Um bispo vindo de Rates

Rui Ferreira, Arquidiocese de Braga

1 – Rates é uma célebre paróquia da Arquidiocese de Braga, localizada no arciprestado da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, de onde, segundo as narrativas mitificadas, terá provindo São Pedro de Rates, o primeiro bispo bracarense. Por isso mesmo, é um lugar imerso num profundo simbolismo na história eclesiástica bracarense. Esta é também a mesma terra da qual provém o bispo mais jovem da Igreja em Portugal, D. Roberto Rosmaninho Mariz, nomeado pelo Papa Francisco, no passado dia 26 de maio, como Bispo Auxiliar do Porto.

2 – Falar de São Pedro de Rates não é apenas fazer referência a uma personalidade cuja existência não conseguimos totalmente decifrar, é também mergulhar na origem da Igreja de Braga e na forma como procurou fundar a sua identidade. Segundo o relato da “História Eclesiástica de Braga”, que o arcebispo D. Rodrigo da Cunha escreveu na década de 1630, Pedro de Rates seria um judeu que teria chegado a Braga no tempo do rei Nabucodonosor. Sepultado com fama de homem virtuoso, seria ressuscitado pelo apóstolo Santiago aquando da sua presumível primeira passagem por Braga no ano 37 da era cristã. Após a sua fabulosa ressurreição, seria instruído e batizado pelo apóstolo, sendo designado Bispo de Bracara Augusta. Seria curta a sua prelazia, já que na sequência da cura miraculosa da filha de um rico proprietário, acabou por converter a mãe e a filha ao Cristianismo, convencendo-as às virtudes da castidade. Furioso com esta contingência que afetara sua mulher e sua filha, o homem mandou perseguir o bispo Pedro e ordenou a sua morte, que veio a suceder no lugar de Rates, onde lhe foi dada sepultura. Tudo isto teria sucedido no ano 45.

3 – Esta narrativa mitificada criou raízes na Arquidiocese de Braga, no entanto, há quem avente a hipótese deste culto ter nascido sobre o túmulo de um seguidor de Prisciliano, bispo de Ávila que propagou uma doutrina herética no século IV, que seria condenada e sentenciada pela Igreja no final do século IV. Em 1096 a ordem de Cluny haveria de fundar um mosteiro sobre o seu presumível local de sepultamento e, em 1508, o arcebispo D. Diogo de Sousa haveria de inserir a sua celebração no breviário bracarense, sendo assinalada anualmente a 26 de abril. Entretanto, em 1552, os seus restos mortais seriam solenemente trasladados para a Sé Primaz, por iniciativa do arcebispo carmelita, D. Frei Baltazar Limpo.

4 – A propósito deste culto, cuja raízes remontam à alta Idade Média, no passado dia 21 de junho, foi lançado, no Museu Pio XII, o livro “Em Defesa do Culto a S. Pedro de Rates” da autoria de Frei Francisco Maria Braguês, que se baseia na dissertação do carmelita Frei Inácio de São Caetano (1718-1788), na qual se aventam novas possibilidades sobre esta figura que a mitologia consagraria como primeiro prelado bracarense, mas cujo culto efetivamente se enraizou naquela vila poveira há quase desde os primórdios do Cristianismo no Noroeste peninsular.

5 – Passados mais de catorze séculos sobre a provável instituição do culto de São Pedro de Rates, e cinco séculos depois da sua apodítica consagração como primeiro bispo de Braga, novamente parte um bispo a partir de Rates, desta vez com mais peremptórias garantias sobre a sua biografia. Nascido a 13 de janeiro de 1974, frequentou os seminários de Braga, tendo sido ordenado sacerdote a 19 de julho de 1998. Licenciado em Sociologia pela Universidade do Minho, obteria o Doutoramento em Estudos de Religião com a tese: “O rosto social da Religião – As motivações religiosas das organizações socio caritativas católicas”, na Universidade Católica Portuguesa. Seguiria o seu percurso pastoral no Arciprestado de Vila Verde, onde seria pároco de Atães, Barros, Penascais, Vilarinho, Vila Verde e Loureira, tendo assumido também a missão de arcipreste. Em 2006 seria nomeado pároco de São José de São Lázaro, uma das maiores paróquias da cidade de Braga, missão que desempenhou ao longo de 17 anos, tendo ainda assumido durante alguns anos, em acumulação, a paróquia de Lomar, também em Braga. Ecónomo-Tesoureiro da Arquidiocese de Braga desde 2017, haveria de assumir também a presidência da Irmandade de São Bento da Porta Aberta, entre outras responsabilidades, além de membro do Conselho Episcopal, Conselho para os Assuntos Económicos da Arquidiocese, Conselho Presbiteral e Conselho Pastoral Arquidiocesano.

6 – Destacando-se pelo seu carisma, diplomacia e capacidade de trabalho, D. Roberto Rosmaninho Mariz seria nomeado pelo Papa Francisco, como Bispo titular de Vita e Auxiliar da Diocese do Porto. Tendo escolhido como lema episcopal “como barro nas Suas mãos”, apresentou-se à sua nova diocese como alguém que se quer deixar moldar com amor e ternura pelas mãos de Deus, Aquele “que nunca desperdiça o barro [ser] humano, mas sempre o acarinha e refaz com a Sua bondade”. No próximo dia 23 de julho, a sacrossanta Basílica Primacial Bracarense assistirá à cerimónia da sua ordenação episcopal, uma celebração presidida pelo Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, que oferecerá à Igreja, (quiçá) novamente, um bispo vindo de Rates.

Rui Ferreira

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