A diferença só pode estar nas águas…

Luísa Gonçalves, Diocese do Funchal

Como vos disse no mês passado, sabia que adiar o tema que queria trazer a reflexão não seria um problema, porque o problema continua a existir.

E se há temas que eu gostava de ver banidos, mas que, infelizmente, continuam a ser uma realidade que não podemos ignorar, sob pena de se tornarem cada vez mais banais aos olhos do mundo, este é um deles.

O Papa assinalou, a 8 de julho deste ano, o 10.º aniversário da sua visita a Lampedusa, primeira viagem do seu pontificado, evocando o “grito doloroso e ensurdecedor” das tragédias que continuam a vitimar migrantes e refugiados no Mediterrâneo.

O texto, divulgado então pelo Vaticano, lamentava “a morte de inocentes, principalmente crianças, em busca de uma existência mais pacífica, longe das guerras e da violência”.

“É um grito doloroso e ensurdecedor que não nos pode deixar indiferentes. É a vergonha de uma sociedade que já não sabe chorar e compadecer-se com o outro”, dizia o Papa, reforçando algumas das mensagens deixadas em 2013.

Francisco apelava a uma mudança de atitude, em que as comunidades católicas resistissem “ao medo e à lógica partidária”, para “fecundar esta ilha, situada no coração do ‘Mare Nostrum’, com as riquezas espirituais do Evangelho, para que volte a brilhar na sua beleza original”.

“Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa”, dizia ainda o sucessor de Pedro, na primeira visita.

Dez anos depois, lamento dizer, nada mudou! Inocentes continuam a morrer, continuamos a não ter vergonha e a indiferença aumentou exponencialmente.

Números do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) dizem que 11 crianças morrem ou desaparecem todas as semanas enquanto procuram segurança, paz e melhores oportunidades. Até 14 de julho deste ano teriam já perdido a vida 300 crianças.

Por elas, nada se fez e nada se faz de extraordinário. A sua vida, depreendo, vale muito menos do que, por exemplo, a daqueles milionários que, de livre e espontânea vontade, se enfiaram numa espécie de submarino para ir ver o que restava do Titanic.

Por eles ainda houve buscas, ainda se empenharam vidas e meios financeiros consideráveis.

A guarda costeira norte-americana até lançou uma investigação para determinar as causas do desastre que vitimou a tripulação do submersível. O objetivo, dizem, era descobrir a causa da implosão e criar recomendações para prevenir futuras tragédias.

E eu pergunto: e quem morre no mediterrâneo, não tem direito a buscas e a investigações? Será que estas vidas valem menos que as dos senhores que foram dar um passeio que correu mal?

Os migrantes não vêm a passeio, é um facto, as águas que lhes ceifam a vida também são outras. Sabemos tudo isso! Mas o que não podemos permitir é que haja vidas de primeira e vidas de segunda…

A dias de se assinalar mais um Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (24 de setembro), com o Papa a colocar a tónica da sua mensagem na Liberdade de escolher se migrar ou ficar, mais do que uma ocasião para exprimir preocupação pela diversidade de pessoas vulneráveis que se deslocam; para rezar por elas; e para aumentar a sensibilização acerca das oportunidades proporcionadas pelas migrações, acho que seria tempo de olhar para o ser humano. Assim e só: o humano. Aquele ser de carne e osso como nós e de pensar o que faríamos e queríamos se estivéssemos no seu lugar.

Se houvesse mais essa coisa da empatia, que de acordo com o dicionário é a “capacidade de sentir o que uma outra pessoa sente caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela”, não tenho dúvidas que tudo seria diferente e as vidas valeriam o mesmo em qualquer parte do mundo. Infelizmente, ainda não valem. E ainda morre gente no mar errado!

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Agência ECCLESIA

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