Assembleia da República aprovou na generalidade projetos de lei que prevêem a despenalização da eutanásia
Lisboa, 20 fev 2020 (Ecclesia) – O cardeal-patriarca de Lisboa afirmou hoje que a afirmação da vida “no seu todo” é “uma insistência” e uma convicção que “permanece independentemente do que possa acontecer legislativamente” e implica todos “como sociedade, crentes e não crentes”.
“O que nos interessa a todos é que a vida seja contemplada em todo o arco existencial, da conceção à morte natural. Isto é uma luta, uma insistência que que é uma convicção, que permanece: independentemente do que possa acontecer legislativamente, a causa continua”, afirmou D. Manuel Clemente.
O também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa comentou esta tarde a votação na Assembleia da República de cinco projetos de lei – BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal – que preveem a legalização da eutanásia em Portugal, aprovados com uma votação nominal de 222 deputados presentes no Parlamento dos 230 eleitos, referindo os perigos em “fazer exceções” na defesa da vida.
“Não basta dizer, como dizemos e insistimos porque estamos convictos disso, que vida tem de ser contemplada no seu todo. Porque se começamos a fazer exceções, mesmo que sejam a pedido, a vida não se aguenta na sua inteireza”, afirmou esta tarde D. Manuel Clemente, realçando que, como sociedade, é preciso estar “mais presentes”.
A Assembleia da República aprovou hoje, na generalidade, os cinco projetos de lei – BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal – que preveem a legalização da eutanásia em Portugal, com uma votação nominal de 222 deputados presentes no Parlamento dos 230 eleitos.
Para o cardeal-patriarca de Lisboa, “aquilo que importa enquanto Igreja, e importa a muitas outras forças da sociedade civil – a maior parte delas nem são propriamente presenças religiosas, são profissionais e de outras áreas, e até inter-religiosas – é que a vida seja devidamente contemplada em todo o arco existencial”.
D. Manuel Clemente reafirmou o apelo que tem feito aos políticos de que “esta é uma frente comum, é uma frente humana, essencial” e não se pode “deixar ninguém sozinho ao longo da sua vida”, sobretudo quando mais precisa.
“Dizem-nos as pessoas, os clínicos, os voluntários que estão perto das pessoas que sofrem e que as acompanham que, em geral, não querem partir porque se sentem acompanhadas. A convivência é que é a vida”, acrescentou no Hospital D. Estefânia, onde presidiu à Missa que assinalou os 100 anos da morte de Santa Jacinta, pastorinha de Fátima, que faleceu nesta unidade de saúde pediátrica a 20 de fevereiro de 1920.
O cardeal-patriarca de Lisboa lembrou que como sociedade que “cresce em longevidade”, onde “a pirâmide etária neste momento está invertida, com muito mais gente da meia-idade para cima” é necessário “outro cuidado à vida na sua plenitude”.
“É isto que queremos e acima de tudo queremos fazer para não deixar ninguém sozinho com o seu sofrimento físico ou psíquico, seja de que qualidade for. Mas tem de ser a sociedade toda, tem de ser o Estado, como sociedade organizada, têm de ser as pessoas, os cidadãos, numa verdadeira cidadania solidária, tem de ser algo completo. Não podemos deixar isto a especialistas”, acrescentou o também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.
Reagindo também à aprovação pelos deputados dos cinco projetos de lei – BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal – que visam a legalização da eutanásia em Portugal e depois de conhecidos os resultados, o arcebispo de Braga escreveu na sua conta na rede social Twitter que sente uma “tristeza de morte”.
“Vamos continuar o caminho. Aos que estiveram junto à Assembleia a manifestarem-se quero expressar a minha gratidão como cidadão. De modo particular aos mais jovens. Hoje, de frente para o Parlamento, vi um futuro luminoso para #Portugal”, acrescentou D. Jorge Ortiga, num segundo tweet.
Vamos continuar o caminho. Aos que estiveram junto à Assembleia a manifestarem-se quero expressar a minha gratidão como cidadão. De modo particular aos mais jovens. Hoje, de frente para o Parlamento, vi um futuro luminoso para #Portugal.#Eutanásia #Resistir #Vida #Esperança
— D. Jorge Ortiga (@djorgeortiga) February 20, 2020
D. Manuel Linda afirmou também na sua conta na rede social Twitter que a “cultura necrófila sobrepôs-se à defesa da vida”.
“Muitos de nós, humanistas, religiosos ou não, tentamos libertar da morte infligida e do sofrimento psicológico desnecessário muitos que os vão sofrer. Não conseguimos porque a cultura necrófila sobrepôs-se à defesa da vida. Fica-nos a honra de estarmos do lado da vítima”, escreve o bispo do Porto.
Muitos de nós, humanistas, religiosos ou não, tentamos libertar da morte infligida e do sofrimento psicológico desnecessário muitos que os vão sofrer. Não conseguimos porque a cultura necrófila sobrepôs-se à defesa da vida. Fica-nos a honra de estarmos do lado da vítima.
— Manuel Linda (@BispodoPorto) February 21, 2020
Em comunicado enviado à Agência ECCLESIA, a Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) afirmou que a decisão parlamentar fica “na história do país como um dia negro para a dignidade dos portugueses” e marca um “retrocesso civilizacional”.
“A AMCP apela ao Senhor Presidente da República que faça uso do seu poder de veto”, acrescenta o comunicado.
Os cinco projetos vão agora ser analisados na respetiva comissão parlamentar, depois segue-se a votação final e é enviado para apreciação do Presidente da República.
O movimento “#simavida” quer apresentar ao Parlamento uma Iniciativa Popular de Referendo nacional sobre “a (des)penalização da morte a pedido” e está a promover uma recolha de assinaturas no âmbito do debate sobre a eutanásia.
CB/OC/PR
(Notícia atualizada no dia 21 de fevereiro às 11h00)
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) emitiu pareceres desfavoráveis às iniciativas legislativas, considerando que as mesmas “não constituem uma resposta eticamente aceitável para a salvaguarda dos direitos de todos e das decisões de cada um em final da vida”.
Os bispos católicos manifestaram nas últimas semanas a sua oposição aos projetos; a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu apoiar a realização de um referendo contra a despenalização da eutanásia em Portugal e propõe aos deputados na Assembleia da República uma aposta nos “cuidados paliativos”. “A opção mais digna contra a eutanásia está nos cuidados paliativos como compromisso de proximidade, respeito e cuidado da vida humana até ao seu fim natural”, lê-se num comunicado do Conselho Permanente da CEP. O bispo do Porto destacou o facto de a Ordem dos Médicos reafirmar que a eutanásia “fere princípios éticos e deontológicos” e que, quer ela quer o dito suicídio assistido, “não se enquadram na prática da medicina”. “Espera-se que os senhores deputados prestem atenção a quem sabe e está no terreno”, acrescentou D. Manuel Linda, na sua conta na rede social Twitter. Em declarações à Agência ECCLESIA, o cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da CEP disse que o tema da legalização da eutanásia “não se pode tratar de ânimo leve”, dado que “é humanitária e a humanidade diz respeito a todos”, assinalou D. Manuel Clemente. Segundo o arcebispo de Braga, Portugal vive “mais um momento histórico”, que a ameaça a convicção de que a vida “é inviolável”. “Não podemos permitir que alguns deputados queiram decidir por nós, quando não apresentaram o assunto da eutanásia nos seus programas eleitorais”, salientou D. Jorge Ortiga. Por sua vez, o bispo-auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida escreveu uma carta aberta aos deputados portugueses onde explica o seu “não à Eutanásia e ao Suicídio Assistido”, considerando que se está perante uma “interrupção voluntária do amor e da vida”. O bispo do Algarve também realçou que o tema da eutanásia “não esteve na campanha eleitoral” para as Legislativas 2019 e apareceu “de um momento para o outro”, “sem ninguém se aperceber”, disse D. Manuel Quintas. O bispo de Viseu afirma que “matar alguém é sempre um crime” e diz “não a uma cultura de morte”, na nota pastoral ‘A vida humana não está às ordens’, com que se une ao debate sobre a aprovação da eutanásia. “Levante-se o povo, proclamem os governantes a prudência da razão, digamos sim à vida e não a uma cultura de morte. Não à eutanásia, ao suicídio assistido e a outras formas de antecipar a morte das pessoas, porque estas nasceram para viverem e serem felizes”, escreve D. António Luciano no documento enviado à Agência Ecclesia. O cardeal D. António Marto referiu, por sua vez, que a questão da eutanásia que “toca o mais íntimo e profundo da pessoa humana, da dignidade da pessoa e da vida”. “A questão dos cuidados paliativos, entendidos assim, num ponto de vista global, deveria ser a prioridade das prioridades do Estado, em relação a este problema e a estas situações limite”, explicou o bispo da Diocese de Leiria-Fátima e vice-presidente da CEP, à Rádio Renascença. O arcebispo de Évora realça que se deve “fazer tudo e usar todos os meios para defender a vida”, por isso, considera que o referendo “é a oportunidade” de amadurecer, de refletir, “mais e melhor, sobre tão importante decisão”. Através da emissora católica portuguesa, D. Francisco Senra Coelho apelou “a todos os diocesanos” para que “se juntem”, pelas 19h15 de 19 de fevereiro, para “agradecer a Deus o dom da vida”, numa Missa na igreja do Espírito Santo. No nordeste de Portugal, D. José Cordeiro destacou que a atitude de todos os cristãos, “e de todas as pessoas de boa vontade, é cultivar a vida e cuidar dela até ao fim do fim” “Corremos, certamente, na cultura dominante em que interessa o lucro e o capital que não tem coração. Então, aquilo que não é útil, não vale. Mas a vida tem sempre sentido, tem sempre valor, em qualquer circunstância que nos possa acontecer”, alertou o bispo de Bragança-Miranda, à Rádio Renascença, realçando a aposta “nos cuidados continuados e nos cuidados paliativos, para que se viva com dignidade até ao fim do fim”. Para o bispo de Viana do Castelo a eutanásia “é um sintoma de um certo comodismo que se vai apoderando da sociedade” e o atual debate é “um desafio, para os portugueses em geral”. “É um desafio que devemos aproveitar, para criar nas pessoas um respeito muito grande pela vida humana, não apenas em relação a este aspeto em concreto mas em geral”, desenvolveu D. Anacleto Oliveira, à rádio católica portuguesa. O bispo de Vila Real afirmou que a eutanásia “é uma cedência” a uma “lógica mais utilitarista e mais comodista” e acredita que “a grande luta é pela humanização e pelo respeito da vida da pessoa até ao fim”. “A sociedade de hoje confronta-se muito com o mistério da morte e do sofrimento. E, muitas vezes, esquecendo Deus não encontra respostas, naturalmente que tem de afastar, de esconder, esses dramas. A problemática da eutanásia culturalmente tem muito essa génese”, disse D. António Augusto Azevedo, em declarações à Agência ECCLESIA. Numa Missa, na capela do Hospital Dr. João de Almada, o bispo do Funchal salientou que a vida “deve ser acolhida, tutelada, respeitada e servida”, sobretudo, nas “situações de fragilidade”, divulga o ‘Jornal da Madeira’. “Seja ela uma doença passageira, seja ela uma doença crónica, seja ela uma doença muito grave, em que parece que o mundo inteiro foge de nós, nós cristãos queremos tomar consciência, queremos dizer que não estamos sozinhos, queremos perceber que Deus está connosco, que nunca nos abandona”, indicou D. Nuno Brás. Já o bispo de Angra salientou que o sofrimento, que “é sempre o grande argumento a favor da Eutanásia”, deve ser “transformado em desafio” ao Estado para “oferecer” cuidados médicos e de assistência que “retirem a dor, como os cuidados paliativos”. “Ninguém pede a morte antecipada desde que lhe sejam prestados os cuidados paliativos, tenha junto de si o carinho e a ternura da família, sinta a amizade e a proximidade dos vizinhos e amigos e esteja envolvida pelo amor e comunhão de uma comunidade humana”, afirmou D. João Lavrador. O bispo de Aveiro afirma numa nota sobre a eutanásia, enviada à Agência ECCLESIA, que a defesa da vida humana é uma questão dos “direitos do ser humano” e não apenas “uma questão religiosa”. “A nossa sociedade, mais do que preocupar-se com legislação deste teor, devia antes preocupar-se com o alargamento da rede de cuidados continuados e paliativos a nível nacional”, escreveu D. António Moiteiro O bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança defendeu o valor da vida humana; em Fátima, manifestou o “receio que as propostas de eutanásia a serem discutidas na Assembleia da República não estejam assentes na verdade, não sejam um bem para a dignidade da vida humana” A 11 de fevereiro, no Hospital das Forças Armadas, D. Rui Valério destacou que “a salvaguarda da vida e da dignidade da vida humana” está sempre em primeiro lugar”. Numa nota enviada à Agência ECCLESIA, o bispo da Guarda manifestou a sua oposição aos projetos de legalização da eutanásia em Portugal, considerando que ao Parlamento compete, pelo contrário, proteger o “valor fundamental e sagrado da vida humana”. “Não poderemos consentir que as pessoas possam vir a ser tratadas como matéria descartável, pois para a sociedade promover a eutanásia será sempre mais barato do que investir em condições de apoio aos mais frágeis, como é o caso da rede de cuidados paliativos”, escreve D. Manuel Felício. |