Homilia de D. Jorge Ortiga no Domingo de Pentecostes Na história da Igreja existiu um período de tempo onde se experimentava um certo “medo” do Espírito Santo, delegando a Sua acção para o íntimo do crente, ou seja, para uma vida interior e espiritual. Assistimos, hoje, a uma espécie de redescoberta do Espírito Santo que a deveremos colocar num duplo âmbito de repercussões concretas: um antropológico, como compreensão do homem, e outro eclesiológico, como experiência de Igreja. Quanto ao primeiro aspecto, um sinal evidente da presença do Espírito é a vida nova que o crente interpreta a partir do Baptismo. No modelo de Cristo, reconhece-se vindo de Deus e caminhante numa atitude de obediência filial ao projecto de Deus. Trata-se duma vida de Filhos, como exercício de liberdade, que conduz a Cristo para O testemunhar no mundo. A dimensão eclesiológica encontra-se no acolhimento de duas atitudes complementares: a confissão da fé e a edificação da comunidade. Ninguém pode pensar ter o Espírito se não proclama Cristo empenhando-se em serviços que a comunidade desenvolve. Ele abre espaços imensos de missão. O Espírito conduz, em síntese, a Cristo para que assimilemos e testemunhemos a Sua vida que poderemos sintetizar numa pró-existência, manifestando que a presença do Espírito está no viver com ele para a libertação e bem-estar dos outros. Ele, em quem O acolhe, cria, imediatamente, uma ressonância de Cristo tornando-o intérprete duma libertação através do serviço aos outros com uma força capaz de contagiar. Três consequências, na vida dos crentes, mostram a vitalidade do Espírito em quem acredita. 1. Identificar-se com Cristo num acolhimento da graça que nunca falta e dum projecto de existência verdadeiramente cristão. Não ter medo de ser e de mostrar. 2. Assumir-se cristão é sinónimo de libertação para caminhar numa fidelidade às determinações de Deus e da Igreja. Conta a adesão à pessoa de Cristo mas isto não é algo vazio de conteúdo. Há um conjunto de parâmetros que diferenciam o discípulo dos outros. Num tempo de cristandade era aceite um estatuto. Hoje, só a fidelidade ao “determinado” e “estipulado” permitirá que percorramos a estrada corajosa das minorias. Sei que se propaga a ideia duma sociedade de opiniões e não de valores. Em nome da liberdade, cada um escolhe e age como quer. Num cristianismo verdadeiro não só não devemos ter medo das orientações da Igreja mas teremos de ser sua manifestação. A acção do Espírito Santo perpassa todo o conjunto normativo da vida eclesial. Desde os primórdios da Igreja esta decidiu segundo um binómio de “influências”: “pareceu-nos a nós e ao Espírito”. Não somos fundamentalistas que não pensam. Queremos aderir a um projecto de vida consignada em leis e normas. A redescoberta do Espírito Santo terá de conduzir-nos aqui. Se o fizermos, teremos menos “problemas” na Igreja e deixaremos de perder tempo em questões que dispersam energias. Como poderíamos e deveríamos aproveitar o nosso tempo para assegurar vitalidade na renovação da Sociedade! O Espírito concentra-nos no essencial e aderindo a Ele, renovamos a Igreja e o tecido social. 3. O Espírito Santo é vitalidade e força renovadora. Projecta num compromisso para uma Igreja renovada e uma sociedade mais justa e fraterna. Também no tecido eclesial e na acção no mundo teremos de descobrir a presença do Espírito que interpela à colaboração. Ele é a chama que arde se encontrar disponibilidade de corações. Sem Ele a vida das comunidades cristãs é anémica e a sociedade transforma-se num caos de conflitos de interesses individualistas. Só Ele conduz a uma equitativa interpretação do Bem comum e dos caminhos que este segue. No Espírito aceitamos a riqueza da diversidade e colocamo-nos a procurar o bem público da comunidade. Necessitamos de o Redescobrir dentro e fora da Igreja. Quanto se intervém, sente-se a capacidade de marcar a sociedade com um estilo de vida diferente. Olhando o nosso mundo, dividido em partidos e permanentes confrontos – mais pessoais que de conteúdos – apetece-me ver uma Igreja-referência. Não me contento com tanto pessimismo e resignação por parte dos cristãos. Pretende-se, sempre, que sejam os outros a intervir e aceitam-se as decisões que nos convém. Não será chegada a hora de trabalharmos – dentro e fora da Igreja – com opções concretas e corajosas, capazes de modelar um estilo de humanidade nova? Onde estará a verdadeira preocupação pelo bem público? Parece que estamos encarcerados e não rompemos as cadeias do medo com a coragem de denunciar e propor algo de diferente. Parece que se vive de “rendas” do passado cultural e aproveitamos sofregamente a voracidade do presente sem perspectivas dum futuro melhor. Acordemos em nome do Espírito e idealizemos uma história diferente. + Jorge Ortiga, A. P.