A origem do que nos move e transforma

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Em Agosto de 1963, 250000 pessoas de todos os Estados Unidos da América juntaram em Washington para ouvir o Dr. Martin Luther King Jr. dizer ”Eu tenho um sonho.” Não havia redes sociais, não foram distribuídos 250000 convites para um Save-the-Date. Como foi possível?

Martin Luther King não era o único orador da época na defesa dos Direitos Civis, e apesar de ter muitas ideias sobre o assunto, também outros as tinham e, por vezes, bem melhores. O que tinha ele de diferente? A clareza do PORQUÊ.

O que move as pessoas?

De acordo com autor Simon Sinek, o Dr. King tinha uma noção clara das razões para a mudança nos EUA. A clareza do seu PORQUÊ tornava claro, também para os outros, o sentido do seu propósito para a mudança, e desse PORQUÊ provinha a força para ir em frente na evolução cultural que queria ver realizada nos EUA e no mundo.

Não era apenas a convicção pessoal do Dr. King que persuadia os outros a escutá-lo e juntar a ele, mas a capacidade de expressar o seu PORQUÊ em palavras simples que todos pudessem entender. É verdade que ele tinha o dom de falar, e as suas palavras tinham o poder de inspirar outras pessoas, mas quantas vezes não repetia “eu acredito… eu acredito… eu acredito…” Segundo a leitura que Sinek faz das razões para 250000 pessoas terem aparecido não foi para ouvirem o Dr. King, mas por elas próprias. Aqueles que possuem a clareza do seu PORQUÊ inspiram os outros por saberem, através das palavras, colocar-se na sua pele e fazerem cada pessoa sentir-se parte da mudança.

Quando experimentamos em nós a mudança e o que pode fazer na nossa vida, o modo como a partilhamos aos outros pode fazer toda a diferença. Nenhuma ideia é boa para os outros, ou, pelo menos, não creio que se a expressarmos desse modo possa inspirar alguém a experimentar essa mudança. Mas se fizer o outro sentir que a minha ideia é, na verdade, sua, faz toda a diferença. Podemos aprender muito quando perdemos as nossas ideias para os outros.

Questiono o facto de dedicarmos muito tempo a partilhar nas redes sociais e grupos WhatsApp, cegamente, notícias, vídeos, histórias que nos tocam, tornando implícita a ideia de que através das novas tecnologias conseguimos chegar a mais pessoas. É esse o nosso propósito?

As 250000 pessoas que se reuniram em Washington não receberam qualquer partilha, ou se moveram inspiradas por qualquer partilha, mas pela vida. E quando a vida se sincroniza com as palavras que pronunciamos, levando os outros a sentirem que não são nossas, mas suas, então, a mudança acontece. Mas penso que existe uma outra razão para além da clareza do PORQUÊ na origem daquilo que inspira alguém a juntar-se a nós numa causa ou ideal.

O Dr. King comunicou-se.

O que transforma as pessoas?

Numa manhã, enquanto esperava num café pela minha filha que estava numa aula de Ballet, vi uma mãe e o seu filho, juntos, em silêncio numa outra mesa, cabisbaixos, cada um com o olhar voltado para o ecrã do seu smartphone. Uma vez mais fez-me impressão. Qual a razão de ir tomar café com um filho se não dedico a minha atenção a ele, e ele a mim?

Começamos a estar tão habituados a esta ideia que deixa de ser estranha, passando a fazer parte do nosso quotidiano. Conversar, dialogar, não é fácil, e nem sempre entretido. Nem sempre ouvimos o que queremos ouvir, ou nos interessa o que interessa ao outro. Não podemos editar as nossas conversas. E os relacionamentos não são passíveis de algoritmos codificados para nos fazerem sentir bem connosco próprios.

Não podemos comunicar sem nos comunicarmos e talvez seja essa a razão de muitos se refugiarem nos ecrãs, em vez de enfrentar o olhar e as palavras do outro. Comunicar-se custa. Mas quando o experimentamos, experimentamos a mudança.

Comunicar-se é uma escolha ao alcance de cada um e contém em si uma força transformativa única. Comunicar-se, ainda que seja nos momentos mais simples, como num café com o nosso filho, ou com a nossa mãe ou pai, familiar ou amigo, leva à transformação recíproca. Nada tem a ver com a ilusão da conexão digital editável daquilo que parecemos ser. É a realidade da conectividade presencial inesperada que transforma o nosso ser.

Comunicar-se é aprender a olhar os olhos do outro e levá-lo à experiência da presença autêntica. Não podemos esconder ou editar a transperência do interior que se expressa através dos nossos olhos. Pois, comunicar-se é olhar-se. Com o aproximar do novo ano, talvez seja um bom propósito para 2020: comunicar-se mais.

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Agência ECCLESIA

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