Homilia do arcebispo de Évora na celebração da Ceia do Senhor

Estimado Sr. D. José Francisco Sanches Alves, Rev.do Arcebispo Emérito de Évora

Rev.dos Senhores Cónegos

Rev.dos Senhores Reitores dos Seminários de Nossa Senhora da Purificação e Redemptoris Mater

Estimados diáconos

Caros Seminaristas

Meus irmãos e minhas irmãs,

Ao assinalarmos a instituição da Eucaristia, celebramos a extensa – e a intensa – ternura de Deus para connosco, Seus discípulos Missionários.

  1. Na Eucaristia celebramos o que na Cruz foi realizado: expressão máxima do amor divino. Parafraseando o cardeal Sean O’Malley, podemos dizer que na Eucaristia damos vários beijos: o beijo ao altar, o beijo ao Evangelho, o beijo à Cruz e o beijo às pessoas. E hoje acrescentamos o beijo aos pés, após  o lava-pés.

No fundo, são beijos dados a Cristo pois no altar, no Evangelho, na  Cruz e nas pessoas é Cristo que nos visita. O que fazemos a eles é o que fazemos a Ele (cf. Mt 25, 40). É por isso que O Cristianismo não é a recordação de um ausente, mas a   contínua celebração de uma presença. A Ressurreição não provocou uma ausência, tendo inaugurado uma nova   presença. Por tal motivo, os cristãos não dizem que Cristo viveu, mas   que Cristo está vivo (cf. Act 25, 19). Aliás, ao longo do Seu ensinamento, Jesus Cristo foi preparando os  discípulos para a perenidade da Sua presença no mundo, «até ao fim dos   tempos» (Mt 28, 20). “Cristo Vive!”, assim intitulou o Papa Francisco a sua Exortação Apostólica sobre a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “Os jovens, a Fé e o discernimento vocacional”.

 

  1. Esta nova presença de Cristo, através da Sua corporeidade eclesial, ocorre especialmente na Eucaristia, na Missão e no Amor. Vamos procurar rezar e refletir nesta Homilia que convosco partilho. Esta presença real — da realidade de Cristo na realidade do mundo — atinge o seu ápice na Eucaristia. Porque é sobretudo na Eucaristia que  se faz o que Ele mandou fazer em Sua memória: comer o pão (cf. 1Cor  11, 23-24; Lc 22, 19) e beber do cálice (cf. 1Cor 11, 25; Mc 14, 23;  Mt 26, 27). Sucede que este pão já não é pão; é o Corpo de Jesus Cristo: «Isto [ou  seja, o pão] é o Meu corpo, que será entregue por vós» (1Cor 11, 24;  cf. Mc 14, 22; Mt 26, 26; Lc 22, 19).

Do mesmo modo, este cálice já não é cálice; é o Sangue de Jesus Cristo: «Isto [ou seja, o cálice] é o Meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos» (cf. Mc 14, 24; 1Cor 11, 25; Mt 26, 28; Lc 22, 20). Na Eucaristia, Cristo vem até nós e nós vamos até Cristo; nós  recebemos o Corpo e o Sangue de Cristo e Cristo recebe o nosso corpo e  o nosso sangue.

Cristo assume a carne de quem comunga a Sua. «Cristo diz-nos: “Tomai, este é o Meu Corpo”; mas cada um de nós também pode dizer-Lhe: “Tomai, este é o meu corpo”, que vos ofereço e consagro com a Cruz de cada dia, com o cumprimento da missão que me confiaste, como teu Discípulo Missionário».


  1. A Igreja «vive da Eucaristia», porque vive de Cristo nela realmente presente. Para a Igreja, viver é sempre viver em Cristo, como Paulo de Tarso, que proclamava: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (cf. Gl 2,20). É em Cristo que se estabelece um estreitíssimo vínculo entre a Igreja e a Eucaristia. Podem, por isso, predicar-se à Eucaristia os mesmos atributos da  Igreja: também ela é una, santa, católica e apostólica. Em linha com uma convicção muito antiga (retomada, entre outros, por  Henri de Lubac e São João Paulo II), dir-se-ia que «a Igreja faz a  Eucaristia» porque sabe que «a Eucaristia faz a Igreja».

A Igreja, ao celebrar a Eucaristia, celebra a presença real daquele  que deu a vida por ela: o próprio Cristo (cf. Ef 5, 25). Dizer, por  conseguinte, que «a Eucaristia faz a Igreja» é, no fundo, dizer que  quem faz a Igreja é Cristo. Se Cristo faz a Igreja entregando-Se por ela (cf. Ef 5, 25), então, ao fazer memória de Cristo, a Igreja na Eucaristia faz memória dessa entrega.

O certo é que a transubstanciação, sendo a conversão do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo, é a conversão no Seu Corpo entregue (cf. 1Cor 11, 24) e no Seu Sangue derramado (cf. Mc 14, 24). Isto  significa que a Eucaristia actualiza a Cruz, onde Jesus consumou a  entrega do Seu Corpo e o derramamento do Seu Sangue.

Não pode voltar para fora da Eucaristia quem, alguma vez, esteve  dentro da Eucaristia. Ninguém que esteve dentro dos mistérios pode  voltar a estar de fora. Pelo que a celebração sacramental da  Eucaristia tem de ser sempre acompanhada pela respectiva celebração  existencial. É a Eucaristia sacramental que nos conduz para a Eucaristia  existencial. E há-de ser a Eucaristia existencial a reconduzir-nos  sempre para a Eucaristia sacramental.

 

  1. A Eucaristia é, em si mesma, geradora da Missão. Jesus que convida para a Eucaristia é o mesmo que convoca para a Missão. Jesus que alimenta com o Pão é o mesmo que alenta para a Missão. Os imperativos «fazei isto em memória de Mim» (1Cor 11, 24) e o «ide por todo o mundo» (Mc 16, 15) são, por isso, indissociáveis.

O Mandamento da Eucaristia está de tal modo ligado ao Mandamento da  Missão que o final da celebração constitui o início da Missão. Aliás,  uma das designações mais conhecidas da celebração tem a mesma  proveniência de Missão. Com efeito, a palavra Missa, tal como a  palavra Missão, provém do latim «mitto», verbo que significa enviar.

A Missão consiste precisamente no testemunho do que vivenciamos na  Missa. A Missa é a fonte da Missão porque a Missão há-de ser o espelho da Missa. O Pão que nos alimenta na Missa continua a  alimentar-nos na Missão. A Missão é uma extensão — e como que uma  explosão — da Missa.

A Missa fortalece para que a Missão frutifique. De resto, é o que pedimos a Deus no primeiro Domingo de Advento com que iniciámos este ano Litúrgico: que Ele «faça frutificar em nós os mistérios que celebramos». À semelhança do envio após a Ressurreição, também o envio no final da  celebração é marcado pela bênção (cf. Lc 24, 50). Os fiéis recebem a  bênção para levarem a bênção; são recebedores da bênção para serem  portadores de bênçãos. Não voltam como vieram. É como abençoados (isto é, como  transportadores do bem) que regressam à vida. Não sentimos todos que a  nossa vida está assediada pelo mal e, por isso, carenciada de bem? A  bênção que nos é dada é semente de bem que nos é entregue.

 

  1. A Eucaristia celebra o bem maior: o Amor. Este, o Amor, é celebrado no altar para marcar o nosso falar e pautar o nosso agir. É deste modo  que o sacrifício do altar se prolonga e estende sobre o mundo. A missão, que sucede à Missa, pretende transformar o mundo de maneira que ele seja cada vez mais impregnado por Cristo. O objectivo é  converter a geosfera numa permanente — e caudalosa — cristosfera.

Na Eucaristia, a Igreja torna-se missionária, não estacionária. O lugar do nosso testemunho não há-de ser apenas o púlpito, a cátedra  ou a reunião. O lugar prioritário do nosso testemunho tem de ser o  terreno, o quotidiano. Daí que o Papa Francisco proponha: «Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões». Se, entretanto, houver que  privilegiar alguém, que sejam «os pobres e os doentes, aqueles que  muitas vezes são desprezados e esquecidos».

É nesta escola do discipulado de Cristo, que exercitamos a nossa missão de serviço. Hoje, no Rito do Lava-pés, vamos rever a maior lição do mestre que veio para servir e não para ser servido. Saibamos contemplar, neste sinal, a mensagem que nos vem de Deus, que procura cada Homem, como o pastor procura cada ovelha e, com amor eterno, nos lava com misericórdia de todos os pecados, dos vazios, das solidões e da escuridão.

Com Maria, Mãe e Mestra da Igreja e dos Discípulos Missionários deixemos que o Senhor nos lave e aprendamos com Ele a lavar os pés aos nossos irmãos.

+ Francisco José, Arcebispo de Évora

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Agência ECCLESIA

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