Silêncio e simplicidade

O atual prior da Comunidade de Taizé, irmão Alois, fala à Agência ECCLESIA da importância da dimensão espiritual, vivida no silêncio e na simplicidade, como motor de transformação para um mundo em crise

A comunidade religiosa de Taizé surgiu em 1940, no contexto da II Guerra Mundial. O irmão Roger, fundador da comunidade, deu início a uma ‘parábola de comunhão’, com o objetivo de ser um sinal ecuménico no meio da divisão entre cristãos. Após a sua morte violenta, em 2005, durante a oração da noite, na igreja da Reconciliação, sucedeu-lhe o irmão Alois, que ele tinha designado alguns anos antes, e que é o atual prior da comunidade e figura de referência para centenas de milhares de jovens que se deslocam à pequena localidade francesa ou participam nas iniciativas promovidas pelos monges, na chamada ‘Peregrinação de Confiança através da Terra’.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, o religioso de origem alemã fala da importância da dimensão espiritual, vivida no silêncio e na simplicidade, como motor de transformação para um mundo em crise.

 

Agência ECCLESIA (AE) – Que importância tem uma proposta espiritual cristã, como é feita em Taizé, por exemplo, para as pessoas de hoje?

Irmão Alois (IA) – Há hoje em dia uma sede espiritual, ou seja, muitos jovens questionam-se sobre  o sentido das suas vidas.

As dificuldades tornam-se maiores: dificuldades para completar os estudos, encontrar um emprego, construir o futuro. Isso faz com que esta questão do sentido da vida se torne mais forte. Penso que é aqui que temos de estar perto dos jovens, aqui em Taizé.

 

AE – Os monges da comunidade têm a possibilidade de encontrar-se com pessoas de todo o mundo. É perceptível essa sede de espiritualidade?

IA – Muitas vezes, após uma semana aqui, os jovens, quando lhes perguntamos o que foi mais importante, respondem-nos que foi o silêncio. Isso é surpreendente, porque os jovens fogem do silêncio, há sempre muita música, uma atividade, uma mensagem no smartphone. Aqui descobrem o silêncio, que é importante parar, e isso é para todos os jovens: europeus, africanos, asiáticos, latino-americanos.

Nós temos, por outro lado, três momentos de oração diários, na igreja, rezando em conjunto com os jovens e toda a comunidade, que incluem um longo momento de silêncio. Acredito que os jovens gostam muito disso.

 

AE – A Quaresma, que estamos a viver, pode ser um tempo privilegiado para encontrar aquilo que é essencial na vida de cada um?

IA – É muito importante, para nós, que a Quaresma não seja um tempo de tristeza, de lamentação sobre nós próprios ou sobre o mundo, mas que descubramos, pelo contrário, uma fonte da alegria e então possamos voltar-nos para Deus. Cristo apela à conversão, quer dizer, a voltar-se para Deus e acreditar na Boa Nova, não voltar-se sobre si próprio, unicamente sobre as falhas, sobre o que não está bem no mundo. Isso é muito importante, mas não basta.

Neste sentido, são necessárias ajudas exteriores. Já falei do silêncio, fazer silêncio simplesmente para dar lugar a Deus, ou seja, simplesmente, colocar os nossos anseios e dificuldades em segundo plano e criar como que um espaço interior onde Deus pode vir e ser acolhido.

Exteriormente, penso que a simplicidade é muito importante. Isso é algo, aliás, que os jovens dizem muitas vezes, após uma semana aqui, que gostaram muito da simplicidade. É verdade que os acolhemos em condições muito simples, no alojamento, na alimentação, mas eles descobrem uma alegria nessa simplicidade, porque ela cria solidariedade: todos vivem nas mesmas condições – os europeus que vêm de países mais ricos ou pessoas que chegam de muito longe, como da Ucrânia ou da Bielorrússia, que vivem dificuldades materiais ainda maiores do que no Ocidente; pessoas de outros continentes, que chegam de situações verdadeiramente marcadas por grande pobreza.

Aqui vivem todos na simplicidade e penso que este valor é importante para a Quaresma.

 

AE – Este valor da simplicidade, numa Europa em crise, liga-se ao caminho ‘Para uma nova solidariedade’ que é a sua proposta para os próximos três anos, 2012-2015.

IA – A crise que atravessamos na Europa, como diz, com um desemprego muito grande, sobretudo entre os jovens, é muito, muito grave. É triste que agora muitos jovens pensem em emigrar para procurar um futuro noutro lugar.

Esta grave crise força-nos a uma solidariedade maior, a pensar como podemos partilhar as nossas riquezas materiais. É muito bonito que haja na Igreja pessoas que vivem sinais muito claros disso: em Espanha, um bispo anunciou que vai renunciar de parte do seu salário, porque é preciso viver a solidariedade com quem tem menos.

Todos temos de aprender, no futuro, a viver com menos riquezas materiais, também na Europa, e procurar mais a nossa realização nas relações pessoais, nas relações de solidariedade com os outros.

 

AE – Além deste conceito, o termo ‘confiança’ tem uma importância muito grande na reflexão e nas propostas da comunidade.

IA – A crise económica que atravessamos exige uma solução que não é apenas económica e técnica. Isso é importante, com certeza, mas a resposta deve ser mais profunda e é precisamente a confiança: nenhum ser humano, nenhuma sociedade pode viver sem confiança.

Nas nossas sociedades, temos de estar atentos para que esta dificuldade, esta crise económica que vivemos não nos conduzam à desconfiança e ao medo, mas saibamos viver verdadeiramente a confiança.

A esse respeito, nós, os cristãos, podemos procurar muito concretamente nas nossas comunidades, nos grupos de jovens, nas paróquias, como aprofundar a confiança e como ela nos leva a uma partilha, também material.

 

AE – Que referências tem na sua vivência desta espiritualidade?

IA – As referências são pessoas e, em primeiro lugar, o irmão Roger, que me marcou pessoalmente, que nos marcou enquanto comunidade, sobretudo quanto à maneira de viver em conjunto. É precisamente uma comunidade que procura viver com o mínimo de estruturas e regulamentos possíveis, mas que vive sobretudo da confiança que temos de ter uns nos outros e na confiança em Deus.

No final da sua vida, o irmão Roger falava muitas vezes na confiança e não era uma palavra fácil para ele, era um combate interior: confiar em Deus nas provações, também, porque ele atravessou grandes dificuldades na sua vida. Nós queremos seguir este caminho que o irmão Roger abriu.

OC

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