Em busca da Palavra

Octávio Carmo, Agência ECCLESIA

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Ex abundantia cordis loquitur os: a boca fala do que o coração está cheio, ou com uma tradução mais poética, a boca fala do que transborda o coração.

Pode o coração ser critério de verdade nas relações pessoais e sociais? Olhado com desconfiança, como temperamental, irrascível e contrário à razão, é nele que se concentram os verdadeiros tesouros da existência humana e a sua autenticidade: não será difícil, numa comunicação coração a coração, distinguir o que transborda genuinamente de alguém do que é artifício, jogada de marketing ou de autopreservação.

Em tempos de polémicas incessantes, que duram o suficiente para queimar tudo e passar à próxima vítima, a comunicação humana enfrenta o grande desafio da relevância: o que é percebido (ou artificialmente construído) como verdade toma, muitas vezes, o lugar dos factos, dos acontecimentos, das memórias e até dos afetos reais. Uma comunicação apenas aparentemente emocional, mas à qual falta coração, no sentido mais profundo do termo, porque contaminada pelo sensacionalismo e a superficialidade.

A hipervelocidade mediática, em tempos de exposição constante, arrasou um fundamento central da existência: a incompletude. Comunicamos não só por querer partilhar, mas também para encontrar algo do que nos falta, para nos completarmos. Sem esta consciência, somos apenas vendedores de banha da cobra, por mais seguidores que tenhamos, seja onde for.

Somos pessoas em busca da Palavra. Da que nos defina e explique, da que nos oferece sentido, da que cria relações autênticas, da que questiona e ajuda a recomeçar, mesmo que nada fique no lugar.

Recordo, a este respeito, uma crónica intitulada “Como eu queria ter fé”, com que me cruzei recentemente. Talvez nos tenha acontecido, pessoalmente, ouvir esse desabafo de quem se encontra connosco. E, a este respeito, cito sempre o poeta e cardeal Tolentino Mendonça: “Crer não é satisfazer-se, não é ter as soluções nem ter encontrado as respostas. Crer é habitar o caminho, habitar a tensão, viver dentro da procura”.

Voltamos à questão da incompletude. A fé é caminhar no chão comum de toda a humanidade: a dúvida. Perscrutando sempre, do que não se vê ao infinitamente maior do que nós, até encontrar a Palavra definitiva do coração, em que só o amor permanecerá.

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