Três anos depois, continuamos a não ver os rostos dos refugiados

Lígia Silveira, Agência Ecclesia

Ainda se lembra da criança síria que faleceu no Mediterrâneo cujo corpo deu à costa numa praia, numa imagem que correu mundo? Chamava-se Alan Kurdi. Três anos depois é notícia a pequena Valeria Martinez que, noutra geografia, volta a ser um símbolo da procura de uma vida melhor, mas cujo sonho terminou, neste caso, na fronteira entre o México e os Estados Unidos.

Não lhes vemos os rostos, nem do pai nem da sua filha de quase dois anos, mas imaginamos os sonhos. Imaginamos que naquela cabeça de criança está a certeza de, em qualquer circunstância, a presença do progenitor é o melhor aconchego e que, por isso, não é a margem do Rio Grande que quer, mas a vontade de permanecer junto do pai. Juntos, dentro da mesma camisola, para que a corrente do rio não os separasse.

Tive muita dificuldade em encarar esta fotografia, confesso. Há três anos atrás, doía-me pensar que podia ser o meu filho, na praia da Turquia, ao mesmo tempo que me sossegava com a possibilidade da concretização dos seus sonhos, porque lhe foi dado viver outra circunstância e geografia.

Não é só no plano político que o mundo se divide entre «nós» e «eles». Também no campo das oportunidades, dos sonhos, até na possibilidade de procurar uma vida melhor há um «nós» e um «eles». E enquanto forem «eles», a quem não vemos os rostos, que lutam para fugir da miséria, correm para continuar vivos fugindo da guerra ou porque falta dinheiro para alimentos, «nós» continuamos, serenamente sossegados, a sentir que não é connosco.

A indiferença vai continuar a matar quando nos ficarmos pela sensibilidade. Três anos depois, continuamos a não ver os rostos.

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