Colocar a Igreja em «carris de universalidade» para «construir a casa comum»

A missão, os cristãos “com nome”, o tempo gasto a pensar nos “que estão fora”, as parcerias sociais para chegar a todos, o acolhimento às famílias. Temas da entrevista de D. José Ornelas à Agência Ecclesia, a poucos dias de ser ordenado bispo e iniciar o episcopado na Diocese de Setúbal: uma diocese periférica, onde o Papa Francisco o enviou como missionário.

Setúbal: A Terra de Missão

AE – Recebeu um mandato do Papa Francisco: ser missionário na Diocese de Setúbal. Que missão lhe foi pedida para desenvolver?

JO – O Papa fala de um ponto de vista global da Igreja que está a desenvolver-se no hemisfério sul – África, Ásia; América do Sul – e que se está a restringir, em termos numéricos, na Europa. Isto significa que quando se fala em abrir as portas da missão hoje, é uma missão específica também na Igreja e, particularmente, nos países chamados de tradição cristã, que já não o são na maioria da população. Reconverter os nossos esquemas mentais, estruturais e de atuação é muito importante.

 

AE – É um quadro que se aplica também à Diocese de Setúbal?

JO – A Diocese de Setúbal é em termos populacionais uma das dioceses que tem uma frequência religiosa, católica, mais baixa. No entanto, para cima dos 70 por cento das pessoas foram batizadas. Isto significa que há um caminho a percorrer de revitalização das sementes da fé que as pessoas têm e de encontrar expressões e modos de encontro e de comunhão aberta a todas estas pessoas.

A isso se referia o Papa dizendo que Setúbal, como a maioria das periferias das grandes cidades, e neste caso, particularmente, a parte da diocese voltada para o Rio Tejo, funciona muito como periferia de Lisboa. Em todo o mundo, e não apenas na Europa, é na periferia das grandes cidades que se situam, muitas vezes, as grandes possibilidades mas também os grandes desafios humanitários, económicos, sociais, de integração de pessoas que não veem para o centro mas ficam nas periferias.

Quando o Papa se refere às periferias, esta situação periférica que se encontra em todo o lado, é uma das situações a ter em conta.

 

AE – Quer dizer que o Papa Francisco conhece a diocese para onde o enviou?

JO – O Papa Francisco conhecia o relatório da Diocese de Setúbal e vê-se que o tinha lido porque fez referência e estava dentro do assunto.

 

Igreja: Uma “Casa Aberta a todos”

AE – Em relação à prática dominical, há um recenseamento que a diocese fez em 2014, tem dados sobre esse censo?

JO – Em relação a detalhes da Diocese de Setúbal sou “baby bishop” e estou a dar os primeiros passos mas sei que os dados se situam por aí, muito baixos, sei que é das que tem a frequência religiosa das mais baixas do país.

 

AE – Há paróquias, pelo que se vai sabendo, que os dados revelam um decréscimo de cerca de 50 por cento da prática dominical?

JO – É possível. No entanto, e é algo muito simpático em Setúbal, há uma vida eclesial muito ativa e as pessoas que participam das comunidades interessam-se por elas e isso dá-me uma grande coragem para que sirva de fermento para uma vida eclesial muito mais intensa.

É um caminho que se está a fazer pela Europa inteira. Uma das coisas que é importante nos países de tradição cristã, como o nosso, é dar-se conta que não vivemos mais num regime de cristandade onde se dá por descontado que toda a gente vai à missa.

Não dando isso por descontado temos duas atitudes: A primeira é uma atitude de respeito, a segunda é de acolhimento a todas as pessoas.

O Papa fala de uma casa para a humanidade, é um ponto de encontro de gente de boa vontade, marcada pela fé em Cristo. Os graus de adesão podem ser vários e a Igreja deve estar aberta precisamente a esta diversidade de compreensão, de compromisso. Depois uma atitude de missão, no sentido não de proselitismo, de conquistar pessoas, mas oferecer a todos aquilo que nós pensamos que é importante para a vida de uma pessoa, para a comunidade e para a humanidade.

Esta é a atitude que considero importante desenvolver-se na Europa, de partir realmente do contexto de uma experiência de comunidade, de solidariedade e de experiência de fé que se põem em comum e propõe como projeto de vida para outros.

 

AE – O seu predecessor, D. Gilberto Reis, atual administrador apostólico da Diocese de Setúbal, numa entrevista à Agência ECCLESIA, há dois anos, dizia que “sente a diocese muito fechada em si”, “a gastar muitas energias com o que está dentro”. Não é um quadro que contradiz essas atitudes que acaba de dizer?

JO – É um quadro que se pode aplicar a toda a Igreja. As nossas estruturas eclesiais e a nossa mentalidade estão ainda programadas e plasmadas para uma Igreja que era de cristandade. A Igreja estava no centro de tudo, onde se esperava que as pessoas viessem, e não uma Igreja de saída, mas virada para aqueles que estão dentro. Isto é a mentalidade que nós temos. E também as estruturas que temos estão pensadas para isso.

Pensar uma Igreja em saída como disse o Papa, em saída de si própria, com menos autorreferencialismo e com a atenção dada aos que estão fora, aos que têm necessidade, às reais condições das pessoas, esse é o desafio que se coloca a todos, aqui e em todo o lado. É a partir daí que as situações podem mudar. Isso não quer dizer que não se esteja a mudar e as pessoas não sejam ativas.

Agora, a focalização da nossa atenção há de ser para fora. Pergunto-me sempre, na vida dos padres, dos catequistas: Quando tempo dou aos que estão dentro e quanto tempo dedico aos que estão fora? E esta é a atitude nova que é preciso pensar. É uma atitude que se propõe à Igreja inteira. As Igrejas mais recentes, porque ainda veem desta atitude missionária, têm mais viva essa dinâmica.

Nós pensávamos que a missão era só fora porque os de “dentro” já estavam cá, mas não é esse mais o panorama de hoje e a nossa mentalidade e estruturas devem mudar nesse sentido.

 

AE – Os de “dentro” podem sair muito rapidamente. Um dado concreto em Setúbal, por exemplo: Por ano podem existir 500 crismas mas no ano seguinte “debandam”, como dizia o Papa. É um dado que o preocupa?

JO – É evidente que me preocupa na medida que significa que está algo a mudar na nossa capacidade de transmitir e motivar as pessoas, o que é outro aspeto da realidade. Hoje, com os modernos meios de comunicação, com a visão que cada um tem do mundo (e o melhor é o seu mundo), não há uma autoridade que se imponha por si própria. A autoridade deve apresentar-se como credível a todos os níveis e, antes de mais, para a situação de cada pessoa.

Essa experiência personalizada da fé é importante que se encontre na Igreja. Se oferecemos só serviços religiosos para quem quer vir mas onde as pessoas não tem nome e não têm voz, isso não vai funcionar.

Hoje tudo é interativo. Não é a internet que está a descobrir isso. Essa teia de relações está na origem do Evangelho, que não foi comunicado pelos grandes meios mas pelo boca a boca, atitude em atitude. Assim se vive em muitos países onde a Igreja está muito ativa. Recordo, por exemplo, a Indonésia onde os católicos são 3 por cento da população mas temos uma Igreja muito dinâmica, viva, a todos os níveis, mesmo no papel social.

Eu não sou miserabilista! A Igreja de Setúbal é uma das mais comprometidas por exemplo ao nível social, onde vamos encontrando muitas parcerias. Não temos de concentrar tudo na Igreja.

Os números interessam é evidente, mas até um certo ponto, porque a maioria das pessoas dizem que têm fé, que gostavam de ver outra Igreja, que não se comprometem assim. Há passos a dar mas acho que é um caminho a percorrer e temos de percorrer juntos, como toda a Igreja, particularmente neste continente europeu.

 

AE – Essa falta de nome e de relações concretas pode estar na origem da debandada da juventude?

JO – É evidente que está, mas há também muitos outros fatores. Não é uma análise sociológica que me interessa agora. O problema que de facto se põe hoje é que os tempos estão a mudar, o que fala aos nossos jovens hoje não é aquele do passado, um discurso ‘ex-cathedra’, que não funciona (acho que nunca funcionou…) Tem a sua função, a informação, a proposta, a solenidade mas o que não for vivido e interiorizado não funciona. Nunca funcionou.

Encontrar linguagens adequadas e sobretudo uma abertura ao diálogo de hoje, que se passa ao nível da fé mas também da própria comunicação dentro da família, nas escolas, na política. Porque é que os nossos jovens se estão a alear da política? Temos de redescobrir a linguagem para reinteressá-los na polis, na construção da sociedade. E a Igreja está muito ligada a este processo de reconstrução da sociedade, onde dentro esteja a mensagem do Evangelho e a presença de Deus neste mundo.

É fundamental que se encontrem novos caminhos para isso.

 

AE – No que foi afirmando sobre a Igreja na Península de Setúbal disse que os padres têm de ser empreendedores. O que quer dizer com essa afirmação?

JO – Empreendedores quer dizer o que me disse o Papa. É um desafio que temos em conjunto na Igreja. É evidente que os padres na Igreja e os outros servidores na comunidade temos de ter a coragem e ser fiéis, o que não significa fazer do passado um museu de receitas, mas com essa energia criar o novo. O espírito do Evangelho, de Deus, cria coisas novas, temos de ter essa coragem e ousadia.

O Papa não está a inventar uma Igreja nova, nem um Evangelho novo. Ele está a dizer e a testemunhar, com gestos, palavras, atitudes, as transformações, o que o Evangelho tem suscitado ao longo da história. E hoje é a nossa vez de reinventá-lo, no bom sentido porque não inventamos nada, mas tornamo-lo de novo criativo na nossa vida.

 

Leigos: Sentir que “A Igreja é sua”

AE – Que protagonismo têm e terão os leigos na diocese?

JO – Acho que já têm e é importante que continuem a ter. Esta comunhão não se faz sem ninguém. A missão dos padres, do bispo, não se compreende senão ao serviço da comunidade, que deve ser a protagonista da vida. A vida é na comunidade e os outros são servos importantes, determinantes em muitos aspetos da vida. Mas é a Igreja que se deve mover.

Este movimento está ligado ao que já falamos de participação, de sentir que a Igreja “é minha”. Mas, para isso, é preciso que se dê oportunidade aos leigos de sentirem que a Igreja é sua e que têm não simplesmente deveres a cumprir, mas a alegria de participarem numa comunidade viva que lhes diz algo e se inclui num projeto de transformação social.

AE – Em diferentes contextos e diocese há movimentos que têm mais relevância do que outros. Em Setúbal sente que há alguma experiência de comunidade crente que tenha mais relevância, mais hegemonia?

JO – Existem vários movimentos do que conheço da realidade da diocese. Fala-se muito dos movimentos e esquece-se do movimento não mencionado que se vai fazendo em cada paróquia: a catequese, os jovens, as famílias, os serviços eclesiais, de solidariedade, que são imensos. É talvez a maior concentração em termos solidários, são mais de seis mil pessoas voluntárias que trabalham nos serviços sociais da Igreja ao serviço da população.

Em termos de dimensão os escuteiros têm um desenvolvimento muito grande e é muito importante porque se dirigem-se a uma camada jovem na adolescência e pós-adolescência onde se pode semear e ajudá-los a crescer num ambiente de respeito pela natureza, de solidariedade, de participação ativa na vida da comunidade. Existem outros movimentos que estão presentes na comunidade, como o Shalom, a Comunhão e Libertação.

Os movimentos ajudam as pessoas a participarem ativamente na Igreja e a serem acolhidas de um modo diferente personalizando a própria experiência de fé, como os casais de Nossa Senhora, os Encontros Matrimoniais. Desde que não venham dividir a comunidade… Isto não é uma Igreja “para”, mas onde os diversos movimentos são todos bem-vindos na medida em que contribuem para a consolidação e personalização da fé.

 

AE – Existe esse perigo de divisão da comunidade, na Diocese de Setúbal?

JO – Não tenho essa experiência, mas é uma preocupação que todos os movimentos devem ter. Por outro lado, é importante que estes movimentos que são para além da diocese, tragam uma riqueza na medida em que sejam eles próprios.

O querer que participem na vida da comunidade não é em detrimento da afirmação do seu próprio carisma, da sua própria realidade, porque isso ajuda. Se eles não tiverem esta ligação também para fora perde-se muito do contributo que podem dar de comunhão com outras Igrejas, realidades, experiências.

Os movimentos têm um papel importante, mas não podem esquecer que são parte da Igreja. E digo o mesmo para as congregações religiosas. Fui superior de uma congregação como os Dehonianos, que estão presentes em mais de 40 países. Dizia sempre: “pensar sempre com a cabeça de uma Igreja universal, de uma congregação universal, mas com os pés bem assentes na comunidade onde se está”. Se não se está na comunidade, faz-se uma Igreja etérea. Se nos afogarmos simplesmente na realidade local ficamos reduzidos aquilo que nós somos.

Esta interação e conjugação pode não ser sempre fácil, mas há problema se aceitarmos esta diferença e a usarmos com criatividade e fraternidade.

 

AE – Adiantou já os desafios para as congregações religiosas. Também se situam a esse nível na Diocese de Setúbal?

JO – Claro! E felizmente, das notícias que tenho e dos primeiros contactos, acho que são uma realidade muito importante na diocese.

 

AE – Em algum setor específico?

JO – Acontece que com a escassez de padres, os religiosos foram também limitando-se à vida paroquial. É muito bom pelo carisma que trazem ao povo de Deus mas, por outro lado, é importante que estejam noutro setor de atividade específicos. Estão na educação, nos serviços sociais, na sensibilidade a partir da própria espiritualidade, na promoção de cursos de formação e retiros que constituem setores importantes de consolidação e de vida da comunidade cristã.

Eu espero muito do contributo dos religiosos para a diocese. Felizmente em Portugal temos um ambiente muito interessante de colaboração onde vão ficando para trás a maior parte dos preconceitos e divisões. Estamos em Igreja!

É muito importante a colaboração dos diversos carismas para construir uma Igreja unida, fraterna, mas também rica e criativa.

 

Solidariedade: servir a multiculturalidade

AE – Que relevância tem na diocese sadina as respostas sociais que servem a população. Já referiu as parcerias. Quais é que podem acontecer?

JO – Por exemplo, a Plataforma de Acolhimento aos Refugiados (PAR). Este é certamente um dos setores onde me dá muito gosto em estar nesta diocese. É uma diocese com sensibilidade porque contacta com problemas não indiferentes: Falta de trabalho, particularmente juvenil; falta de meios que a crise veio acentuar dramaticamente.

Por exemplo, a integração de pessoas que veem de todas as partes do país e de todo o mundo, que se sente particularmente na Península de Setúbal é um desafio, que não é fácil de solucionar, mas que também traz em si sementes importantes que é preciso pôr a render.

Em relação aos migrantes, em concreto os portugueses, são sempre pessoas que têm algo mais do que os outros. Podem ser levados pela necessidade mas não se fecharam no fatalismo, na resignação mas partiram à procura de novas praias e novas possibilidades. São pessoas com iniciativa. E é essa iniciativa, por exemplo, que tiveram os retornados que voltaram das colónias e foram um problema não de fácil solução, alguns não se adaptaram, mas deram também um contributo enorme na criação de novas possibilidades para o país. Penso que é isto que devemos fazer.

Esta crise que é europeia e mundial, porque vemos as autoestradas de comunicação, de pensamento e de mobilidade de pessoas e não se pode esperar que ficassem vazias. Se as as usam é principalmente porque têm necessidade. É um sinal positivo do nosso tempo. Mas, depois, não podemos fechar as fronteiras. Não funciona!. Abrirmo-nos com o próprio esforço, porque não há soluções simples, de criarmos soluções humanitárias que não sejam simplesmente de ganho imediato com as pessoas que chegam. Um filho que nasce é só despesa, mas é um grande investimento que se faz para o futuro, a todos os níveis, também em termos económicos. No futuro traduz-se em capacidade nova para o país. É por isso que os países da América do Norte e Sul são países de acolhimento e não estão pior do que nós.

 

AE – Esta ação sociai faz parte da identidade da diocese, seja pela ação do primeiro bispo, D. Manuel Martins, depois o D. Gilberto Canavarro que deu continuidade, os padres operários e a Cáritas Diocesana. A Igreja de Setúbal é reconhecida no seu meio também pelas respostas sociais?

JO – Eu acho que sim, mal seria para qualquer diocese se não o fosse, particularmente na situação de crise que vivemos. Tenho acompanhado de fora mas não me passa desapercebido o esforço que toda a Igreja tem feito nesse sentido e vamos ao mais nível mais elementar das pessoas. Ai encontramos uma comunhão de interesses por tantas pessoas! Talvez não sejam tão assíduos à Eucaristia mas são muito assíduos na ajuda aos mais necessitados, o que é o princípio do verdadeiro Evangelho.

Uma das coisas mais simpáticas que vejo na diocese é essa sensibilidade que depois cria parcerias, sem ambiguidade, também com os poderes públicos, independentemente dos partidos, porque quando temos por interesse as pessoas que precisam o resto passa para segundo plano.

Não tenho de ser agente nem pretendo dar leis aos poderes públicos nem estar ao seu serviço e ao interesse de alguém. O interesse comum que todos temos é encontrar soluções para os problemas das pessoas que sofrem e estão em dificuldade.

Se o interesse não é pessoal, nem o meu grupo, partido ou Igreja mas a realidade autêntica da pessoa que sofre, vamos encontrar soluções e juntos. Na altura que começarmos a decidir quem é que manda, quem é mais importante o “caldo fica entornado” e quem sofre são as pessoas que devíamos servir.

 

AE – Essa vai ser a atitude do bispo de Setúbal com as autoridades políticas, empresariais, com organizações?

JO – Acho que sempre foi e tenho esperança que continue a ser. Não vejo a minha compreensão de Igreja de outro modo. A Igreja não é uma organização fechada em si mesma, ela foi colocada em carris de universalidade. Quando Jesus diz que se deve levar o Evangelho até aos confins do mundo não é para o conquistar. Podem-se conquistar pessoas afetivamente, mas num processo de oferta de uma proposta de vida, e que se deve manifestar com gestos autênticos de misericórdia, de solidariedade, de ajuda.

 

Sínodo na Diocese: Um estado permanente

AE – Um dos desejos que D. Gilberto Reis não conseguiu realizar no tempo que tinha foi envolver a diocese em sínodo diocesano. Considera esta realização uma prioridade?

JO – Se o sínodo for visto como uma porção mágica, durante um tempo determinado, não vale a pena. Uma igreja tipo sinodal sim, ou seja, que reflete sobre si própria em direção à missão, que envolve não apenas o bispo, nas suas faculdade de orientação, e o colégio presbiteral, mas a diocese inteira e a põe a caminho, é importante. É evidente que um tempo sinodal pode ser importante para dar esses passos.

Penso que devia ser importante para todas as Igrejas, não simplesmente algo que alguém inventa de vez em quando. Mas essa cadência, esse percurso, devia ser uma característica da Igreja toda. A forma de o realizar, vamos analisar em conjunto, o que já é caminho sinodal!

 

AE – A sua dinamização da diocese vai ser num contexto geográfico delimitado ou sempre nesse espírito de abertura universal que viveu na congregação e defende para a Igreja?

JO – Uma das coisas que se pede a um bispo na ordenação, nos decretos e compromissos, é que seja pela sua própria função promotor da universalidade. É o primeiro responsável por isso, primeiro na conferência episcopal, depois com a Igreja universal, com a missão porque corremos o risco de nos afundar porque bailamos sempre nos mesmos lugares.

A dança por sua natureza não é de uma pessoa só e toda a dinâmica do Evangelho é sair de mim próprio à procura do outro e de cada grupo para construir a casa comum da humanidade.

 

Família: “orientações unitárias e manifestações diferentes”

Agência Ecclesia (AE) – Em Roma está a ser feito um caminho em conjunto a propósito da família no Sínodo dos Bispos, que termina este domingo aquando a sua ordenação. O que espera que esteja a ser comunicado em Roma, no fim de um sínodo, no dia 25 de outubro?

D. José Ornelas (JO) – A primeira coisa que espero é que o sínodo represente em si mesmo a experiência mais séria de sinodalidade.

O facto do Papa ter convocado uma primeira assembleia sinodal, que continuou depois de uma auscultação e reflexão da realidade eclesial, nesta segunda parte – e já se fala numa terceira – significa que se tomam a sério as coisas. Os problemas deste género não se resolvem com discursos e depois o Papa escreve uma carta…

Pensar tudo com realismo, aceitar as diferenças dentro da Igreja e procurar soluções acho que é o verdadeiro caminho de sinodalidade. Problemas destes não se devem reduzir a receitas imediatas mas há uma atenção nova de acolhimento da realidade familiar num mundo que está a mudar completamente.

Há perspetivas e problemas novos, mas também desafios e possibilidades novas que não se tinham em consideração há 10 anos. E inserir esta novidade, esta transformação que está em curso na realidade da Igreja é determinante.

Considero também que é importante aceitar alguns desafios e não ficar em discursos pelo ar, não cair nas medidas imediatas mas ter orientações que mexam com a realidade. O Papa começou a dar o exemplo, com a simplificação dos processos de nulidade do matrimónio. Existem questões muito sérias que devem ser postas sobre a mesa, discutidas com liberdade  para soluções de unidade, não apenas para a mentalidade europeia, mas tendo em conta a diversidades culturais.

 

AE – Há passos concretos a dar no caso dos divorciados recasados, que é uma das reflexões em causa?

JO – Penso que sim. O Papa tem vindo a dizer para não nos esquecermos que eles são parte da Igreja. Então que género de integração vamos ter?

O princípio do matrimónio, como o Papa diz, é único e vai continuar. Ninguém considera o divórcio um bem, mas acontece. A comunhão sacramental é apenas um aspeto e o Papa repete isso constantemente. Não sendo o único grande problema é parte e não se deve escamoteá-lo. Se essas pessoas não são excomungadas então porque é que estão longe? Tem de haver um caminho a fazer na comunidade onde a comunhão também pode e deve ser inserida neste contexto.

 

AE – O D. José Ornelas defende uma das perspetivas em debate no sínodo que deve haver um processo de conversão e depois o acesso à comunhão e à reconciliação?

JO – Acho que é uma realidade muito possível e desejável. Não é para dizer: “deixem-nos comungar e está resolvido o problema”, porque não está. O problema é realmente um acompanhamento destas pessoas e a inserção na comunhão e na vida da comunidade eclesial e, para isso, também a participação na Eucaristia, que faz parte desse caminho. É preciso ver os termos para que seja expressão do movimento de vida e não apenas um rito.

 

AE – Existe também a reflexão sobre outras tipologias de família. Exigem a mesma atenção?

JO – Sim, atenção de acolhimento. Isso não quer dizer que é tudo igual. Chamar igual ao que é diferente não é vantagem nenhuma. Pôr os nomes às coisas! Nós temos medo da diferença e no casamento, a partir do homem e mulher, é bom! As diferenças e a complementaridade dessas diferenças fazem a riqueza.

 

AE – Defende a possibilidade do sínodo continuar numa terceira assembleia. Por exemplo, não nos moldes universais mas por regiões, com orientações específicas, como já tem sido avançado em Roma?

JO – Temos de descobrir caminhos novos para a Igreja em tempos novos. Não sei se vai ser esse o caminho, não me compete decidir, mas gostaria muito de ver um processo de Igreja sinodal, que discutisse verdadeiramente os problemas com coragem de assumir posições que tenham um caracter de orientações unitárias e manifestações diferentes.

Na Igreja Católica Oriental, por exemplo, temos um regime onde os padres são casados e são nossos irmãos dentro da comunhão eclesial católica. Portanto, criar diferenças daquilo que não é o essencial, aceitar essas diferenças e conduzir-se por essas diferenças penso que é inteligente, evangélico e humano.

 

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