jovens oportunidades de ver o mundo, porque a partir desse momento, compreenderão melhor e estarão melhor preparados para trabalhar no contexto global. Que alterações serão introduzidas no estatuto do cooperante? Este é um estatuto que nunca funcionou bem. Nunca conseguiu fazer a actualização em relação a uma forma de trabalhar antiquada onde que os agentes da cooperação eram quase exclusivamente pessoas com vínculo ao sector estatal. Actualmente essas pessoas com vínculo ao Estado são uma pequena minoria. O que é preciso fazer é olhar para o que são perspectivas de carreira de pessoas sem vínculo ao Estado. O estatuto vai abrir-se à sociedade civil? Sim, completamente. O que precisamos de salvaguardar em relação a pessoas sem vínculo ao Estado é a valorização curricular desse período. Quando as pessoas forem, por exemplo, para Moçambique, não podem ir como se fossem passear durante um ano. Isto significa que a antiguidade tem de ser reconhecida em tudo o que seja concursos curriculares. E ainda não é. Essa é uma falta apontada por muitos voluntários que estão fora a trabalhar em projectos, muitos na promoção da língua portuguesa e, quando regressam não vêem nem as suas capacidades potencializadas nem reconhecidas. É como se tivessem ido de férias. Mas as pessoas sabem que estão muito mais enriquecidas e qualificadas. Mas se esse reconhecimento não é posto em prática… O reconhecimento não advém das pessoas com quem contactam, das entidades patronais e potenciais empregadores. O que queremos fazer é desenvolver mecanismos que promovam o reconhecimento. Nunca o poderemos fazer por inteiro, na medida em que uma entidade privada contrata segundo os critérios que quiser. Mas podemos obviamente dar um reconhecimento para tudo o que tenha a ver com o sector público. E isso será contemplado no novo estatuto. Há data para a entrada em funcionamento do estatuto? Está ainda a ser trabalhado. Este é um estatuto que tem alguma complexidade jurídica na medida que tem de ser aprovada pela Assembleia da República. Não se trata de uma mera medida legislativa do governo. No entanto, quero que seja aprovado nesta legislatura, até ao final do ano parlamentar.
Fundos e políticas de apoio Serão justas algumas críticas de organizações que trabalham no terreno da cooperação e desenvolvimento que dizem que as verbas doadas que se destinam a apoiar a população não respeitam as necessidades das populações e, indo ao encontro das políticas de topo, não se destinam a satisfazer as carências populacionais? É difícil de responder em abstracto, sem ir ao concreto. Em alguns casos será verdade noutros casos não. Em qualquer país encontram-se governos que estabelecem prioridades e executam essas prioridades, que poderão ser mais consentâneas com as necessidades das populações e outras pouco relevantes para as populações. Há bons governos e maus governos. Mas em todo o lado há a distinção entre as políticas e os seus impactos. As instituições internacionais funcionam de acordo com grelhas de leitura, bem intencionadas, mas que não são infalíveis. E aqui temos um grave problema de responsabilização e responsabilização internacional. As instituições financeiras internacionais, em particular o Banco Mundial e o Fundo Monetário, têm uma influência preponderante nas políticas, particularmente em África e nos países não produtores de petróleo, que têm poucos recursos e estão dependentes de empréstimos dessas instituições. Por vezes essas políticas são extremamente úteis para ajudar a promover o desenvolvimento, mas outras vezes falham. O problema é o que acontece quando falham. Ninguém é responsável. No sistema internacional de cooperação há um grave problema de responsabilização. Analisada essa lacuna há passos para a modificar? Creio que sim. Actualmente os ODM estão no centro das preocupações. Há 10 anos atrás a grande preocupação era o crescimento a todo o custo, até se verificar que muitas vezes o crescimento não era crescimento proveitoso para a população. Era apenas estatístico sem impacto na qualidade de vida. Houve a preocupação e fazer o casamento com a redução da pobreza. Não me preocupam as linhas gerais de orientação do sistema internacional de cooperação. Caso a caso verificamos que as coisas nem sempre correm devidamente. O trabalho da cooperação está muito sectarizado? Cada entidade trabalha separadamente ou caminha-se para as parcerias? O trabalho é feito pelas duas vias. De facto, existe uma fragmentação muito grande. Esta fragmentação tem sofrido dinâmicas que vão em dois sentidos diferentes. Há, com os ODM e com os mecanismos de intercâmbio que existem, uma maior consciência do que se passa no mundo e do que os outros fazem. Estamos a caminhar para um guião comum. Por outro lado, há 10 anos atrás, quem fazia cooperação era o Estado e os vários Ministérios e instituições estatais, as ONG’s, algumas instituições ligadas à Igreja e a Fundação Gulbenkian. Actualmente todas as grandes Fundações fazem cooperação, não há praticamente nenhum município que não tenha algum projecto de geminação, as universidades também trabalham nesta área com trabalho interessante. Há por isso alguma fragmentação de actores. Considero que isto seja muito positivo e valioso. Mas há o reverso da medalha que é a possibilidade de este trabalho acontecer de forma autista em relação ao trabalho que outros desenvolvem. Daí que a partir de Outubro vamos dar início ao Fórum para o Desenvolvimento que vai reunir todos os representantes dos actores da cooperação para o desenvolvimento em Portugal. O objectivo é fazer uma reunião plenária de seis em seis em meses e desenvolver um trabalho contínuo entre as reuniões plenárias. O meu primeiro pedido a essas instituições é que ajudem a fazer estratégias de cooperação sectorial. Temos seis bases de trabalho para essas estratégias: educação, saúde, género, ambiente, segurança e agricultura. Pretendo que estas estratégias tenham um contributo da sociedade civil. São estratégias que compete ao governo aprovar e por isso não poderei aceitar todas, havendo algumas inclusivamente que se podem contradizer. Mas o que é importante será receber esses contributos e fazer a triagem dos contributos mais úteis e absorver as experiências para que o Estado possa funcionar da melhor forma. Há lacunas de trabalho em alguns dos sectores indicados? A educação e a saúde serão as áreas com maior número de projectos, mas menos no ambiente e agricultura… Sim trabalha-se menos no ambiente e na agricultura. Não existem propriamente lacunas porque os respectivos ministérios estão muito centrados no trabalho em Portugal, mas existem cada vez mais instâncias da sociedade civil, inclusivamente empresas, que estão disponíveis para realizar trabalho de cooperação. Refere-se à responsabilidade social das empresas? Também, mas não só. Este é um factor muito importante e estarão no Fórum para o Desenvolvimento algumas organizações de responsabilidade social empresarial. Mas queremos estender a outras empresas, através da contratualização para fazer, profissionalmente, trabalho que interessa à cooperação para o desenvolvimento. A cooperação pode identificar uma necessidade numa província que, pode ser entregue a uma ONG que trabalha no terreno ou a uma empresa que mediante o pagamento devido, faz o seu trabalho. A relação da cooperação com as empresas deve mudar. No passado a cooperação «pedinchava» às empresas. Evoluir para o profissionalismo… Sim. Se há uns anos atrás era polémico colocar esta situação nestes termos, actualmente é pacífico.
Enquadramento político Estaremos a caminhar para que a cooperação deixe de ser uma Secretaria de Estado para ser um Ministério? Creio ser extremamente importante perceber que a cooperação é parte fundamental da presença de Portugal num mundo cada vez mais interligado. A instância de um Estado que desenvolve esse trabalho é o Ministérios dos Negócios Estrangeiros. E por isso, faz todo o sentido que a cooperação esteja enquadrada neste ministério. A Secretaria de Estado tem uma certa autonomia. A cooperação portuguesa não está hoje ao serviço de algum interesse conjuntural que aparece em algum país. Tem a sua própria estratégia e lógica. Mas estas coordenadas estão enquadradas num sentido mais amplo de como a política externa portuguesa é compreendida. Este é um elemento fundamental da nossa política externa. O que acontece noutros países, como o caso do Reino Unido, da Suécia ou da Holanda, que têm ministérios próprios, mas países que tem maior capacidade de trabalhar interministerialmente de forma coerente, do que nós. Temos ainda passos importantes a dar na coerência interministerial e a constituição de um ministério próprio, nesta fase da organização da vida pública portuguesa não seria o passo mais certeiro. O seu percurso tem estado, desde sempre, ligado ao desenvolvimento e à cooperação. Desde 2005 que assume a Secretaria de Estado e está a um ano de a poder deixar. Que avaliação faz da cooperação e da evolução que Portugal tem feito nesta área? Ainda é cedo para balanços. Estamos a um ano do fim da legislatura e esse é o período normal para balanços. Não coloco as questões em termos pessoais, mas tem sido uma enorme honra e um privilégio ter estas responsabilidades e trabalhar com quem tenho trabalhado dentro do Ministério, no IPAD e sobretudo no relacionamento com os países que trabalhamos. Está na visão estratégica a identificação, por escrito, das linhas orientadoras da cooperação portuguesa e isso acontece pela primeira vez no início de uma legislatura. Fizemos de seguida o trabalho de operacionalização da estratégia de modo que estou muito descansado porque não terei de ser eu a fazer o balanço. O balanço ficará para o melhor e para o pior, mas de acordo com o quadro traçado inicialmente e de acordo com o que fizemos. Mas considero que estamos bem encaminhamos, considerando ainda o muito que falta fazer para o cumprimento das responsabilidades. E o que falta fazer este ano? Falta atar muitos nós na estratégia. Há uma área em que temos de progredir mais que é o dos «clusters», do desenvolvimento em áreas geográficas especializadas num conjunto de projectos que convergem para uma lógica comum. Está a acontecer na Ilha de Moçambique, em Cabo Verde e está ainda apenas a arrancar com energia em Timor-leste. Em São Tomé, Angola e na Guiné-bissau está ainda muito incipiente e insatisfatório. O «Bi-Multi» foi iniciado, mas é algo que leva algum tempo. É uma nova forma de trabalhar que precisa de ser sistematicamente vista. É preciso manter diálogo com as instituições maiores que nós, para as trazer para as nossas prioridades. Aqui há muito trabalho ainda a fazer. Diria que no acompanhamento dos projectos de cooperação no terreno temos condicionantes que toda a administração pública tem, em termos de contratação de pessoas, mas gostaria que daqui por um ano a situação fosse mais satisfatória e que pudéssemos fazer um acompanhamento mais próximo dos projectos do que é possível fazer actualmente. Há por isso trabalho para muito tempo. Nunca estará completo.

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