À descoberta da Bíblia

A ideia de criar uma Bíblia copiada à mão por milhares de portugueses foi o mote para a entrevista do programa ECCLESIA ao coordenador geral de «A Bíblia Manuscrita», Alfredo Abreu, e ao Pe. Carreira das Neves, especialista em estudos bíblicos Já não se utilizam penas nem tinteiros, mas Portugal regressou ao tempo dos monges copistas e, versículo a versículo, está a copiar a Bíblia à mão. O projecto “A Bíblia Manuscrita” é da responsabilidade da Sociedade Bíblica de Portugal (SBP), organização cristã inter-confessional, que promove a Bíblia em colaboração com todas as Igrejas cristãs. A ideia de criar uma Bíblia copiada pela mão de milhares de portugueses foi o mote para a entrevista do programa ECCLESIA ao ideólogo e coordenador geral da iniciativa, Alfredo Abreu, e ao Pe. Carreira das Neves, especialista em Sagrada Escritura ECCLESIA – Como é que nasceu esta ideia de escrever a Bíblia à mão? Alfredo Abreu (AA) – Da parte da SBP nasceu porque sabíamos que a Bíblia está presente no nosso quotidiano e é familiar em tantas coisas, mas a maior parte das pessoas desconhece o texto, não tem tido contacto pessoal com o texto. Esta foi uma das ideias que surgiu: colocar as pessoas a contactar com o texto escrevendo-o, como se fazia há umas centenas de anos atrás e como alguns cristãos perseguidos têm feito no século XX. ECCLESIA – E como é que um biblista vê esta iniciativa? PE. Carreira das Neves (CN) – É evidente que a vejo com muito gosto, com muito agrado. De facto, nós procuramos manusear, na medida do possível, os próprios manuscritos. ECCLESIA – Esta iniciativa já começou com os mais jovens. Qual foi o seu impacto? AA – A “Bíblia Manuscrita Jovem” começou em Março, e foi feita por cerca de 50 mil jovens e mais de 230 escolas, desde Bragança às ilhas. Eles não se limitaram a escrever: houve um conjunto de iniciativas na maior parte das escolas que incluíram conferências e exposições. No fundo estamos a tentar chamar a atenção para uma obra essencial, que deve fazer parte deste percurso de aprendizagem. ECCLESIA – Este acto de copiar ajuda a interiorizar a mensagem? CN – Sem dúvida nenhuma, hoje estamos muito agarrados a tudo o que é máquinas e a nossa memória vai desaparecendo. Antigamente, tanto judeus como cristãos aprendiam de memória as Escrituras. ECCLESIA – “A Bíblia Manuscrita” foi lançada por um conjunto de personalidades da nossa sociedade. Foi fácil juntar pessoas vindas de tantos quadrantes? AA – Não foi a SBP que juntou estas personalidades, a verdade é que somos pouco conhecidos: quem convocou as personalidades foram as próprias Escrituras, o respeito que as pessoas da cultura têm pelo texto. No fundo, este é o reconhecimento de que uma maior divulgação da Bíblia é útil não só para a nossa identidade, mas também para a nossa espiritualidade. ECCLESIA – A iniciativa é cultural, religiosa ou espiritual AA – Eu entendo que é as três coisas, mesmo que seja mais uma do que outras. A maneira como crescemos, a separa as coisas em compartimentos estanque está a ser ultrapassada, felizmente. Neste caso, as coisas estão misturadas, não podemos separar o ser humano nas suas componentes. Somos um todo, que é mais do que a soma das partes. A Bíblia é cultura porque tem a ver com objectos de cultura próprios, como os quadros que estão nos nossos museus, as obras literárias que os nossos escritores nos oferecem, a escultura, a arquitectura, a nossa maneira de ver o mundo. Aqui neste livro encontramos também a memória de um percurso que a humanidade fez em conjunto, e tudo isto não se pode classificar apenas conforme o interesse religioso ou não religioso da pessoa. Para o cidadão comum, é uma obra incontornável. ECCLESIA – Como se pode entender esta perspectiva? CN – De facto, a Bíblia tem a ver com a cultura, a arte e a fé. A civilização ocidental tem as suas bases no judeo-cristianismo e depende destes textos, pelo que não podemos passar por cima da história. Mais de metade do mundo tem como referência as Escrituras e isto é um alerta, porque elas são literatura. ECCLESIA – Há já alguns dados do questionário que tem sido feito às pessoas? AA – Fizemos uma primeira análise estatística dos fins-de-semana iniciais, comparando Castelo Branco com Lisboa: os dados são próximos, exceptuando talvez a faixa etária. Curiosamente, grande parte das pessoas que participa tem formação universitária, na ordem dos 40%. Há muitas crianças a participar e um número curioso de pessoas que não se declaram religiosas. ECCLESIA – Isso é uma prova de que esta é uma iniciativa cultural? AA – É uma prova de que ela é para todos. Temos o apoio das Igrejas cristãs, desde o início, reconhecemos o apoio da Igreja Católica em todas as Dioceses, mas estamos abertos a todos. ECCLESIA – Que oportunidades cria este projecto para o futuro? CN – Não há dúvida de que a Igreja Católica teve medo, em certas fases da história, de mostrar as Escrituras. “A Bíblia Manuscrita” abre novos horizontes, porque a nível popular ainda estamos muito atrasados em relação aos nossos irmãos protestantes no conhecimento das Escrituras. ECCLESIA – A SBP não teme que esta seja uma iniciativa efémera? AA – Não, ela já está a trazer frutos. Em primeiro lugar, houve pessoas com convicções muito diferentes que trabalharam em conjunto e que colocaram a Bíblia acima de tudo. Depois, os Media reconheceram que há lugar para valorizar mais estes textos. E o que fica é um desafio às pessoas, para que não considerem a Bíblia e religião como algo extra, a que se recorre de vez em quando, mas algo que pode levantar os nossos horizontes diários.

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