Dia da consciência… E para quê?…

D. Antonino Dias, Bispo de Portalegre-Castelo Branco

Fotos: Agência ECCLESIA

O Dia da Consciência celebra-se a 17 de junho, todos os anos. O Papa Francisco, em 2020, também se referiu a este Dia evocando o testemunho “do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos”.

Esta iniciativa pretende chamar a atenção para o respeito pela liberdade de consciência de cada um e para todas as formas de negar ou violentar a dignidade humana. Se a educação apostasse nisso, não seriam precisas tantas leis, tantas polícias e armas, tantos tribunais e chilindrós para terem de enfrentar os desmandos das consciências malformadas. Quantas mais leis, mais imperfeita é uma sociedade, mais se denota a ausência da ética, da moral, da solidariedade. A formação humana em todas as suas dimensões é essencial, mas se essa formação esquece a formação das consciências, não poderemos esperar uma feliz convivência humana. Poder-se-á perguntar: mas o que isso de formar as consciências? Os teóricos que se desunhem… No entanto, que adiantaria termos muitos eruditos e doutores, muitos empresários e o mais que seja, se construíssemos uma sociedade de egoístas a olhar apenas para o seu próprio umbigo e a espezinhar os outros?!… Que adiantariam todos esses conhecimentos se não conduzissem ao respeito pelo outro, à proteção da sua vida e à sua justa liberdade, à cultura da verdade, à prática da cidadania, à tolerância democrática, ao compromisso pessoal e comunitário pelo bem comum, à verdadeira sabedoria que nos torna mais justos, mais humanos e fraternos? Um ensino que apenas dá valor ao que é produtivo e rentável gera o egocentrismo e a competição sem limites, atrai a mentira, a corrupção e a desonestidade, gera o sentimento de vazio social e existencial, faz sentir medo de quem, sem olhar a meios, impõe o seu ‘eu é que sou e sei, eu quero, posso e mando’…

A liberdade é uma aspiração da pessoa, da sociedade e dos povos, sim, é. Mas não consiste em fazer tudo o que se quer como se tudo fosse permitido. Só a verdade nos liberta, só a verdade nos dignifica, só a verdade na liberdade ou a liberdade com verdade nos conduz ao bem e à beleza. Quem, em nome da liberdade, opta pelo mal, cozinha leis injustas, espezinha ou destrói o mais fraco, promove o descarte ou o abandono, é porque não consegue ser interiormente livre para optar pelo bem. É escravo de si mesmo ou do grupo que o instrumentaliza para que assim pense e proceda. É verdade que a consciência pode errar por ignorância invencível, mas quando a pessoa ou os grupos se dispensam de procurar a verdade ou a relativizam, quando a consciência se vai progressivamente cegando e endurecendo com ambições e prepotências, com importâncias e poder, quando se confunde a liberdade com fazer o que se quer e não com fazer o que se deve, quando se procura expulsar Deus do próprio coração como se Ele fosse um intruso indesejável ou um cota desmancha prazeres, temos o caldo entornado, logo se deixa de considerar o próximo como um «outro eu», digno de atenção e acolhimento, de respeito e reverência.

No fundo da própria consciência há uma lei que o homem não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer. É uma voz que constantemente ecoa no mais íntimo do seu coração. No momento oportuno faz-se presente, chama-o a fazer o bem e a fugir do mal, chama-o à responsabilidade. Esta lei foi escrita pelo próprio Deus, “é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser; a sua dignidade está em obedecer-lhe, por ela é que será julgado”.

Pela fidelidade a esta voz da consciência, estamos “unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida individual e social. Quanto mais, portanto, prevalecer a reta consciência, tanto mais as pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas objetivas da moralidade” (cf. GS16).

A dignidade da pessoa humana é superior a todas as coisas e tem direitos e deveres universais e invioláveis. Por isso, “tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador” (GS27).

Para nós, cristãos, como afirma a Constituição Gaudium et Spes da qual me estou a servir, “Nenhuma lei humana pode salvaguardar tão perfeitamente a dignidade pessoal e a liberdade do homem como o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja. Pois este Evangelho anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus; rejeita toda a espécie de servidão, a qual tem a sua última origem no pecado; respeita escrupulosamente a dignidade da consciência e a sua livre decisão; sem descanso recorda que todos os talentos humanos devem redundar em serviço de Deus e bem dos homens; e a todos recomenda, finalmente, a caridade. É o que corresponde à lei fundamental da economia cristã. Porque, embora seja o mesmo Deus o Criador e o Salvador, o senhor da história humana e o da história da salvação, todavia, segundo a ordenação divina, a justa autonomia das criaturas e sobretudo do homem, não só não é delimitada mas antes é restituída à sua dignidade e nela confirmada. Por isso, a Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos do homem e reconhece e tem em grande apreço o dinamismo do nosso tempo, que por toda a parte promove tais direitos. Este movimento, porém, deve ser penetrado pelo espírito do Evangelho, e defendido de qualquer espécie de falsa autonomia. Pois estamos sujeitos à tentação de julgar que os nossos direitos pessoais só são plenamente assegurados quando nos libertamos de toda a norma da lei divina. Enquanto que, por este caminho, a dignidade da pessoa humana, em vez de se salvar, perde-se (GS41).

Educar é muito mais difícil do que ensinar ou instruir, não pode distanciar-se do bem comum e da experiência comunitária.

Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 14-06-2023.

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