Arte, teologia e compreensão da realidade

Aproximações ao sagrado podem ser profanas no estilo e religiosas no conteúdo

A Teologia é fundamental para a compreensão cristã da realidade, disse o Cardeal-Patriarca de Lisboa nas primeiras Jornadas de Teologia Prática organizadas pela Universidade Católica Portuguesa (UCP), em parceria com o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, que esta Sexta-feira se realizaram em Lisboa.

“Nós corremos um perigo, em que as pessoas são praticantes religiosamente, mas no sentido da cultura que inspira a sua vida são profanos como os outros todos. Este aprofundar de uma sabedoria cristã, de uma compreensão cristã da realidade e na realidade concreta da vida de todos nós, a Teologia pode ter um papel importante”, salienta, em declarações à RR.

Na conferência de encerramento, D. José Policarpo disse que é importante fazer a ponte entre a Fé e a cultura. “Estas jornadas são maneiras de o fazer, de gerar conhecimentos e de preparar pessoas para serem focos irradiadores desta sabedoria cristã”, afirma D. José Policarpo.

Cinema

“Eu não acredito que Cristo seja filho de Deus, porque não sou crente – pelo menos conscientemente. Mas acredito que Cristo seja divino: isto é, creio que nele a humanidade é uma coisa tão elevada, tão rigorosa e ideal que ultrapassa os termos comuns da humanidade”. Foi com esta perspectiva que Pier Paolo Pasolini realizou em 1964 «O Evangelho segundo Mateus», que para Inês Gil “é, sem dúvida, uma obra que tem um lugar privilegiado na história do cinema”.

Alguns excertos do filme foram apresentados aos participantes na Jornada «Ver para Crer? Cristianismo e Culturas Visuais».

Para a professora do curso de Cinema da Universidade Lusófona, “a leitura poética do texto evangélico” revela “o mundo interior” e as emoções das personagens, embora as respeite, não as convertendo num “espectáculo”, ao contrário de «A Paixão de Cristo», realizada por Mel Gibson.

A professora de Cinema na Universidade Lusófona considera que o filme de Pasolini “reactualizou a figura de Cristo” e mostrou a possibilidade da “existência do sagrado na realidade”.

“É uma obra que está sempre longe do espectador e nunca desvendará o seu mistério”, concluiu Inês Gil.

Entrelaçar sagrado e profano

O Pe. José Tolentino Mendonça assinalou que o cineasta italiano assumiu uma perspectiva que hoje continua válida “para a arte e para a Teologia”: “Uma história de Jesus, hoje, não pode acontecer por reconstrução mas apenas por analogia”, pelo que é necessário “um esforço de transposição”.

Durante a sua intervenção, o director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura reflectiu sobre os cruzamentos entre a narrativa sagrada e a sua representação por autores ou obras consideradas profanas.

De acordo com o biblista, a Teologia continua a interrogar-se sobre os modos de contar Jesus: “Como narrar o sagrado? Seguindo o sagrado ou o profano? O que é que significa uma maior indagação da verdade?”

O professor da Faculdade de Teologia recordou que as ligações entre a cultura e a narrativa da vida de Jesus foram inauguradas com os Evangelhos. Este estilo literário sem paralelo na literatura da época apresenta Jesus como uma biografia ou um livro de relatos.

Os textos bíblicos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João manifestam, através das suas diferenças, que a arte de contar converteu-se num protagonista da narrativa, o que não implica que o programa literário se tenha sobreposto às intenções teológicas dos autores.

Os Evangelhos – bem como a obra de Pasolini ou os quadros de Rouault – revelam “um magma do registo sacro com o profaníssimo”. “É como se o nosso olhar se lavasse e pudéssemos reencontrar o rosto de Jesus”, observou o poeta.

Rui Martins  (Com RR)

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