Uma vacina para quem está no mesmo barco

Paulo Rocha, Agência Ecclesia

Os passos solitários do Papa Francisco na Praça de São Pedro, naquele final de março chuvoso, os gestos simples e firmes, as palavras e a oração pela Humanidade ficam na memória da pandemia Covid-19. E o Papa desejaria que, para além dessas recordações, esse momento determinasse um novo paradigma na convivência entre povos e países, focado exclusivamente em valores arredados frequentemente da história como a fraternidade, a solidariedade e a possibilidade de cada um contribuir para o bem comum.

“Estamos todos no mesmo barco” e “ninguém se salva sozinho”. As afirmações do Papa foram títulos para muitas notícias, alavancas de outras tantas conversas e slogans que permanecem na memória global. E com que consequências?

A situação de fragilidade provocada por uma doença que atinge todas as pessoas gerou formas de solidariedade e de presença que ajudam a aliviar as consequências trágicas de empresas de portas fechadas, de trabalhadores que esperam meses a fio por voltar ao seu emprego e sobretudo daqueles que foram privados desse bem maior que é a vida, porque a morte chegou cedo demais…

Atitudes e gestos cheios de valor, sem apontar, infelizmente, para alterações de relevo. De facto, quando se procuram sinais dessas afirmações do Papa tomadas como certas para pessoas e organizações e tentamos perceber se, de facto, “estamos todos no mesmo  barco”, são evidentes os relacionamentos entre povos que apontam para uma normalização de comportamentos que esquecem a convicção de que “ninguém se salva sozinho” e apontam para essa outra máxima, cheia de egoísmo, do “salve-se quem puder”.

A vacinação contra a Covid-19 é um exemplo maior desse retomar do “salve-se quem puder”: pelo açambarcamento das vacinas, o monopólio comercial, a exclusão de países do acesso à vacinação, a segregação de gerações, profissões ou até estados de saúde.

Claro que o desenvolvimento das vacinas e o planeamento da vacinação são necessários! Mas não seria uma relevante concretização dessa certeza de que “estamos todos no mesmo barco” se cientistas, investigadores e farmacêuticas reunissem saberes e recursos para o desenvolvimento de uma vacina que, nestas circunstâncias, é acima de tudo um bem comum? Faz sentido falar desta ou daquela vacina, do plano de vacinação A ou B, redes diferentes de distribuição, doses únicas, duplas ou até mais? Não se podem partilhar as melhores práticas e os saberes que são determinantes para contrariar a propagação de uma pandemia que vai de vaga em vaga, cada vez mais mortal?

Estar todos no mesmo barco implica acabar com “jangadas” de laboratório. Dizer que ninguém se salva sozinho é contrário a planos que deliberadamente salvam salvar um grupo e esquecem outro.

Tudo seria diferente se em causa estivesse, de facto, a procura de uma vacina para quem está no mesmo barco: todos!

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Agência ECCLESIA

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