Um olhar missionário sobre a visita do Papa

Na primeira deslocação de Bento XVI ao continente africano, o Papa repete apelos à reconciliação, à justiça e à paz, nos Camarões e em Angola, onde chegou esta Sexta-feira. «A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz» é o tema do Sínodo dos Bispos africanos que em Outubro, no Vaticano, vai juntar a hierarquia eclesial em torno do documento deixado esta Quinta-feira nos Camarões. O Pe. Manuel Augusto, director da revista «Além-Mar», afirma ao programa ECCLESIA que o serviço da reconciliação faz parte da missão da Igreja. “Existe ainda uma situação de conflitos, de injustiças e de necessidade de reconciliação que desafiam a Igreja a mostrar-se mais activa nesta área”. Depois do II Concílio do Vaticano as preocupações da Igreja africana foram para a inculturação e menos para o envolvimento nos processos de transformação social, foca. “Mas até a própria Igreja africana sente hoje essa necessidade dada a gravidade da situação”. O Director da revista «Além-Mar» afirma que existe essa possibilidade de intervenção. “A Igreja tem o dever de formar consciências e, de forma indirecta, tocar nos conflitos. Parece-me que também tem uma palavra a dar na política, nomeadamente, na visão necessária para superação dos conflitos”. A Irmã Tassy Francisco, religiosa Concepcionista aos serviços do pobres, natural de Moçambique, afirma existir um desafio muito grande face aos “fortíssimos conflitos que existem e que votam o continente ao descrédito”. A religiosa aponta o importante papel que a Igreja tem. “É uma instituição muito forte, tem o povo na mão, muita gente a formar e a ajudar para passar uma mensagem de reconciliação, de paz e justiça”. A presença do religioso é também cada vez mais inter-religiosa. O Pe. Tony Neves, missionário espiritano que esteve em Angola durante muitos anos e director do jornal «Acção Missionária», aponta que há locais onde a diversidade religiosa tem conduzido a alguns conflitos. No entanto, o espiritano foca que a diversidade religiosa é um “capital enorme. A complementaridade não deveria dar lugar a guerras e conflitos mas devia ser um factor de aproximação e de paz”. O sacerdote missionário recorda serem históricos os conflitos originados por diferentes visões da vida. “Mas acontecem situações também contrárias”, aponta. Em Angola, por exemplo, durante a guerra civil cristãos católicos e protestantes, que constituem a maioria do povo angolano, “deram as mãos e trabalharam pela paz. Foram capazes de se sentar à mesma mesa, de produzir documentos e lançar iniciativas comuns. O Comité Internacional para a Paz é o sinal mais visível dessa vontade firme de dar as mãos e construir a paz”. Igreja de intervenção e denúncia O Pe. Manuel Augusto antecipa a força que a Igreja pode ter para fazer ouvir a sua voz como resultado do Sínodo dos Bispos Africanos. “A Igreja universal unida com a Igreja africana pode ter uma grande força quando falar sobre os conflitos, sobre a necessidade de reconciliação”. Um dos frutos poderá ser também “fortalecer a denuncia. Os conflitos têm origens locais, mas estão a ser manipulados por interesses externos ao continente. A Igreja Católica tem uma força de denúncia que talvez ainda não esteja a ser exercida em relação aos conflitos.” O Director da revista «Além-mar» recorda que alguns observadores lamentam que os documentos que apontam a realidade dos africanos “foram preparados por grupos distantes da vida real e das comunidades concretas”. O sacerdote acredita que todos os temas ficados têm interesse, “resta saber quais os que terão mais visibilidade no Sínodo”. O tema geral “oferece aos africanos a possibilidade de mostrar os seus problemas e ao mesmo tempo valorizar as boas experiências de reconciliação”. A religiosa Tassy Francisco manifesta que o Sínodo será um tempo de “confirmação da fé do povo africano que quer ser uma Igreja com capacidade de traduzir o Evangelho na sua própria cultura”. O próprio tema do Sínodo dos Bispos tem como objectivo “encorajar a Igreja a ser uma voz que denuncia a injustiça, a violência, a guerra, a pobreza e miséria”. Explica a religiosa que “ser Igreja é optar pelos pobres e ficar ao seu lado”. A Irmã Tassy afirma que enquanto africana gostaria que o Sínodo tivesse palco em África. “O primeiro foi em Roma e já nessa altura a Igreja africana gostaria de ter acolhido o Sínodo, até porque era um momento forte, e um grande impulso a dar à Igreja”. Sendo em Roma, “não deixará de ser um momento de encontro e de afirmação que os africanos são capazes de acolher a Igreja deixada pelos missionários”. O Pe. Tony Neves aponta também o papel de denuncia que a Igreja pode ter. “Mas o problema será outro, porque a denúncia passa nos documentos das Conferências Episcopais africanas. É preciso tirar consequências práticas dessa denúncia”. O Pe. Tony Noves recorda o caso do sacerdote verbita Konrad que, em 1996, saiu à rua e promoveu uma manifestação pacífica pela paz, partindo da situação económica e social que o povo vivia”. Este sacerdote foi preso, “julgado e durante todo o processo a hierarquia não se pronunciou. Só depois o clero da arquidiocese de Luanda tomou uma posição conjunta e escreveu um documento a defender o padre depois da condenação”. O Pe. Konrad foi condenado com pena suspensa, mas “dois anos depois, não conseguiu renovar o visto e teve de regressar à Alemanha depois de 12 anos de trabalho intenso em Angola”. O Sacerdote espiritano sublinha que a Igreja “fala e denuncia bem, mas quando a denúncia vai um pouco mais longe a Igreja, enquanto hierarquia, retrai-se e não defende os seus padres, irmãs e leigos. Parece que o poder político pode continuar a fazer o que quiser, que a Igreja denuncia, mas falta dar um passo em frente. Esta lacuna dá força aos políticos e militares. ”. O Pe. Manuel Augusto afirma ser essencial fundamentar as denúncias e “prosseguir com uma acção coerente”. Missionários e as Igrejas locais “devem ter criatividade para pôr em acção processos que conduzam à resolução aos conflitos”. Com ramificações na comunidade internacional “torna-se mais complicado denunciar as situações com razões consistentes”. A própria falta de união entre os países africanos não ajudar a construir a justiça e a paz. “Mesmo dentro de cada país existem muitos grupos, cada grupo com uma forma muito própria. É preciso lutar pela união em África, que é muito necessária”. Sublinha a religiosa Concepcionista aos serviços do pobres. Segundo o Tony Neves a união política seria muito positiva, mas apresenta-se inviável. “África é uma manta de etnias e povos. As relações são muito diferentes quer em termos históricos quer a nível cultural. A união seria fictícia”. No entanto, aponta o sacerdote espiritano, “têm existido alguns esforços para se juntarem forças para encontrar caminhos de solução. Mas não se tem conseguido, lamentavelmente com prejuízo para as populações que vivem dramas indiscritíveis. No entanto não se encontram vontades políticas globais para encontrar soluções porque há grandes interesses”. “África não é auto gestora das suas riquezas”, denuncia o Pe. Tony. “Petróleo, diamantes, madeiras são disputadas por multinacionais que preferem a instabilidade para poder mais facilmente aceder a esses materiais”. Afirmar a identidade do cristianismo africano A visita do Papa a África e a realização do Sínodo africano são sinais da necessidade de afirmar o cristianismo deste continente. “Unindo os dois acontecimentos, o desafio é lançado à Igreja africana internamente para que se apresente como uma comunidade que ultrapassa os conflitos étnicos e vive reconciliada”. O Pe. Manuel Augusto aponta que “esta reflexão e desafio tem de ser assumido dentro da própria Igreja”. Depois de uma fase de anúncio em África, “entramos na fase da inculturação, de ganhar profundidade, estruturar a comunidade cristã para que se torne profética e influir nos processos em curso”. A Irmã Tassy afirma que a reflexão e opção conjunta de caminhos já acontece em Moçambique. “É um tempo forte da Igreja em África. Mas é também um tempo de dificuldade. No pós-guerra a Igreja cresceu, houve comunidades abandonadas e agora parece que tudo normaliza. Mas esta normalidade que precisa ser cuidada, através da formação de leigos, religiosas e clero”. Para o Pe. Tony Neves é uma “honra enorme para Angola ser escolhida para a primeira deslocação do Papa África”. O sacerdote aponta que esta foi uma escolha do Papa para confirmar a caminhada da Igreja angolana, que está forte, tem futuro e impacto dentro da sociedade. Talvez Bento XVI queira mostrar este exemplo angolano para o levar a outros países”.

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