Especial: Novo livro do cardeal Tolentino Mendonça apresenta São Paulo como um dos homens «mais inovadores» da história

«Conhecermos São Paulo equivale também a conhecermo-nos melhor a nós próprios», refere o prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação

 

Lisboa, 10 nov 2022 (Ecclesia) – O cardeal português D. José Tolentino Mendonça apresenta, no seu novo livro, a figura de São Paulo, apóstolo do século I, como “um dos homens mais inovadores e que mais ideias trouxeram ao mundo”.

“Um pensador como Paulo de Tarso interessa a todos, nem que seja porque se revelaria impossível compreender a história do Ocidente (dos pontos de vista da espiritualidade, da filosofia, da teoria política, dos estudos de cultura…) sem o impacto da sua palavra. Por isso, conhecermos São Paulo equivale também a conhecermo-nos melhor a nós próprios”, refere o poeta e biblista, no prólogo de ‘Metamorfose Necessária. Reler São Paulo’ (Quetzal), que chega hoje às livrarias portuguesas.

O prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, do Vaticano, convida à redescoberta de São Paulo, que viveu na “encruzilhada” dos mundos judaico-semita e helenístico-romano, perante os quais apresentou um cristianismo que “subverte o sistema social”.

“O mundo social vigente tinha mecanismos de manutenção e legitimidade que a construção do novo modelo cristão vem metamorfosear, investindo na elaboração, práxica e simbólica, de formas de alternativa social”, pode ler-se.

Paulo, insiste o cardeal português, “metamorfoseia o mundo e as relações, ao pensar alternativas de futuro”.

“Se atendermos bem, Paulo está mais perto de nós do que pensamos”, acrescenta.

D. José Tolentino Mendonça diz ter escrito o livro “a pensar em tantos amigos não crentes” e “para as cristãs e os cristãos que se interrogam”.

Paulo é autor de uma visão cultural e política ampla, e o seu discurso obriga a pensar a pessoa humana e a organização das sociedades no seu conjunto. Paulo não pensa apenas o destino dos crentes. Ele reflete sobre as questões do destino humano e da metamorfose do mundo”.

Citando uma passagem da Carta aos Gálatas, na qual o apóstolo sustenta que “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher”, porque todos são “um só em Cristo Jesus”, o cardeal português assinala que “a Igreja emerge como uma inédita comunidade humana sem fronteiras e vinca corajosamente que a organização do mundo podia ser outra”.

A obra alude a debates entre Paulo e Pedro, no início do Cristianismo, sobre a abertura da Igreja aos não-judeus e a necessidade de lhes impor prescrições da lei mosaica.

“A grande metamorfose cristã é transformar a mesa num lugar abrangente, num espaço de abertura, onde as identidades se reinventam a partir da universalidade do encontro”, observa o poeta e biblista.

Para o cardeal Tolentino Mendonça, “Paulo é talvez aquele que, pela primeira vez, separa no mundo antigo a religião da cultura”.

A este respeito, aborda a Primeira Carta aos Coríntios, na qual o apóstolo fala da regulação alimentar, precisando que “o seu tema já não é a discriminação, mas a distinção”.

“Para ele a religião está dependente de se aderir individualmente a uma pessoa e a um destino, o de Jesus”, acrescenta.

No seu novo livro, o cardeal português recorda que Paulo defende a “reciprocidade” de homens e mulheres, numa “afirmação desconcertante para o romano, para o grego ou para o judeu”.

“Fá-lo refundando o sujeito, para potenciar o seu espaço de singularidade livre. A proposta do cristianismo potencia o indivíduo, pois este, escolhendo o seu Deus, escolhe-se a si mesmo, escolhe a sua condição de vida, também do ponto de vista da expressão da sua sexualidade. E isto vale tanto para o homem como para a mulher”, precisa.

O acontecer de Cristo na vida de cada um torna-se uma realidade tão transformante que introduz uma radical contestação identitária. Há uma relativização das fronteiras de género, étnicas ou de cidadania. A transformação cristológica que instaura o sujeito crente determina assim uma contínua «metamorfose das pertenças»”.

D. José Tolentino Mendonça dedica um capítulo à Carta a Filémon, colaborador de Paulo, ao qual este pede que receba Onésimo, um escravo foragido, como seu “irmão”.

“Para ele, Cristo reconfigura radicalmente as relações e instaura uma fraternidade onde esta se diria impossível. Jesus é para Paulo o referente da metamorfose do mundo”, realça.

Basílica papal de São Paulo fora de muros, Roma

O livro aborda ainda o conceito de corpo, nos escritos paulinos: “O corpo não é apenas o invólucro da alma, mas, na linha do pensamento semita, refere todos os elementos que compõem a pessoa”.

De 28 de junho de 2008 a 29 de junho de 2009, assinalando os 2 mil anos do nascimento de São Paulo, a Igreja Católica viveu um Ano Paulino, convocado pelo Papa Bento XVI, o qual lembrou, no anúncio deste ano especial, que Paulo passou de “violento perseguidor dos cristãos” a apóstolo de Jesus.

O nascimento de Paulo é colocado pelos historiadores entre o ano 7 a 10 depois de Cristo; Roma conserva o túmulo Paulo, descoberto na Basílica papal de São Paulo fora de muros.

O novo livro do cardeal Tolentino Mendonça apresenta uma “cronologia possível” da vida do apóstolo, nascido na cidade de Tarso, capital da província romanda da Cilícia (costa mediterrânea da Anatólia, na moderna Turquia), numa família judaica na diáspora, mas com cidadania romana.

Paulo não foi primariamente um escritor, mas um rabino convertido na célebre ‘Visão de Damasco’, após a queda de um cavalo, por volta dos anos 35 a 37, relatada pelos Atos dos Apóstolos.

D. José Tolentino Mendonça sublinha, a este respeito, que o cristianismo começa em Paulo “pela operação necessária de reinstaurarão do sujeito crente”, simbolizando a necessidade da experiência de “metamorfose”.

O que é um cristão para Paulo? É um sujeito crente em construção; é uma escolha de viver, em estado de processo, ao mesmo tempo a plenitude e o inacabamento, o tesouro e o barro, a esperança e a experiência. Um cristão, para Paulo, nunca é um assunto arrumado, resolvido de uma vez por todas; é aceitar habitar uma tensão, um fazer e refazer permanentes, sabendo que a nossa fé é frágil e incompleta.

A obra refere que Paulo percorreu muitos milhares de quilómetros, como “viajante funcional” e com uma “importantíssima rede de colaboração”, numa “deambulação missionária”; morreu em Roma, entre os anos 64 e 68

O nome de Paulo aparece como autor de 13 Cartas do Novo Testamento, escritas a diferentes comunidades e figuras das mesmas, ao longo de cerca de cinquenta anos: Romanos, Coríntios I e II, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Filémon, Timóteo I e II, Tito, Tessalonicenses I e II.

O cardeal Tolentino Mendonça destaca o apóstolo como “primeiro escritor cristão”, o qual permitiu que o cristianismo se tornasse “cosmopolita, transfronteiriço”.

OC

Foto: III Global Symposium Uniservitate

D. José Tolentino Mendonça nasceu em Machico (Diocese do Funchal) em 1965 e foi ordenado padre em 1990 e bispo a 28 de julho de 2018; é doutorado em Teologia Bíblica, tendo desempenhado, entre outras funções, os cargos de reitor do Colégio Pontifício Português, em Roma, de diretor da Faculdade de Teologia da UCP e diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

Foi criado cardeal pelo Papa Francisco, a 5 de outubro de 2019.

Biblista, investigador, poeta e ensaísta, Tolentino Mendonça foi condecorado com o grau de Comendador da Ordem de Sant’lago da Espada por Aníbal Cavaco Silva, presidente da República, em 2015.

A 26 de junho de 2018, o Papa nomeou D. José Tolentino Mendonça como arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Apostólica, elevando-o à dignidade de arcebispo; o até então vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa orientou nesse ano o retiro de Quaresma do Papa Francisco e seus mais diretos colaboradores.

Já a 26 de setembro deste ano, o cardeal português foi escolhido como o primeiro prefeito do novo Dicastério para a Cultura e a Educação, criado por Francisco na sequência da reforma da Cúria Romana.

 

 

 

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