Vaticano lamenta «acto de eutanásia» na Itália

Doutrina da Igreja Católica considera que a alimentação de um doente em «estado vegetativo» é sempre obrigatória Um tribunal italiano autorizou ontem que se deixe de alimentar e hidratar uma mulher que está há 16 anos em estado vegetativo, o que reabriu no país o debate sobre a eutanásia e sobre o testamento biológico. A decisão foi criticada pelo Vaticano, que considerou tratar-se de “um acto de eutanásia”. D. Rino Fisichella, novo presidente da Academia Pontifícia para a Vida, lembrou à agência ANSA que a posição da Igreja em casos semelhantes é que a alimentação dos pacientes em estado vegetativo é “obrigatória”. Eluana Englaro tem hoje 33 anos e sofreu em 1992 um acidente de trânsito que a deixou em coma irreversível. Internada num hospital de Lecco (Norte), o pai reclama desde 1999 o direito de suspender o tratamento. A Audiência Provincial de Milão permitiu parar com a hidratação e alimentação da paciente, tendo em conta “a extraordinária duração do seu estado vegetativo permanente”. Para a Santa Sé, o “critério ético geral” é que a administração de água e alimento, mesmo se feitas por vias artificiais, “representa um meio natural de conservação da vida e não um tratamento terapêutico”, mesmo quando o “estado vegetativo” se prolongar. Em Setembro de 2007, a Congregação para a Doutrina da Fé, em resposta a duas questões dirigidas pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos ao organismo vaticano, emitiu uma nota onde refere que “a administração de alimento e água não é um peso nem para o paciente nem para a família”. A Congregação afirma que “os doentes em «estado vegetativo» respiram espontaneamente, digerem de forma natural os alimentos, realizam outras funções metabólicas e encontram-se numa situação estável. Não conseguem porém alimentar-se sozinhos. Se não lhes são subministrados o alimento e os líquidos, morrem, e a causa da sua morte não é uma doença ou o “estado vegetativo”, mas unicamente a inanição e a desidratação”. O documento em causa sublinha ainda que a “subministração artificial de água e alimento” não acarretam um ónus pesado nem para o doente nem para os parentes, “não comporta excessivos custos e está ao alcance de qualquer mediano sistema de saúde”. Esta não é “nem pretende ser, uma terapia resolutiva, mas uma cura ordinária para a conservação da vida”. O encargo pode ser considerado se o estado do paciente se prolongar no tempo, mas indica que este é “um ónus semelhante ao de cuidar de um tetraplégico, de um doente mental grave, de um Alzheimer avançado. São pessoas que precisam de uma assistência contínua durante meses e até anos”. No entanto, o princípio “não pode ser interpretado, por razões óbvias, no sentido de ser lícito abandonar a si próprios os doentes, cujo cuidado acarrete um ónus consistente para a sua família, deixando-os portanto morrer”. A Declaração sobre a eutanásia, publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé a 5 de Maio de 1980, estabeleceu a distinção entre meios proporcionados e desproporcionados e entre tratamentos terapêuticos e cuidados normais devidos ao doente, sublinhando que em caso de morte iminente, “é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os cuidados normais, que são devidos ao doente em tais casos”. A 15 de Novembro de 1985, o Papa João Paulo II, recordando a Declaração sobre a eutanásia, afirmou claramente que, em virtude do princípio da proporcionalidade dos cuidados, não se pode dispensar “o empenho terapêutico destinado a assegurar a vida nem a assistência com meios normais de apoio vital”, de que faz parte certamente a subministração de alimento e líquidos, e observa que não são lícitas as omissões destinadas a “abreviar a vida para poupar do sofrimento o doente ou os parentes”. Em 1995, o Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde lembrava que “a alimentação e a hidratação, mesmo artificialmente ministradas, fazem parte dos cuidados normais que são sempre devidos ao doente, quando não resultam onerosos para ele: a sua indevida suspensão pode representar uma verdadeira e própria eutanásia”. No Discurso de 20 de Março de 2004, dirigido aos participantes num Congresso Internacional sobre “Os tratamentos de apoio vital e o estado vegetativo. Progressos científicos e dilemas éticos”, João Paulo II confirmou novamente a posição, sublinhando “que o valor intrínseco e a dignidade pessoal de cada ser humano não se alteram, quaisquer que sejam as circunstâncias concretas da sua vida”.

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