Sínodo: «Objetivo não é ver quem ganha» – Paulo Terroso

Sacerdote da Arquidiocese de Braga fala do trabalho como membro da Comissão da Comunicação da assembleia sinodal, desde 2021

Foto: Ricardo Perna

Dois anos depois, estamos de volta ao Vaticano para dar início a uma Assembleia do Sínodo antecedida por um percurso inédito. Olhando para este período, por tudo o que ele significou em termos de mobilização, de expectativas e debate, que podemos esperar das próximas semanas?

Eu olho para esta experiência com muita alegria. É muito surpreendente, por várias decisões que foram tomadas, como a possibilidade de algumas mulheres poderem votar.

Quando olho para trás, com todo o ceticismo que havia, creio que muita gente não estava a compreender o que estava a acontecer. Eu próprio, a cada passo, renovo a minha leitura, cada vez mais aprofundada, e percebo que este caminho foi preparado desde o início do pontificado do Papa Francisco. Agora, estamos no momento de dar resposta a uma pergunta, declinada de dois modos: que passos pede o Espírito Santo à Igreja para dar? Este é o momento de operacionalizar, de concretizar o que foi escutado; de ser decantado a partir do fogo, digamos assim, do Espírito Santo, perceber o que Ele está a dizer à Igreja, de facto.

Temos razões para estarmos felizes. Se o Sínodo não tivesse provocado esta escuta, de tantas vezes, de forma real, estando a acontecer, não teria provocado tensões. Elas são uma confirmação de que as pessoas foram escutadas, a Igreja pôde falar – quem quis, dentro da Igreja, pôde falar, livremente, nos diálogos ao nível dos vários grupos paroquiais, na fase continental…

Agora, a Igreja reunida, vai perceber quais são os passos que o Espírito Santo lhe está a pedir, para realizar a sua missão de anunciar o Evangelho.

 

A nível da comunicação, existe o desafio de superar a narrativa de um Sínodo com dois blocos em confronto?

Não podemos dizer que não há dois blocos, mas a Igreja é muito mais plural do que isso. Por outro lado, reduzir esta questão à contagem de votos é, usando uma linguagem inaciana, do mau espírito. Aqui o objetivo não é ver quem ganha, quem tem os melhores argumentos, as melhores ideias, é perceber o que é possível fazer em conjunto. Podemos não estar de acordo, mas é possível ser Igreja, mesmo não concordando com o que o outro está a dizer, como é possível, desde o início, ser Igreja com posições diferentes. Às vezes, mesmo até com compromissos que são assumidos.

Por exemplo, quando se questiona, em Jerusalém, o tema da circuncisão ou das carnes imoladas – que hoje não são questões, estão completamente superadas, mas na altura era uma questão séria e poderíamos ter estado a assistir ao primeiro grande cisma da Igreja -, se não fosse dado aquele passo, o Cristianismo arriscar-se-ia a ser apenas uma seita. Por outro, no consumo das carnes que eram oferecidas aos ídolos, houve uma solução de compromisso, com o pedido de se abster.

Não vamos chegar a esse céu limpo, claro, como se já participássemos da plenitude da vida. Vamos fazer caminho, não tenho dúvidas, é a minha perspetiva, fruto também deste trabalho que tenho tido ao longo da presença ao nível da comunicação. Vejo as coisas a acontecer e sinto uma confirmação disso, mesmo a nível espiritual. Um dos grandes momentos foi esta vigília ecuménica de oração [30 de setembro], um momento de silêncio extraordinário em que estamos unidos, porque fazemos parte deste Corpo de Cristo. Na expressão máxima da comunhão, a Igreja está, é possível ser Igreja, embora nem todos pensemos do mesmo modo.

 

É possível afirmar que a Igreja é hoje mais sinodal do que em 2021, quando o Papa lançou este processo?

Eu penso que sim. A Jornada Mundial da Juventude foi um grande laboratório de sinodalidade e um dos pontos altos foi a Via-Sacra, pela qualidade dos textos. Mas qual foi o processo para chegar lá? A Companhia de Jesus escutou os jovens, a nível mundial, e colocou isso diante de Deus, iluminado pelo Evangelho, para depois oferecer aquelas reflexões. As pessoas reconheceram-se, nomeadamente os jovens, fizeram aquela Via-Sacra. Ou seja, ninguém se colocou a dar respostas a perguntas que nem sequer são feitas. Portanto, esta necessidade de nos escutarmos uns aos outros é fundamental. Essa foi grande parte do sucesso da JMJ, que nos fala de uma possibilidade de ser Igreja, porque não reflete aquilo que a Igreja é em Portugal, mas uma possibilidade. No fundo, tem uma dimensão sinodal de escuta, de trabalho em conjunto, portanto, o resultado só pode ser bom. A Jornada Mundial da Juventude foi um grande laboratório de sinodalidade e funciona, com esta abertura a todos, todos, todos. E chegam todos com a sua história, com tudo o que têm.

 

Durante o retiro espiritual de preparação para o Sínodo, foi sublinhado que, para alguns, “a ideia de um acolhimento universal “é sentida como destrutiva da identidade da Igreja”, porque acreditam que a identidade exige “limites”. Essa é uma das tensões que podemos identificar, à partida, para esta assembleia?

Sim, nesse texto da segunda meditação do padre Timothy Radcliffe, há um aspeto muito interessante, porque parte da passagem da Transfiguração: há gente que se sente muito bem na casa onde está, no modo de ser Igreja. Mas há outros modos onde Deus faz casa em nós e que são possíveis. É a ideia de que na casa do Pai há muitas moradas.

Há na Igreja quem se sente confortável, do modo que está, e há outros que procuram a sua casa, o seu espaço dentro da própria Igreja. Qual é a dificuldade? É a ideia de que alguns já chegaram à terra prometida, a ideia de que nós já vivemos essa comunhão plena em Deus. Não, nós estamos a caminho. Isso significa que, estando tudo já dito, nem tudo está compreendido. Custa-me perceber como é que é possível dizer que a Igreja não tem mudado ao longo dos tempos, isso não é verdade, a história confirma precisamente o contrário: ela tem mudado. Não a Revelação, aquilo que foi dito, mas a compreensão que nós temos da Revelação. O Deus do Antigo Testamento é o Deus do Novo Testamento, mas a novidade de Cristo ajuda-nos a compreender aquilo que Deus já estava a dizer, de forma adequada a uma cultura, a um percurso que a própria humanidade estava a fazer. Deus vem sempre ao encontro da nossa realidade, daquilo que somos capazes de compreender, com o Espírito Santo a conduzir-nos para a verdade plena. Mas ainda não a possuímos de um modo total, há coisas que não compreendemos, compreenderemos mais à frente. Isso provoca sempre uma tensão, exige uma disponibilidade interior, uma flexibilidade que alguns, com o tempo, vão perdendo.

Cristalizar uma forma de Igreja, de liturgia, dizendo “a minha Eucaristia é melhor do que a tua”, isso é de evitar a todo o custo. Falta Teologia, falta reflexão, que é importante.

O Papa distingue conservadores e tradicionalistas. Os conservadores agarram-se a algumas coisas, muitas vezes sem perceber provavelmente o que significam; os tradicionalistas têm raízes, conhecem a realidade e a história da Igreja. Francisco disse-nos, num encontro privado que tivemos depois de Frascati [redação do documento orientador para a segunda fase do processo sinodal, outubro de 2022], que o Espírito vai fazer o seu trabalho e conduzi-los ao sítio certo. Quem está dentro da tradição, percebe que ela é dinâmica, é viva, que o Evangelho significa, ele próprio, mudança. No momento certo, vão saber dar esse passo. Os conservadores vão cristalizar uma forma de pensar, de ser Igreja, e será muito mais difícil.

Penso que o Sínodo vai ajudar – no diálogo, na própria metodologia – a sair daqui com uma comunhão reforçada, sem medo de abordar as questões difíceis.

 

Pessoalmente, como tem sido esta experiência de trabalho mais próxima com a realidade do Sínodo?

É uma graça imerecida, nunca me imaginei numa situação destas. Vi o imenso amor que as pessoas têm à Igreja.

A experiência de Frascati, para mim, talvez tenha sido a mais intensa, porque aí percebi a serenidade – era uma coisa que sentia, não sei como explicar. Santo Inácio diz que quando sentimos a alegria, a paz interior, é uma confirmação de que se estão a tomar as decisões certas, o caminho correto. Pessoalmente, tenho sentido isso, desde o primeiro momento, apesar das dificuldades: serenidade e paz. Mesmo quando parece que estamos a navegar num mar tempestuoso.

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Agência ECCLESIA

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