E agora?

José Paulo Areia de Carvalho, Presidente da Federação Portuguesa Pela Vida Depois de acesa discussão na sociedade civil, nos meios de comunicação social e nos meandros da política, na semana passada foram chumbados, na Assembleia da República, todos os projectos-lei que visavam a liberalização do aborto ou a realização de um novo referendo que tinha como finalidade única ser mais uma tentativa dos abortistas em direcção à liberalização. Como sempre, do lado dos que defendem o aborto, a argumentação foi de tipo básico e panfletário, com repetição dos slogans do costume, com muita mentira e engano à mistura, com campanhas bem organizadas, com a intoxicação constante do apelo ao aborto livre, sob a capa da sua inevitabilidade: tudo servia, tudo era aproveitado. Foi, como se costuma dizer, um momento do “vale tudo”! “Tudo”, diga-se, na pretensa defesa dos interesses das mulheres portuguesas, que os abortistas não se cansam de elevar-se em grandes arautos. Alguns iluminados – os do costume… – julgavam ser já os únicos intérpretes autênticos da vontade popular que, asseguravam, já tinha mudado completamente. O Julgamento de Aveiro foi aproveitado até à exaustão e os sentimentos dos envolvidos explorados de forma despudorada; repetia-se que é uma humilhação que uma mulher tenha que ir a Tribunal. Muitos devem até ter-se esquecido que os Tribunais são órgãos de soberania, que nos termos da Constituição da República Portuguesa, que têm por missão “administrar a Justiça em nome do povo” (art. 202º, nº 1 da CRP). Mas pronto, a ideia da humilhação perpetrada pelos Tribunais, lá ia sendo repetida até à exaustão. Falava-se em profundas divisões em alguns partidos políticos. Aqui já era a questão do aborto a ser instrumentalizada como simples arma de arremesso no âmbito do puro combate político-partidário. Descontextualizadas, as declarações de D. Armindo, Bispo do Porto, eram repetidas por quem sistematicamente despreza, da forma mais primária, a hierarquia da Igreja Católica. Com grande pompa, foi apresentada uma petição que reunia mais de 120.000 assinaturas… Parecia mesmo que tudo tinha mudado, que aquilo em que até agora acreditávamos, tinha ruído e desaparecido. Só que, mais uma vez, se enganaram aqueles que têm a vã pretensão de falar pelo povo, sem o ouvir … No dia 3 de Março de 2004, o Parlamento rejeitou todas as propostas de liberalização do aborto! E agora? Sim, pergunto repetidamente, e agora? Porquê o silêncio em face desta pergunta tão simples que todos sentimos vontade de fazer? Porque se calam aqueles que diziam ser os defensores das mulheres? O que propõem, o que sugerem, o que pedem? Nada, absolutamente nada!! Remetem-se a um silêncio tal, que apenas demonstra como tudo não passou de mero espectáculo político e ideológico, no qual até as causas mais elevadas foram instrumentalizadas sem escrúpulos. Se o que defendem é o melhor para as mulheres e para as famílias, porque razão nada têm para propor agora? Porque ficam tão calados? Querem resolver os problemas, ou querem apenas e somente o aborto? Em abono da verdade, devo reconhecer que nem todos ficaram calados e no vazio da sua falta de propostas: na comemoração do seu aniversário, o PCP veio já afirmar que, quando a maioria parlamentar for diferente, voltará a propor exactamente a mesma coisa… É triste, mas exemplar! Felizmente não somos todos assim. Há ainda quem não aceite que estejamos votados fatalmente à incompetência ou à simples discussão pela discussão. Uma vaga de fundo surgiu durante o mês de Fevereiro por iniciativa de um grupo de cidadãos anónimos denominado “Mais Vida, Mais Família”. Reuniu, num espaço tão curto de quatro semanas, mais de 200.000 assinaturas pedindo respeito pela vida humana, respeito pela família e a manutenção da legislação sobre o aborto. Este grupo de cidadãos construiu o maior cordão humano alguma vez feito em Portugal, e logo um cordão construído em torno de um valor civilizacional elementar: o respeito pela vida! Centenas de milhar de portugueses gritaram que a vida humana é para ser respeitada desde o primeiro ao último momento. Mas disseram mais: disseram que não querem ficar por aqui, que não se sentem satisfeitos apenas dizendo não ao aborto, participando numa discussão. Exigem construção! Pedem à Assembleia da República e ao Governo que, cada um dentro da sua esfera de competência, produzam legislação e medidas de execução política, que desenvolvam uma cultura de respeito pela vida humana. Que se comece a apoiar de forma sistemática a grávida em dificuldade, nomeadamente através dos Centros de Apoio à Vida – como medida específica dirigida ao apoio da grávida em dificuldade -; que se proteja a vida humana embrionária, nomeadamente impedindo a criação de embriões excedentários no âmbito da procriação medicamente assistida ou através da regulamentação da investigação em embriões para que esta apenas ocorra quando em benefício do próprio embrião em causa; reclamaram a proibição da clonagem reprodutiva ou da terapêutica, se esta implicar a reprodutiva; que se apoiem as famílias que acolhem os seus familiares idosos; que se respeite a autonomia dos pais na educação dos seus filhos, em especial na área da educação sexual; que se desagrave, progressivamente, a carga fiscal sobre as famílias. Eis um conjunto de medidas concretas, aqui indicado apenas em breve sumário, que estes mais de 200.000 cidadãos portugueses querem ver imediatamente executadas. Trata-se de um objectivo positivo, construtivo, de quem quer chegar para lá dos valores, de quem vê para além da discussão, de quem pretende ir para além da crítica destrutiva. É, por isso, dever do Governo, e da maioria parlamentar que o apoia, mostrar que percebeu o sinal que lhe foi dado pelo povo; pelo povo real, que não escreve artigos de opinião, mas que tem a sua opinião e a sua convicção! Porto, 8 de Março de 2004 José Paulo Areia de Carvalho, Presidente da Federação Portuguesa Pela Vida

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