Trabalho e criação de emprego

Manuel Carvalho da Silva, Observatório sobre Crises e Alternativas

Escrevi recentemente em Vencer o Medo que “As opções económicas que vão sendo adotadas chocam com os direitos no trabalho, com os direitos sociais fundamentais, com os direitos humanos, com a nossa cultura. Um fundamentalismo económico/gestionário de trapaça, colocado ao serviço do terrorismo financeiro, destrói o indispensável equilíbrio entre o económico, o social, o cultural e o político nas mais diversas áreas da nossa vida individual e coletiva: o funcionamento e as decisões das instituições e da generalidade dos órgãos de poder surgem-nos cada vez mais marcados por este aprisionamento, colocando em causa a dignidade dos cidadãos, o primado da lei característico de um Estado de Direito e a própria Constituição da República.

O fundamentalismo dos números ao serviço de um ganancioso, louco e perigoso processo de agiotagem, coisifica tudo para gerar falsas relações de valores em que, em última instância, a sobrevivência de um indivíduo ou de uma família tem menos valor que uns tostões, que pretensamente esse indivíduo ou essa família estão a dever a um qualquer capitalista que se move pelo mundo saqueando tudo. Neste processo, o valor do trabalho – por conta de outrem, mas também individual e de muitos pequenos e médios empresários – é manipulado no sentido de lhe provocar uma redução permanente. Por arrastamento, grande parte das atividades económicas de grande utilidade e criadoras de emprego são também condenadas ao desaparecimento.”

Nestes tempos de ebulição social e política em que no plano mundial, europeu e nacional está em fermentação a emergência de uma nova era, o estrebuchar dos “velhos” poderes que ainda nos governam, ou desgovernam, dos seus dogmas e “valores” está a gerar destruição de trabalho humano útil na construção da dignidade de muitos milhões de seres humanos, a provocar desemprego em massa, a tentar impor um retrocesso civilizacional, nomeadamente despindo o trabalho de direitos, ou seja, estilhaçando o moderno conceito de emprego, que foi, como sabemos, a base de sustentação do progresso, de avanços na justiça social, ancoradouro da democracia e da paz para grande parte dos povos.

Então como defender o valor do trabalho? Que políticas propor para que se trave a destruição e se crie o emprego necessário?

Façamos um exercício de memória histórica. Quando em 1919, em Versalhes, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) as nações assumiam que o desequilíbrio nas relações entre capital e trabalho era a primeira causa de instabilidade nas sociedades e um enorme perigo para a paz. A denúncia desse desequilíbrio havia sido feita ao longo de décadas por diversas correntes de pensamento e também pela Igreja Católica.

Quando, em 10 de maio de 1944, perante os horrores da guerra, foi adotada a “Declaração de Filadélfia”, “relativa aos fins e objetivos da OIT”, os países assumiam que “o trabalho não é uma mercadoria” e que “a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos”.

Também na “Declaração dos Direitos Humanos”, de 10 de dezembro de 1948, encontramos as bases suficientes para nos orientarmos quanto ao lugar e ao valor do trabalho.

O primeiro desafio que se nos coloca é, pois, o de lembrar estes compromissos para se evitar novos horrores, que podem resultar de cada vez mais injusta distribuição da riqueza e da sua utilização egoísta.

É preciso travar a destruição dos direitos no trabalho e do direito do trabalho. Há que fazer opções de investimento que favoreçam a resposta aos problemas concretos das pessoas, a criação de emprego e o crescimento económico, em contraposição a um austeritarismo demolidor do desenvolvimento. Impõe-se o “retorno” do económico ao social com valorização do trabalho, do emprego, do salário e do tempo dos cidadãos. A responsabilização e mobilização das pessoas têm de fazer-se a partir dessas opções.

É preciso apostar na produção de bens e serviços úteis ao desenvolvimento humano nos diversos setores de atividade, com um forte impulso de industrialização. Com outra utilização da riqueza é possível criar milhares de postos de trabalho de interesse em áreas novas de resposta às expressões da crise do capitalismo, ou para fazer face às exigências de grandes conquistas da humanidade, como o aumento da esperança de vida ou o desenvolvimento do Estado Social.

Entretanto não ignoremos um fator fundamental: novos caminhos de progresso e justiça só se atingirão com uma governação com autoridade moral e ética, que paute os seus compromissos pela interpretação dos anseios e necessidades dos cidadãos, que seja rigorosa e fale verdade.

Manuel Carvalho da Silva,
Observatório sobre Crises e Alternativas

 

 

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