Dos Paralímpicos à para… lisia

O país volta ao adormecimento profundo e a esquecer os dramas de quem é portador de alguma deficiência Quando a delegação portuguesa que esteve presente nos Jogos Paralímpicos de Atenas regressou a Portugal foi recebida em apoteose na Portela. Depois disso, muitos têm sido os que querem ser fotografados e filmados ao seu lado, destacando a coragem e a perseverança de quem consegue feitos impensáveis, sobretudo pelas condições que lhes são dadas no nosso país. Maria José Couto é mãe de uma filha de 11 anos, com paralisia cerebral, e faz parte da direcção da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa. Para ela, é importante toda esta divulgação, mas aponta o dedo a um efeito imediato de toda esta mediatização. “Quando se exagera, ressalta tudo o que não está feito, as coisas de base: continuo a ter pessoas deficientes metidas em casa, não há centros ocupacionais, há famílias desgastadas e envelhecidas que não sabem onde os filhos vão ficar quando morrerem”, assegura á Agência ECCLESIA. Este é o grande drama dos pais de filhos deficientes, não saberem com quem poderão contar para tratar dos seus quando eles próprios lhes falharem. “Nós na associação encontramos dificuldades em cima de dificuldades por parte do Estado quando procuramos ajuda, porque a boa vontade é muito propalada, mas em concreto não se faz nada”, afirma. Como exemplo, Maria José Couto fala numa residência no Concelho de Odivelas que está há anos à espera de aprovação, “andando para trás e para a frente”. “É tudo dado como uma esmola, como um favor, parece que o dinheiro é dos funcionários que nos atendem. Os apoios são ridículos”, aponta. Os casos sucedem-se, todos os dias, indiferentes à onda de euforia que, durante os últimos tempos, tomou conta da opinião pública em relação aos nossos deficientes. “Antes de estar a falar consigo, esteve aqui um rapaz de 35 anos com graves dificuldades em termos motores, mas com uma lucidez absoluta, que chorou ao pé de mim porque não sabe o que será o futuro dele. Eu acabei a chorar com ele, porque daqui há uns anos vou ter a minha filha com este problema”, revela Maria José Couto. “Estas pessoas não tiverem escolha, não nasceram assim porque quiseram, e o Estado tem de os apoiar tanto ou mais como aos que têm problemas de toxicodependência ou de Sida, que puderam escolher o caminho que percorreram”, acrescenta Maria José Couto apresenta como proposta a centralização de serviços. “É preciso haver um sítio onde as pessoas possam tratar e ser acompanhadas nas suas dificuldades, uma espécie de Secretariado Nacional de Reabilitação”, sugere. Em conclusão, um lamento que aparece como um pedido de ajuda: “só queremos viver como uma família, sem ter um acréscimo de problemas para resolver sem ser o da própria deficiência do filho”. A Igreja e a pessoa com deficiência A atenção à pessoa com deficiência, dentro da Igreja Católica, tem um espaço privilegiado no “Fé e luz”. Fé e Luz é um movimento de leigos, fundado por Jean Vanier (fundador da “Arche”) e Marie Hélène Mathieu (Educadora especializada em trabalho com pessoas com deficiência) nas últimas décadas do séc. XX. O Fé e Luz constituiu-se em torno da constatação do isolamento social e eclesial das famílias com filhos com deficiência mental. A sua acção aborda a pessoa fraca, com deficiência, doente, moribunda, sem abrigo, enquanto possibilidade de transformação da vida de quem se aproxima deles, como se lê no site do Movimento, www.foietlumiere.org. A ideia do Movimento começou com a situação dolorosa de uma família francesa com dois filhos, com uma deficiência grave, que desejava fazer uma peregrinação a Lourdes. Tendo sido impedida de participar na peregrinação diocesana, fizeram-na isoladamente, e assim nasceu a ideia de criar uma peregrinação a Lourdes para famílias com pessoas com deficiência mental. Durante três anos pequenas comunidades organizam-se e preparam o grande acontecimento que vem a ser a Peregrinação Internacional a Lourdes em 1971. A base de todo o Movimento, ainda hoje, são as comunidades com uma dimensão média de 30 pessoas, constituídas por pessoas com deficiência mental, seus pais, irmãos e amigos, especialmente jovens, que realizam um encontro mensal. Actualmente, o Movimento Fé e Luz está implantado nos 5 continentes, onde existem cerca de 1400 comunidades em 75 países. A nível nacional o Movimento tem um Conselho Nacional, dirigido por um Coordenador Nacional, eleito por três anos. O Conselho Nacional reúne duas vezes por ano e é composto pelos coordenadores regionais e pelo Capelão Nacional . É preocupação do Movimento que todas as comunidades estejam integradas nas paróquias para que se possa fomentar a integração das pessoas com uma deficiência mental nos seus contextos naturais e, em especial, na Igreja. O objectivo não é o de criar estruturas de protecção social, mas sim a criação de uma rede de suporte informal de proximidade que se articula e interage com as respostas sociais formais existentes. Inovadora é ainda a atenção especial dada aos irmãos e não só aos pais, e a criação de um meio favorável – a pequena comunidade – para o desenvolvimento de um papel activo e valorizador da experiência única de partilhar a vida com uma pessoa diferente nas suas capacidades intelectuais. Em Portugal o Movimento está reconhecido nas Dioceses de Lisboa, Porto e Évora, tendo o Conselho Nacional convidado o Arcebispo de Évora, D. Maurílio Gouveia, a ser o seu Bispo de referência para o triénio 2002-2005.

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